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elrey

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Episódio 4 – Adormecendo...

Ouviam-se os pingos da chuva recente caindo no chão, vindos dos telhados das casas. Chovera da mesma forma que há cerca de dois meses, na noite em que Afonso desaparecera. As pessoas pareciam comportar-se da mesma forma. Mas, por incrível que pareça, desde esse dia nunca mais houve um único conflito entre os moradores do bairro.

Rui contentava-se com esse pacifismo. Era polícia, o único que lá morava, mas no Bairro da Lagoa ele era simplesmente uma pessoa normal, nunca um agente da autoridade. Não admira que grande parte das pessoas não soubessem que ele era polícia, a não ser aquelas que o viam por vezes fardado, quando ele se esquecia que assim estava. A sua mulher, Susana, passava os dias em casa, cuidando do filho de dois anos.

Rui regressava a casa e passava, como sempre pelo jardim do bairro. Não encontrou Carlos, que tinha visto nas últimas semanas, todos os dias quando voltava do trabalho. Estranhou, mas não ligou. Aquele era mais um dos dias em que se tinha esquecido de despir a farda, ou seja, todos olhavam para ele como se nunca o tivessem visto.

Entrou em casa sem ligar aos olhares e foi directamente para a sala. Lá estava sentado Carlos, no cadeirão habitual de Rui. Mas este agiu como se não estivesse lá ninguém. Saiu, foi ao quarto trocar-se, e quando voltou, o velho dormia. Um sono profundo e relaxante, complicado para quem estava sentado, mas que ele parecia assim ficar na perfeição. Susana não estava em casa, assim como o seu filho. Não se apresentava algum sinal deles.

Voltou à sala, após correr toda a casa, e sentou-se no sofá como se fosse o dia mais normal do mundo. Não se sentara, claro, no seu cadeirão, mas sentou-se no sofá grande, como se o outro simplesmente nunca tivesse existido. Ligou a televisão e ali ficou até adormecer. Foi acordado com um simples toque, mas ao abrir os olhos não estava em sua casa. Não conseguia levantar totalmente as suas pálpebras, mas conseguia observar uma divisão muito luminosa, com as paredes todas brancas e reflectindo muita luz. Consigo encontravam-se outras pessoas, aparentemente na mesma situação. Todos se encontravam sentados em cadeiras muito desconfortáveis. Pelo menos a de Rui era, e a ter em conta que todos gemiam de cansaço, as restantes também deveriam ser.

Mas alguém estava de pé. Uma pessoa de baixa estatura estava agora à sua frente e deu-lhe uma chapada, que o fez abrir totalmente os olhos e identificar a criança, uma cara que em nada era estranha, muito pelo contrário...

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Peço desculpa por não ter havido episódio ontem, mas foi dia de Natal.

Se não ocorrerem problemas, amanhã, Sábado, publico o Episódio 5, e no Domingo publico o Episódio 6, pela próxima Quinta-feira que é dia de ano novo e não poderei publicar novamente.

Resumindo, o episódio 5 será amanhã, o episódio 6 no domingo e o episódio 7 e o episódio 8 será no dia 8 de Janeiro.

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Pessoal, peço mais uma vez desculpa por não ter cumprido a promessa, mas momentos após ter dito que ia publicar os episódios fiquei sem net! É o que dá só ter 1GB por mês! :laugh_mini:

Aqui estão os episódios 5 e 6:

Episódio 5 – A Sala

Rui conseguia finalmente abrir os olhos completamente e identificava perfeitamente o rapaz à sua frente. Era Afonso, o sem-abrigo que dormia na rua de sua casa. Para ele, aquele menino significava algo mais, mas preferiu não pensar nisso agora. Olhou em volta e consigo encontravam-se mais três pessoas, para além da criança, todas suas conhecidas, por morarem perto de si. Chamavam-se Paulo, Lurdes e Vanessa.

— Bom dia... ou tarde... Alguém tem horas?

Rui arrependeu-se de ter feito esta pergunta no momento que se seguiu. Esqueceu-se completamente que ali todos estavam amarrados atrás das costas, tal como ele, e ninguém poderia ver que horas eram, como era óbvio.

— O que é que acha? Estamos todos como você! – respondeu Vanessa.

Naquele momento Rui apercebeu-se que a sala não tinha qualquer janela nem qualquer lâmpada, ou seja, não apresentava fontes de luz. De onde viria toda aquela luminosidade, ninguém sabia.

— Como veio aqui parar? – inquiriu-lhe Paulo – Também mataram a sua mulher?

— A mim? Não. Não a vi hoje. Mas... a sua morreu?

— Quando cheguei a casa encontrei-a morta no chão, com todos os seus dedos das mãos cortados. Após o funeral, deitei-me na minha cama e fechei os olhos. É a última coisa que me lembro, antes de acordar aqui.

— A minha foi ainda pior! – disse Vanessa – Só me lembro de chegar a casa e toda ela inundar, como uma piscina. Pensei que tinha morrido, mas depois estava aqui...

— E tu? – perguntou Rui a Lurdes.

— Eu encontrei o meu marido esventrado na sala e no frigorífico estava um pé humano, ainda com sangue. Vagueei pelo bairro até ficar inconsciente. Acordei nesta sala.

— Bem, parece que temos todos histórias em comum. Eu não me lembro de quase nada desde que entrei em casa. Lembro-me só de por lá andar e de me sentar no sofá.

Naquela altura já Afonso não se encontrava na sala, mas ninguém reparara. Rui olhava agora para um grande espelho que estava atrás de si. Fazia lembrar as salas de interrogatórios. Deviam estar a ser observados, pensou.

— Temos de arranjar forma de sair daqui – disse Paulo.

— Se soubéssemos onde é a porta!

Só ao dizer isto é que Vanessa se apercebeu mesmo que não havia porta alguma. Tal como já tinham reparado, aquela sala apenas tinha paredes, um espelho e cadeiras com eles sentados. Mais nada, absolutamente nada.

Naquele momento todos cegaram. Deixaram de ver completamente, foram inundados por um mar negro que os fez gritar. Mas aos poucos a visão voltou e no centro da divisão surgiu um homem. Um homem velho, conhecido pelas pessoas por Carlos.

— Oiçam, pecadores! Preparem-se para sofrer!

Episódio 6 – Desespero

Os quatro reféns viam o tempo passar. Paulo já ali estava há dois dias, Vanessa e Lurdes tinham chegado no dia anterior. A urina escorria pelas pernas das cadeiras destes três, e Paulo já estava sentado sobre as suas próprias fezes. Rui aguentava a sua necessidade de se aliviar, até que atingisse o limite, à qual os outros já haviam atingido.

— Temos mesmo de sair daqui.

Lurdes, ao dizer isto, tentava dar uma palavra de alento aos que se encontravam na mesma situação, mas todos eles sabiam que o mais certo era não saírem dali. Ou saírem mortos.

Os dias foram passando e nada saía. Não saíam ideias das suas cabeças, nem ar daquela sala. Mas esse não saía nem entrava. Estavam a inspirar o ar que haviam expirado desde há cinco dias. A divisão cheirava intensamente às necessidades dos quatro ocupantes. Já se tinham habituado ao cheiro, e nada podiam fazer para o anular. E por isso aguentavam. Mas a roupa interior suja e molhada era incómoda, e eles não faziam por evitar mostrar isso. Sentados nas cadeiras estavam sempre se mexendo, à procura de afastar o que tinham nas calças. Todos sentiam as suas mãos dormentes, já que estavam atadas atrás das costas desde que ali haviam chegado.

Esperavam a qualquer momento a vinda de alguém, pois desde que o velho ali tinha estado, nunca mais ninguém aparecera. E todos pensavam nisto no mesmo momento. E quando quase fugiam deste pensamento, algo surgiu no meio da sala. Era um telefone.

As algemas que tinham nos pulsos desapareceram num instante e ficaram livres. Hesitaram em se levantar, tanto pela desconfiança, como pelos seus rabos que se encontravam colados ao assento pela porcaria. Mas o telefone começou a tocar, e Rui levantou-se rapidamente para o atender. Do outro lado, uma voz falava uma língua imperceptível. Passou o telefone aos outros, mas ninguém estava a entender o que era dito. Mas ao chegar a Vanessa, esta entendeu perfeitamente o que era dito. O que os outros ouviam como uma língua estrangeira, ela ouvia como a sua língua materna.

Vanessa anuiu tudo o que lhe foi dito e desligou.

— Então? Percebeste o que te disseram?

— Entendi tudo, não sei como não perceberam.

— Mas o que ouviste? – perguntou Lurdes.

— Disseram-me vos ordenar a suicidarem-se.

Todos olharam-na fixamente, à espera que ela dissesse que estava a gozar. Mas não disse, e continuou:

— Por baixo de cada cadeira está uma faca. A única coisa que têm a fazer é cortar os pulsos. Vá, do que estão à espera?

Lurdes, Paulo e Rui olharam-se e como se comunicassem por telepatia avançaram ao mesmo tempo. As seis mãos empurraram Vanessa contra a parede. Como que por magia uma corda surgiu no chão, corda essa que o grupo usou para a amarrar à cadeira. Amarrada e amordaçada, não mais se pronunciou.

Agora livres, os reféns vagueavam pela sala branca, esperando que algo acontecesse. Ao olhar para o espelho que estava por detrás da sua cadeira, Rui viu algo que o fez parar. Reflectidos, como se por detrás dele estivessem, estavam a sua mulher, Susana, e o filho, Rúben. Correu para o espelho mas já haviam desaparecido.

E até para a semana, de volta ao horário normal, às Quintas, com o episódio 7.

Bom ano!

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Nao percebi porque sao pecadores.

Afinal o menino era um menino da rua, como tantos outros que existem por ai.

As pessoas teem a sua vida e nao lhes ligam muito, se um desaparece pensam que foi para outro lado ou nem se quer se interessam.

Mas terao culpa? Serao culpados?

Muitos desses meninos nao sao tao meninos como isso, roubam, andar armados, vendem droga, gostam da vida facil, metem medo e acabam afastando as pessoas, no meio disto tudo pagam todos a conta.

Mas as pessoas que fazem que nao vem, terao culpa?

Acho horrivel o que estao a passar, nao mereciam se sujeitar aquilo.

Mas quem estara por tras desta vinganca?

____________________

Elrey continua assim, a historia esta muito bem escrita.

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Episódio 7 – Recordar

Seis dias já tinham passado desde que o primeiro refém tinha chegado à sala. Tantas noites deveriam ter passado também, mas isso eles não sabiam, pois ainda não tinham dormido em momento algum. A ofuscante luz vinda não se sabe de onde não deixava ninguém dormir. Excepto Vanessa, que amarrada à cadeira e sem poder falar, lá acabou por adormecer.

Rui lembrava-se do momento em que tinha acordado naquela sala e tinha visto à sua frente Afonso. Ao lembrar-se deste momento, vieram-lhe à memória todas as imagens que tinha da criança. Nada que o incomodasse. Não se arrependia do que tinha feito.

Há seis meses, a noite estava quente mas chuvosa. Rui tinha feito serão e por isso a mulher não estava em casa, e tinha ido passar a noite a casa de sua mãe, com o filho. Ao passar pelo beco que habitualmente estava o menino sem-abrigo, olhou-o atentamente. Este estava sentado sobre o seu pedaço de cartão, sentindo a chuva cair sobre a sua cabeça, mas era como se não a sentisse. Como se cada pingo de chuva fosse um companheiro, compensando os muitos que nunca teve. Subiu os olhos para o início do beco, mas o senhor que lá estava já ira. Antes de voltar a baixar a cabeça, viu-o surgir novamente, só que desta vez trazia uma manta consigo. Chegou-se ao pé da criança, cobriu os seus ombros e cabeça com a manta e levou-a para sua casa.

— Estavas lá fora desde quando? – perguntou-lhe Rui.

— Desde sempre.

E aqui houve um silêncio. Afonso sem saber o que dizer e Rui sem saber o que fazer.

— É melhor tirares essas roupas, que estão encharcadas. Eu tenho ali algo para vestires.

A criança, não mostrando vergonha, despiu-se mesmo ali onde estavam, na entrada, ficando nu em frente ao homem que o abrigava. Rui, nesse momento, sentiu algo que nunca tinha sentido. Uma vontade irresistível de fazer algo proibido, e que nunca tinha experimentado, nem queria experimentar.

Olhou para a criança por todos os lados onde podia olhar e saiu rapidamente. Voltou momentos depois com um fato de treino velho. O sentimento em Rui continuava e ele resistia com todas as forças possíveis. Debruçou-se sobre o rapaz para lhe dar a roupa, mas em vez de terminar a acção atirou-a para a frente, pegando em Afonso pelo braço. Leva-o para a sala e deita-o no sofá. Despe-se e fica tal qual como o menino: todo nu. Este tenta fugir, mas Rui deita-se logo sobre ele, não o deixando mexer-se.

Ali naquele local abusa dele da pior forma, que nem o próprio imaginara que alguma vez o pudesse fazer. Experimentou tudo o que achava repugnante e nojento antes daquele momento chegar. E não pensou em recuar uma única vez em todo o acto.

De regresso ao presente, a Sala continuava igual. Rui solta uma pequena lágrima no canto do seu olho esquerdo. Apressa-se a limpá-la. Ele queria arrepender-se, mas não conseguia...

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Até para a semana! :man_in_love_mini:

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No episódio 8 haverá mais revelações de "crimes" ou "pecados" como quiserem chamar.

Ah, e os "efeitos especiais" têm outra explicação, mas isso só será explicado mais para o final...

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Aqui vai um episódio fresquinho...

Episódio 8 – Recordar II

Abalados pelo cansaço de seis dias acordados, já quase todos dormiam, à excepção de Paulo, que continuava acordado. A fome era mais forte que o sono, e por isso passava o tempo engolindo a sua saliva e roendo as unhas, tentando enganar o estômago. De facto, ninguém comia desde que ali tinha chegado.

De súbito, Vanessa acordou. Debateu-se na cadeira onde se encontrava amarrada e amordaçada, parecendo querer dizer algo. Paulo, já com pena dela, levantou-se e desamarrou-a.

— O que foi? – inquiriu-lhe Paulo, mostrando-se preocupado, já esquecido do que ela fizera.

— Tive um sonho horrível! Lembrei-me de tudo o que tinha feito em tempos, quando era irresponsável. Eles estão os dois a dormir?

— Como se fossem anjinhos.

— Ainda bem. Não quero que oiçam o que quero falar contigo.

Vanessa lembrava-se do que acontecera há pouco mais de dez anos. De uma gravidez indesejada nascia uma criança que ela não queria de forma nenhuma. Logo após o dorido parto, ocorrido em sua própria casa, dirigiu-se à igreja, onde se encontrava o padre Paulo, que mais tarde se voltaria a encontrar com ela numa sala branca e isolada, onde recordariam estes acontecimentos.

O pequeno rapaz ficou aos cuidados daquela paróquia e viveu com o pároco até o menino fazer 8 anos, altura em que Paulo decidiu casar e deixar a vida religiosa toda para trás. A futura mulher dele, Josefina, não sabia da existência do jovem, e por isso receou contar-lhe.

Num amanhecer cinzento, dias antes do casamento, Afonso, assim ele o tinha chamado, foi deixado na principal avenida da cidade. Já crescido, ele não quis ficar ali.

— Eu juro que se tu, quando me vires na rua ou em algum sítio, falares comigo ou sequer olhares para mim, eu mato-te! - Paulo pronunciava estas palavras sem sequer soluçar – Tu nunca me viste nem me conheces. Eu para ti morri, assim como o oposto. Nunca mais me procures, ficas à tua conta!

Afonso sentou-se no banco e chorou. Chorou toda a manhã e toda a tarde. Só parou à noite, quando adormeceu no mesmo banco, onde permaneceu durante os dias seguintes. Não foi interpelado por ninguém, até que uma sem-abrigo sentou-se ao seu lado.

— Então, estás aqui sozinho? Onde estão os teus pais? – Perguntou-lhe a mulher.

— Não tenho. Nunca tive mãe e o meu pai morreu. E você? Está sozinha porquê?

— Porque optei por assim ficar. Fiquei sem casa há dois meses e desde esse dia que vagueio pelas ruas. A minha família está toda em França e o meu marido abandonou-me.

— Podemos fazer companhia um ao outro. O meu nome é Afonso.

— Eu chamo-me Lurdes.

A partir daquele momento, o menino chamado Afonso e a mulher chamada Lurdes começaram a passar o tempo juntos, partilhando a rua como habitação. Procuravam comida, bebida, cobertores e caixas de papelão. Faziam tudo juntos, eram como mãe e filho.

Mas, ironia do destino, este designou que Afonso passasse novamente pelo mesmo tormento, quando um dia o marido de Lurdes a encontrou na rua e implorou que esta regressasse a casa. Sem saber o que sentia, se pena, se amor, Lurdes acabou por ceder. A única coisa que disse ao rapaz foi um simples “Adeus”, agarrando a sua mão até a distância não deixar mais. Foi esta a última vez que Afonso tocou em alguém, até ser novamente tocado por Rui, mas de outra forma.

Lurdes acordava na sala branca. Tinha sonhado com o menino com quem havia partilhado a rua em tempos. Paulo e Vanessa interrompiam a sua conversa, em que o ex-padre contava o que havia feito com o rapaz. Esta ainda não sabia que o sem-abrigo desaparecido era o seu filho.

Apenas Rui dormia, mas não por muito mais tempo, abrindo os olhos no momento em que uma nova cadeira surgiu na sala, que não vinha vazia, mas sim com um homem sentado. Este esperneou e contorceu-se. Visto que vinha atado, os restantes reféns levantaram-se para o libertar, e este mal levantou-se gritou:

— Onde estás maldito? Enviaste-me para aqui para me testares? Quando te vir mato-te!

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Episódio 9 – Salvação

Todos olhavam para o novo refém com olhar piedoso. Sem saberem porquê, sentiam pena pelo homem.

— Como te chamas? – perguntava Rui.

— Vítor. – baixa o tom de voz – Eu acho que sei uma forma de sairmos daqui. Mantive-me acordado quando me trouxeram. Dêem-me só um minuto.

Vítor dirigiu-se até a um canto da sala, e bateu no chão. Era oco. Pegou numa cadeira, levantou-a sobre as costas e atirou-a contra o chão. Um grande buraco negro abriu-se e uma espécie de conduta avistava-se debaixo dos seus pés.

— Espero que não tenha feito muito barulho... – disse Vítor, sorrindo – Vamos, rápido.

Correram para o buraco, onde cabiam perfeitamente agachados. Seguiram em fila indiana por um longo corredor pouco iluminado, mas onde se distinguiam perfeitamente as formas. Por baixo dos seus pés passavam ratos e baratas, aos quais Vanessa respondia com gritos estridentes. A todos eles, excepto Vítor, custava caminhar de joelhos, pois as fezes e a urina que inundavam a sua roupa interior tornavam-se incómodos demais. Estavam assados e também mal se conseguiam esticar. Necessitavam urgentemente de cuidados de higiene.

Após alguns metros, o corredor terminou. À sua frente tinham uma pequena porta de metal, constituída por uma grande manivela redonda ao centro.

— Abro? – perguntou Vítor.

Olharam-no nos olhos e encolheram os ombros. Todos pensavam o mesmo: “O que é que achas?”.

— Podem aparecer coisas desagradáveis. Mas vamos lá.

Enquanto a manivela era rodada, ouviam-se barulhos suaves vindos de dentro. Como que suspiros de alguém que desespera por algo. Ouviu-se um clique quando o manípulo parou e um vento frio atravessou os corpos sujos das seis pessoas. A porta abriu-se e atrás dela estava algo que ninguém esperava ver.

Uma sala escura, de paredes cinzentas, sujas e partidas, chão imundo e no centro uma corda. Uma corda pendurada ao tecto, e na sua ponta inferior estava Afonso. Preso pelos pulsos, o jovem estava suspenso no ar, a alguns centímetros do chão. Com o olhar fixo no local onde estava a porta agora aberta, a criança pedia ajuda sem sequer falar.

Correram até ao centro e soltaram o rapaz. Este guinchava sem pronunciar nenhuma palavra perceptível, e ninguém insistia para que ele falasse bem. Apenas queriam sair dali. Vítor achou que conseguia achar uma nova saída e todos voltaram para o pequeno corredor. Mais à frente encontraram uma nova passagem que provinha da principal.

Rui olhava para Vítor com desconfiança, como se não confiasse nele. Não entendia como é que ele conhecia tudo aquilo, se tinha acabado de chegar. Nesse momento, viu a rua do seu bairro por um rápido instante, como se realmente estivesse lá. Calculou que fosse apenas cansaço.

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Episódio 10 – Ardente

Seguiram cansados ao longo do longo corredor, até chegarem ao fim deste. Andaram agachados durante várias horas. Pareciam ter andado em círculos, já que o ambiente era sempre o mesmo, como que repetido.

Desta vez no fim não havia porta. Uma parede terminava o corredor, e para cima seguiam umas pequenas escadas.

— Quem quer ser o primeiro? – inquiriu Vítor.

Todos olharam para a Afonso. Pensavam o mesmo, apesar de ninguém se pronunciar. Cada um sabia a sua própria história com a criança e apenas ela sabia a de todos consigo. O jovem também nada disse. Deixou que alguém, vencido pela ansiedade, se oferecesse. Havia sido Vanessa.

A rapariga pegou com receio nos ferros da escada e subiu devagar. Em cima estava uma tampa, que abriu sem dificuldade. Os restantes viam-na desaparecer no fumo da zona superior. Fumo esse que mudou de cor no instante em que Vanessa gritou.

— O que se passa? – gritou Paulo – Vanessa!

Subiram, um a um, começando em Paulo e terminando em Afonso, mas este último não conseguiu chegar às escadas, pois ficaram parados quando alguém disse que Vanessa estava a arder. Nada se conseguia ver à volta, nem os próprios pés. Só viam o fogo por ser incandescente. Vítor despiu o casaco que trazia e tentou apagá-la, mas em vão. Já morrera, e praticamente já não ardia. A cinza juntava-se agora no chão, e Afonso, que já tinha chegado lá acima, agachou-se para apanhá-la. Guardou um pouco no seu bolso.

Como não conseguiam ver nada, sentaram-se no chão esperando condições para avançar. Por vezes tinham de descer novamente, principalmente a criança, pois o fumo tornava-se insuportável. Mas aquele não era tão asfixiante como o fumo normalmente o é, aguentava-se facilmente, necessitando por vezes apenas do ar puro quando o oxigénio parecia insuficiente.

Passados cerca de quinze minutos, Lurdes levantou-se e conseguiu ver. Viu o fundo da sala onde estavam uma luz cintilante. Sem nada dizer, caminhou até ela calmamente. Sentia ventos nos seus pés descalços, mas não ligava. Era como se estivesse hipnotizada sem saber o porquê. Naquela altura via na luz a sua salvação. E foi, de facto, salva, pois foi absorvida pela ofuscante luz, caminhando para uma paz superior, que a livraria de todos os males sofridos nos últimos dias.

Ainda sentados permaneciam todos os outros, na mesma posição de quando Lurdes saíra. Não a viram deslocar-se, sequer. Restavam agora quatro, todos do sexo masculino. As mulheres já haviam ido.

Quando todo o fumo desapareceu, perguntaram por Lurdes. Ninguém dela sabia, e apenas Afonso se pronunciou:

— Foi à procura da sua própria luz.

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Episódio 11 – Regresso

Apercebiam-se agora que estavam numa sala. Uma clássica e normalíssima sala de estar de uma casa que parecia grande. Parecia nunca ter sido preenchida de fumo nem que alguém ardera naquele chão tão perfeito. Nem sinal dos acontecimentos anteriores, ocorridos há não mais de uma hora.

Mas esquecendo esse facto, os quatro seguiram à procura da saída. Não era muito difícil de encontrar, pois a sala tinha apenas uma simples porta de madeira. Rui abriu-a e, ao contrário do que estava à espera, aquela porta não dava para outra divisão, mas sim para a rua. Uma pequena rua no Bairro da Lagoa. O Bairro que era morada de Rui e Paulo, cujo chão tinha servido de cama a Afonso, e por onde Vítor provavelmente teria passado, pois aquele aglomerado de casas parecia ser a única ligação entre todas aquelas pessoas, para além da criança, mas dessa conexão ninguém conhecia, para além do próprio.

Era noite, e a rua parecia deserta. Avançaram até à zona central, e Rui correu até à porta de sua casa, mas parou. No vidro estava um pedaço de papel escrito à mão, dizendo: "Hoje às 22h, em frente à Igreja de Nossa Senhora, homenagem aos defuntos moradores deste bairro Paulo Tavares, Lurdes Maia, Vanessa Pires e Rui Moniz. Amanhã de manhã funeral. Paz às suas famílias."

Rui petrificou. Voltou rapidamente ao local de onde viera e de outro lado vinha também Paulo. Vítor e Afonso tinham-se mantido no local.

— Viste o mesmo que eu? – perguntou Paulo.

— Vi. Como é que é possível? Como vão fazer o nosso funeral se estamos vivos?

Vítor olhou ao relógio. Eram dez em ponto e transmitiu essa informação aos outros.

— Ainda vamos a tempo. – disse Paulo – Temos de impedir que nos sepultem.

Paulo usava uma metáfora. É claro que não era possível sepultar alguém que estava vivo. O que ele queria realmente impedir era ser esquecido e abandonado. Não há pior sentimento do que aquele que alguém sente quando é esquecido ou abandonado, e Afonso sabia-o bem.

Correram para a igreja onde provavelmente estaria todo o bairro, mas pelo caminho pararam para beber água no pequeno lago que já fora lagoa e que dava o nome ao bairro. A sede era demais, sendo que ninguém bebia água há dias. Estavam anémicos e desidratados, e por isso aquela água suja era uma bênção dos Deuses. Mas Paulo, ao agachar-se para chegar à água perde o equilíbrio e cai. De forma abrupta mergulha desajeitadamente e vai ao fundo. De fora, ninguém teve coragem de se atirar para a água, e esperaram que ele voltasse acima. Mas não voltou. Alguns momentos depois, Rui salta para a lagoa e mergulha algumas vezes, esperando encontrá-lo, mas desiste após furtadas tentativas.

Saiu, secou-se, e chorou. Choraram a morte física de alguém que ia a caminho de impedir a sua morte psicológica.

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Já só faltam dois episódios. Dia 19 é o último! :yahoo_mini:

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