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O Silêncio


Bloody

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EPISÓDIO 3 - EFEITO SURPRESA

 

De: Danny. 19:34.

Já o tenho. Tens a gaiola?

 

 

Para: Danny. 19:35.

Tenho. Sê rápido.

 

 

 Daniel conduzia com um excesso de velocidade considerável. Se quisesse que tudo corresse como previsto, teria que ser assim. Meia hora seria o tempo de viagem previsto. Não podia ser mais, nem podia ser menos.

 

 - Ai, doce Vítor. Há sempre espaço para o melhor infortúnio teu.

 Vítor estava na mala do carro, desesperado para sair das cordas e daquilo que lhe cerrava a vista. Apenas uma pequena luz estava ligada. Ouvia nitidamente a voz de Daniel, do outro lado do carro.

 

 - Ai, Vítor. Quase morri por tua causa. Mas agora és tu que morrerás, de vergonha.

 Cala-te!

 

 

 Do auditório da escola Infante D. Henrique choviam papéis, todos iguais.

 

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 --Vai ser uma noite em tanto não vai, Filipe?

 - Pois vai, dona Falcão. Não tenha dúvidas.

 

 Passavam seis minutos das oito da noite quando Daniel chegava às traseiras da escola no carro. Mandara uma mensagem a Tânia e Filipe para o ajudarem a transportar Vítor para o interior da escola, mais precisamente para o auditório. “Rápido, rápido!” diziam, aflitos. Alguém os podia ver.

 

 Os três pegaram no corpo, sem grandes dificuldades, e transportaram para uma pequena casa de banho nos bastidores do grande palco, que a colocaram como ocupada. Vítor mexia-se furiosamente no saco preto. Ninguém os vira. Os três saem da casa de banho, deixando Vítor sozinho.

 

 A tal gaiola da mensagem, lá estava, nos bastidores do auditório, tapada com um enorme pano negro. Era relativamente pequena, mas servia para fechar uma pessoa. Tinha uma porta que podia ser fechada com uma chave. Era totalmente preta. De ferro frio.

 Acabaria por ser muito útil para aquela noite. Tudo estava como planeado.

 

 Na outra cidade, Rui estava louco. Não encontrava Vítor em lado algum. Já tinha dado uma volta pelo bairro, não fosse o filho adoptivo ter dado um passeio nela, mas nada feito. Após de uma busca intensiva e cansativa, decidiu ligar à polícia. “A polícia não pode iniciar já as buscas ao seu filho, só depois de estar desaparecido por 24 horas”, dizia uma mulher com voz irritada. Rui arremessara o telemóvel contra o chão com a fúria acumulada, quando ouviu.

 

 Depois, lembrara-se. O telemóvel de Vítor. Tinha colocado um pequeno dispositivo que o localizava, num grande raio de distância.

 O sinal do telemóvel. Talvez o tenha levado.

 

 Pelo menos estava certo, Vítor tinha levado o telemóvel, e, para alívio de Rui, via um ponto a piscar no monitor do portátil. A localização era mais do que certa: Vítor estava na sua escola.

 

 Rui não pensou duas vezes. Fechou o monitor e colocou-o debaixo, pegou no casaco de cabedal e no molho de chaves, que estava na mesa perto da porta de entrada. Rui estava de saída.

 

 20:36, dizia o telemóvel de Daniel. É tempo. Mais que tempo.

 

 - Vamos à casa de banho, é tempo de trazer o monstro para a cena principal. – Dizia para Filipe e Tânia, dirigindo-se para lá com passo apressado.

 

 O grupo chegou à casa de banho, dando conta que Vítor permanecia na mesma fúria, remexendo-se violentamente e soltava altos murmúrios. O saco quase estava rompido.

 Daniel não perdeu mais tempo, e pontapeou na cabeça de Vítor, violentamente e friamente. Esteve voltou a um estado de inconsciência. Daniel estava repugnado.

 

 - Levem-no. Não falem para ninguém. Se alguém perguntar o que é, digam que é uma surpresa para o início do espectáculo. Rápido.

 Tânia e Filipe nada disseram, e pegaram no corpo.

 - Quando estiver colocado lá, mandem um toque. Irei ter com vocês. Vão. Já! – E soltou um berro.

 

 20:54.

 - Sim, D. Teixeira, é tal como digo: uma atuação especial acabou de ser confirmada.

 - Uma atuação especial, menino Gomes? Não tenho isso no programa.

 - Daí ser especial, D. Teixeira.

 

 Vânia Teixeira olhava desconfiada para o menino Gomes. Gostava de ver que atuação era aquela, tão especial. Seria uma partida?

 - Tenho certeza que vai adorar, dona. Mas ninguém pode espreitar, nem mesmo as pessoas do espectáculo, quero que seja tudo como especial…

 - Tudo bem, rapaz. – Concluiu Vânia, aborrecida. – Não entendo porque tem de ser já no início, vai influenciar as restantes atuações! Creio que não demore muito?

 - Cinco minutos no máximo. Confie em mim. Se alguém ver o que é, já não vai ser nenhu…

 - Pronto, pronto Daniel! Vou avisar o Loureiro, para mudar o início da apresentação. E as pessoas nos bastidores também.

 - Obrigado. – Daniel sorriu, misteriosamente.

 

 Vânia virara costas. Não sabia se o devia fazer: contar ao Loureiro sobre a mudança do programa. Também só seria o início, nem cinco minutos demorariam como dissera Daniel. Mas não devia ver primeiro do que se tratava o número?

 

 Entretanto, tinha chegado ao palco, escondido do público.

 - Dona Teixeira! – Chamou uma rapariga. – Vê aquilo que está no palco? O que é?

 Vânia olhara para o palco envolto numa sombra. Oh, vai ser mesmo uma surpresa. Gostou do que viu, da enorme bola oval sob o pano negro. Imaginou o que poderia sair debaixo daqui. Sentiu curiosidade a ver o que era, mas a voz de Daniel assaltava a cabeça. Ninguém pode espreitar. Virou-se para a menina.

 

 - Uma atuação surpresa. Vocês atuam a seguir, não serão as primeiras a atuar, com previsto. Não fiquem nervosas, aquilo não demora muito tempo.

 Meu dito, meu feito. Vânia então caminhou em direcção ao Loureiro, que estava a verificar uns microfones, do outro lado do palco.

 - Mudança no programa.

 

 

 

 21:03.

 Rui carregava mais no acelerador. O carro respondia, aumentando a velocidade, diminuindo o pouco gasóleo que já tinha.

 Merda.

 Tinha que abastecer o automóvel. Olhou para o monitor do portátil, quando chegou, aos solavancos, ao posto de serviço: Vítor permanecia no mesmo local, na escola.

 Rápido. Ele deve estar em perigo.

 Energicamente abasteceu o veículo e pagou o gasóleo colocado. Voltara ao carro, e abriu o portátil. O ecrã acendeu por cinco segundos, e apagou-se de seguida.

 Não!

 

 

 

 21:06.

 Vítor acordou, atordoado, e não sabia onde estava. Tudo o que estava à sua volta parecia ser um vazio inalcançável, mas era apenas a cor preta no seu redor. Não via mais nada para além disso.

 Tentou caminhar, mexer os braços, fazer alguma coisa com o corpo, mas não conseguia. Estava preso. Apertadas argolas prendiam as mãos e os pés. Desejou gritar por socorro, mas não conseguiu.   

 

 ONDE ESTOU?! Aquele cabrão do orfão, vou o matar… Esmagar-lhe a cabeça, espetar um ferro no coração… Oh, que frio.

 

 Vítor estava gelado, em todo o corpo, e todo ele reclamava por melhores condições. Tinha todos os pêlos do corpo arrepiados e pele de galinha.

 Todos os pêlos do corpo estavam arrepiados.

 

 Não. Tirem-me daqui. TIREM-ME.

 

 

 21:10.

 - Está tudo pronto, já fui verificar e o Loureiro mudou o programa. É hora de ir embora.

 - Não tens certeza que queres ficar a ver o espetáculo, Daniel?

 - Não, Filipe. Se queres ver, vê, eu aqui não irei ficar. Vens, Tânia?

 Tânia olhou para o seu namorado, e sabia que não tinha outra resposta. Teria que ir com ele.

 - Eu vou gravar, para vocês verem. – Disse Filipe, mas o casal ignorara-o, dirigindo-se para o carro que estava nas traseiras. Filipe voltou-se, caminhando para o auditório. Com ele iam cerca de uma centena de pessoas, todas com o mesmo pensamento: vai ser uma boa noite.

 

 

 21:21.

 Vítor estava gelado por fora e por dentro, enquanto permanecia nu e enclausurado na gaiola. Nada lhe tapava. Tentou encolher-se, mas novamente as malditas argolas não lho permitiam.

 

 Vão-me atirar para um poço. Filhos da mer… Não estou sozinho?

 

 Vítor, depois de tanto pensar, percebera onde realmente estava. Se se gentia gelado antes, é como se um cristal de gelo lhe penetrasse cada centímetro do corpo agora.

 

 Não pode ser.

 

 Uma voz cortou friamente o silêncio pesado do palco.

 - Boa noite, senhores e senhoras! Sentem-se, sentem-se!

 

 NÃO. TIREM-ME DAQUI. OH!

 

 A voz não parou de falar. - Sentem-se, que o espectáculo irá começar! O Concerto Anual irá já começar! Mais cedo do que previsto, mas…

 

 Vítor ignorara a voz, e tentou balançar-se na gaiola. Pouco fez, fazendo o pano negro cair um bocado. Um lado da gaiola ficara destapada. Vítor balançou-se novamente.

  A voz voltara.

 - Temos uma atuação especial para vocês, confirmada à muito pouco tempo! Dêem uma salva de palmas…

 

 Vítor teve que ignorar, mais uma vez. Tinha entretanto descoberto a técnica do balanceamento, os balanços ficavam cada vez mais fortes. Do lado dos bastidores, a rapariga que falara a Vânia olhou para a gaiola a mexer-se. Que estranho. O pano caía cada vez mais de um lado, e abria mais do outro.

 

 De repente, uma grande luz assaltou o palco. Forte, de doer os olhos. Vítor paralisou-se. Não podia fazer mais nada à gaiola, senão o pano caía.

 Soltou-se várias exclamações interiores no auditório.

 

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 Então, lentamente, como um predador a aproximar-se de uma presa valiosa, o pano que tapava a gaiola caiu.

 

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 Do público, ninguém falava, ninguém se mexia, tudo estava parado como uma estátua a olhar para o corpo desnudo de Vítor. Este olhava para o chão, tremia violentamente.

 

 Não está a acontecer nada. Não está. Não está. Não está.

 

 Vítor olhou para o público lentamente, virando a cabeça. Com olhos abertos e respiração pausada, observou-o.

 

 Estás na prisão. É apenas um pesadelo. Vais acordar Vítor… Vais acordar…

 

 Começaram, então, vários murmúrios a serem espalhados pelo auditório, que foram substituídos por gargalhadas contínuas. Falavam ao ouvido, uns riam muito alto, uns riam-se debaixo da mão. Mas todos olhavam para Vítor e riam-se dele, tal como no refeitório.

 

 PAREM!!!

 

 As gargalhadas não pareciam cessar. Como é sentir isso, filho? A mãe fez o jantar para ti. As gargalhadas continuavam. Olá, Vítor. A voz de Daniel ecoava com sofrimento a cabeça de Vítor, ao mesmo tempo. Queria acabar com aquilo.

 

 Ajuda-me, Deus!

 

 Um berro foi ouvido. Do palco, uma explosão de sons combinados, todos vindos do inferno da Terra, investiu em todo o auditório. Vítor fizera todos calarem-se. Deus tinha finalmente o ajudado em alguma coisa.

 Mais ajuda, Deus. Por favor!

 

 Deus assim o fez. Com os olhos a encherem-se de sangue, Vítor arrebatou as argolas de o prendiam, ficando solto dentro da gaiola. Facilmente arrombou a porta que o mantinha fechado, ficando livre para o mundo. O auditório permanecia um silêncio desequilibrado.

 Deus, vais ser o meu único amigo desta noite. Não me abandones.

 

  Vítor sorriu para as pessoas assustadas, estas continuavam paradas, e observavam-no.

 

 

 

 Do telemóvel de Filipe, via-se:

 

Para: Danny. 21:32.

O gajo saiu da gaiola e está a sorrir no palco. Ond vcs estão? Tenho q sair daqui!

 

 

 Estava quase a enviar, quando um estrondo se ouviu em cima da sua cabeça. Vários gritos foram acumulados ao estrondo, e toda a gente à sua volta levantou-se do lugare dirigiu-se para a saída, em pânico. Levou com uma mala na cara.

 

 O que houve? Olhou para cima. Apenas viu, numa fracção de segundos, um enorme ferro a vir directo aos seus olhos. Preto, tal como a gaiola.

 

 Tudo ficou negro a seguir. Já não ouvia gritos, já não sentia nada.

 O telemóvel caiu da mão, não enviando a mensagem. Porém, piscou uma outra.

 

De: Danny. 21:33.

O que está a acontecer?!

 

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 NO ÚLTIMO EPISÓDIO, "NOITE TRIUNFAL":

 

 A igreja irrompera em chamas, depois de Vítor ter violentamente arremessado um carro contra a parede, e entrado  com o veículo para o meio do recinto, apinhado de pessoas. O carro explodira. 

 

 A criatura era difícil de ser descrita pelas pessoas que, em pânico, fugiram dela. Ouviam-se dizer que era branca, que não tinha cabelo, umas diziam até que só tinha cerca de cinco dentes, enormes. Mas, apesar das especulações, todas sabiam: a criatura está à procura de alguma coisa.

 

 Rui seguia o rasto de sangue de cor vermelho escura. Aquilo iria certamente dar a Vítor. Mais uns metros à frente, reparou que o rasto de sangue mudara de direcção: seguiu para um monte isolado, onde um pequeno cemitério abandonado. 

 

 

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Who's the boss? Vitor is the boss! :smoke: É o que eu digo, quanto mais lhe aparecem à frente, mais ele mata, adoro. 8) Acho que não vai sobreviver nenhum conhecido dele no final, a escola e a cidade toda, vão ser apenas um resto de mortos e sangue. :cool:

 

Joel, mais uma vez, excelente episódio, fico à espera do último. :P

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EPISÓDIO 4 - "NOITE TRIUNFAL"

 
A gaiola desmanchara-se completamente, depois de embater com força no teto do auditório. Os pedaços caíram nas cadeiras, mais de metade vazias das pessoas que fugiram assustadas, mas alguns atingiram indivíduos, que caíram no chão, inclusive em Filipe. Mas esse não caiu no chão, manteve-se na cadeira, intacto, onde deveria estar.
 Ouviam-se gritos por todo o auditório, fugiam com medo que algo mais se pudesse partir no ar e tirar as vidas preciosas. Vítor permanecia do palco, a ver o espectáculo invertido.
 FUGIR DO MEDO.
Que fujam. Vítor não estava preocupado com eles na realidade, estava preocupado com outra coisa. O cerne de todo o problema tinha que ser detido, eliminar a ameaça que o rodeava desde de à cinco anos.
 O alvo está determinado.
 
 
 
 - O Filipe não me responde…
 - Vê novamente a mensagem da Bruna, por favor!
 Daniel, nervoso, foi buscar a mensagem ao telemóvel.

 

De: Bruna Almeida. 21:32.

Grande confusao aqui! Precisamos de ajuda!!!1

 - Não deve ser nada, Daniel…
 - Seja o que for, vens comigo para a casa dos meus pais. Lá, estaremos mais bem seguros.
 
 
 
 Rui tentava, desesperado, entrar em sintonia com a rádio da cidade. Não conseguia. Ainda estava demasiado longe da antena, o que aumentava a raiva e a preocupação dele.
 Preciso de chegar, preciso de chegar…
 Carregava no acelerador do carro, mas este respondia negativamente, já estava no máximo que conseguia chegar…
 Ajuda-me, meu Deus! Pensou, olhando para um crucifixo que baloiçava no espelho, situado no meio do vidro.
 
 
 
 Vítor saíra do auditório, que tinha muito menos afluência agora. Não lhe interessavam aquelas pessoas que fugiam por todo o lado. Porém, se elas desaparecessem, seria muito melhor para ele.
 Caminhando, encontrou o quadro geral da luz da escola, de toda a luz, mesmo do seu lado. Um milagre ter sido colocado mesmo ali, perto de si.
 Deixar a escola sem luz, aumentava mais o pânico.
 Vítor não hesitou. Abrindo a porta, que estava destrancada, encontrou vários interruptores virados para cima. Com a mão, baixou todos ao mesmo tempo. A escola ficou negra, ouvindo-se algo como pequenos estalidos nas lâmpadas do tecto. Vítor parou para pensar. Talvez aqueles pequenos estalidos tornassem em algo muito maior?
 Não reflectiu mais. Com as unhas, que se tinham transformado em algo como estilhaços de madeira minúsculas queimadas, desligou e ligou os interruptores com uma rapidez furiosa. O resultado agradou-lhe.
 
 Do outro lado da cidade, uma explosão se escutou.
 
 
 
 As pessoas estavam num horror possuído pelo pânico, e alvoravam para onde podiam. A escola irrompera em chamas ameaçadoras de um momento para o outro. As árvores que a rodeavam também estavam a ser engolidas pelo fogo, que crescia cada vez mais, era como uma visão do inferno.
 Não consigo conter a minha alegria. Tudo está como deveria estar.
 Vítor atravessou e saiu da escola sem nenhum ferimento, ao contrário de alguns indivíduos, que caiam a seus pés, queimados do fogo fervoroso que se tinha gerado. Morriam em sofrimento. Outros nem chegavam à entrada, morriam lá dentro. Os espectáculo agradou-lhe, mas fartou-se dele.
 Chega. Eles estão à minha espera.
 
 
 
 - Rápido, para a igreja! – Clamava um homem às pessoas, na mesma rua onde estava Vítor. – Fiquem lá até chegarem os bombeiros!
 A igreja da cidade. Ficava num pequeno monte, a cerca de trezentos metros da escola. O monte padecia de vegetação, daí o homem, presidente da câmara municipal, dizer às pessoas para esperar lá. O fogo, que teimava em crescer, não chegaria lá.
 Mas deus não gostar do outro deus.
 As pessoas apressavam-se para se meterem lá dentro. Preferiam a igreja do que a casa pelos vistos, ou então iam porque viam as outras a ir.
 A rua da escola tornara-se deserta passando algum tempo, enquanto que o incêndio envolvia os carros à volta da escola e as casas da rua. Vítor virou-se para o monte da igreja.
 O meu deus quer que o outro deus se foda.
 
 
 
 Daniel e Tânia entraram na casa dos Gomes assassinados. Estavam ansiosos por novas notícias, mas o rádio teimava a transmitir música. Ouviram a explosão enquanto caminhavam na rua. Tânia estava com medo do que poderia ter acontecido aos seus pais, e Daniel não sabia a acalmar. Não pensavam desta vez no Filipe.
 Ele anda solto, o Vítor anda solto. E à minha procura.
 Nunca, em 17 anos, Daniel se sentia mais correcto.
 
 
 
 A pequena multidão fechara a porta da casa do Senhor. Custou, mas conseguiram fechar, não iria a besta tentar entrar lá dentro. Algumas pessoas choravam, outras viam das janelas a destruição que aumentava. Olhavam, chocadas.
 No meio do imenso fumo, surgiu uma criatura em forma de humano. Era encurvada, completamente branca, e caminhava lentamente, em direcção à igreja.
 Odeio o outro deus e todas as pessoas que o apoiam.
 As pessoas puderam o contemplar. Tinha um queixo ridiculamente transformado e alongado, vários pêlos longos e castanhos no corpo. Os olhos eram grandes, completamente cinzentos, embutidos numa cara enrugada e com poucos cabelos, mais longos que os pêlos, que a percorriam. A boca mostrava um dente de proporções anormais, amarelo, que se sobrepunha aos lábios.   
 Era um Filho do Diabo.
 
 
 
 Tenho que destruir aquela coisa.
 Decidiu não ir a pé para a igreja, vendo um carro, intacto, ao seu lado. Não pensou mais, arrombando a porta e entrando no mesmo, que se ligara automaticamente. Colocou o carro em direcção ao lugar pretendido, ligou as luzes e carregou no acelerador.
 O carro era surpreendemente rápido. Atravessou o monte a uma rapidez mais do que esperada, e embateu contra a parede com enorme força, entrando na igreja, embora muito destruído. Começara a arder.
 As pessoas ficaram em pânico, mais uma vez, enquanto tentavam sair. Tentativa falhada, e a confusão instalou-se. Ouviam-se gritos, ouviam-se choros, ouviam súplicas. Vítor, o possuído acordado, mantinha-se no carro, enquanto esperava pelo que pretendia.
 O carro estourara violentamente.
 
 
 
A segunda explosão também se ouviu na casa onde Daniel e Tânia se mantinham. Gritaram instintivamente. Tânia não se conseguia conter, com medo que os seus pais já estivessem mortos.
 - Eu vou-me embora! Não consigo ficar mais aqui! 
 - Não vais a lado nenhum! – Vociferou Daniel, agarrando no braço de Tânia.
 - Não mandas em mim, seu monstro! Se é Vítor que anda a criar isto, foi por TUA causa! – Respondeu Tânia, tentando tirar a mão do seu braço. Daniel torceu-o com força, partindo o braço. Tânia gritou, chocada com a dor. Mordeu a mão, com medo com o que o namorado lhe podia fazer. Daniel retirara a mão, que ficara ferida.
 - Sua cadela. – Disse entredentes. Tânia fugiu dele. – Burra de merda! – Gritou-lhe.
 Estava agora sozinho na casa dos seus pais.
 
 
 
 - Aquele cabrão, partiu-me o braço… - Soluçava Tânia, no meio da rua, enquanto agarrava o braço partido. Não havia ninguém a quem pudesse pedir ajuda. A dor era muita, mas precisava de encontrar os seus pais.
 A cem metros, havia um cruzamento, que para a direita ia dar à rua da casa dela.
 - Rápido, rápido… - Porém, parou de caminhar. Alguém aparecera no meio do cruzamento, em pé, a olhar para ela. – Não pode ser… - Balbuciou. Deu meia volta e caminhou em direcção oposta. Mesmo não sabendo o que seria aquilo, queria se manter afastada.
 Deu alguns passos, e olhou para trás. A criatura caminhava também, em sua direcção. Tânia não sabia o que fazer, dado que a criatura parecia caminhar mais depressa do que ela.
 Olhou para uma asa que estava a seu lado. Irracionalmente, entrou nela.
 
 
 
 É ela. A vadia estúpida, filha de bastardos que vivem já no inferno. Meu deus, fá-los sofrer pela filha que tiveram.
 Vítor entrara na casa onde Tânia estava, que gritava por piedade.
 - Não me faças nada! Por favor, eu peço desculpa… - Ranhos e lágrimas cobriam a sua face e molhavam o seu cabelo, constatou Vítor, quando a encontrou. – Eu peço desculpa Vítor… - dizia, de olhos fechados.
 Rapariga ridícula.
 Vítor abandonara Tânia, que continuava, encolhida no canto, a pedir desculpa. Tânia olhou, abrindo um olho atrás do braço, se estava lá alguém, concluindo que não.
 Talvez ele me tenha deixado… oh, obrigado.
 Levantara-se, a tremer, ainda com medo que ele pudesse lá estar. O medo estava certo: ele ainda lá estava. Subitamente, Vítor irrompera na sala com um ferro, trazido do corrimão das escadas. Tânia gritou mais uma vez, encolhida. Vítor, com gesto ágil, enfia o ferro no peito de Tânia, erguendo-a até ao tecto, espetando-a no mesmo. Um grito ficou preso na garganta, e Tânia morre, escorrendo pela boca gostas de sangue que molham a face de Vítor.
 As águas divinas molham-me. O paraíso encontra-se perto de mim.
 
 
 
 Daniel estava bastante impaciente. Sem Tânia, sentia-se desprotegido. Olhava para a rua diversas vezes, com esperança que ela aparecesse, mas nada de novo acontecia.
 Sentou-se no chão, a pensar nos anos anteriores. As maldades que fizera a Vítor.
 - Mas os pais dele mataram os meus! – Gritou, desesperado, mas calou-se. O silêncio reinara na casa por alguns momentos.
 
 
 
 Três pancadas fizeram-se ouvir na porta, violentas, que matou o silêncio que se tinha instalado. Daniel ficara mais nervoso do que já estava, percebendo que Vítor encontrava-se lá fora. Encolheu-se, tal como Tânia, no parede, sabendo o que lhe esperava.
 Vítor entrou na casa violentamente, arrombando a porta à bruta, trazendo o ferro com que matara Tânia, coberto de sangue. Daniel sabia que Vítor o ia matar, mas não morreria sem dar alguma luta com ele.
 Um choque penetrou no corpo de Daniel, quando reparou de como Vítor se encontrava, este que chegara à divisão onde Daniel estava. Era como se visse alguém vindo do pior lugar onde a alma humana pudesse existir, e estava correcto disso mesmo.
 Não houve hesitação por parte de Vítor quando viu o seu objetivo, e aproximou-se de Daniel com o ferro em punho. A vítima agachou-se no chão, agarrando um pequeno pedaço de madeira, levantando-se de novo. Os dois investiram ao mesmo tempo, mas Daniel fora mais ágil, espetando a lasca no pescoço do serviçal da Besta. Vítor recuou, atordoado com o ataque.
 DOR DOR DOR DOR DOR
 Altas agonias ecoavam na casa, mas Vítor facilmente conseguiu retirar o pedaço de madeira do pescoço. Daniel estava perplexo enquanto via que a sua intervenção não dera resultado esperado. Vítor, novamente com o ferro na mão, estava pronto para acabar com a vida dele.
 Agora sim, a minha felicidade vai tomar valores máximos.
 Sentiu a vibração do ferro enquanto atravessava o pescoço do miserável. As mãos dele juntaram-se às suas, mas nada fizeram. O sangue morno salpicavam o seu rosto e os braços, enquanto que o ferro penetrava ainda mais. Ouviram-se vários sons mastigados. O ferro atravessara por completo, desde a boca, o rosto de Daniel.
 Colocando a mão na parte do ferro que encontrava na parte de trás, Vítor, com prazer absoluto, roda como um volante. A cabeça de Daniel gira com o ferro, partindo os ossos do pescoço, matando o rufia.
 Descansa, filho, estas na paz do Senhor.
 
 
 
 As Moiras, segundo a Grécia antiga, eram três mulheres que eram as responsáveis pelo destino de cada entidade, até dos deuses. Eram elas que cortavam o fio da vida de cada um, o fio do destino. Cortavam quando o indivíduo em causa completara o seu objectivo na terra.
 Vítor Arrais caminhava, com enorme sofrimento, num vale abandonado. Deitava sangue, ou um líquido vermelho acastanhado, pelo pescoço. Vítor tinha feito, naquela noite, a conclusão do seu objectivo na terra: matar por completo a família Gomes. Demorou anos para tal, desde a morte dos seus parentes, mas, finalmente, o objectivo foi cerrado, matando o filho. O seu fio de vida ia ser cortado não tardaria…
 
 
 
 Rui teve um espasmo de alívio: um rasto de sangue percorria a estrada. Não sabia se era do seu filho adoptado, mas certamente seria de alguém. Decidiu percorrer esse rasto, que o levara a o que parecia ser um pequeno quintal em cima do vale. A subir o caminho de terra, estava Vítor, em forma de humano, que tinha chegado ao quintal. Correu a seu encontro.
 O quintal era um cemitério abandonado. Rui lembrara-se subitamente daquele quintal: foi onde os pais de Vítor, e seus amigos, foram enterrados. Nem tiveram direito a uma lápide, apenas uma cruz, dois paus juntos, e uma pedra com os nomes gravados. Vítor estava deitado, em cima da campa improvisada, coberto em sangue e terra.
 - Vítor, Vítor… - Murmurava Rui, mas Vítor não respondia, já estava inconsciente. Morreria passando alguns minutos. Rui não controlou o choro e as lágrimas caíram no corpo moribundo. – O que foste fazer… - Vítor permaneceu no mesmo sítio, não se mexendo. Não havia nada que Rui pudesse fazer, senão deixá-lo morrer.
 Com um último suspiro, Vítor partira da terra.
 

 

 

 

2015

 
  - Sim, não te lembras que ele perdeu todo o dinheiro na empresa? Tenho um apartamento todo moderno e saiu dele, porque o filho morreu ou sei lá… - falavam as mulheres entre dentes.
 De fato e gravata, Rui esperava pela sua entrevista de emprego. Perdera tudo depois da morte de Vítor, um desgosto assombrara-lhe a alma. Dois longos anos passaram assim.
 - Que patético, pensa que vai conseguir alguma coisa… ?
  Rui estava farto de ouvir as duas mulheres patéticas comentarem sobre ele, mas a sua situação já era má demais. Não poderia piorar. E as criaturas continuavam a falar.
 - Dizem que ele está louco…
 Foi o limite. Com toda a fúria guardada dentro de si, Rui investiu contra as mulheres, esmagando a cabeça na parede do corredor que dava para o escritório. As pessoas ao seu lado gritaram e correram para o sítio oposto. Rui não se interessara nelas, mas só no corpo das moribundas que tinha em ambas as mãos.
 Os seus corações deveriam ser suculentos. O Diabo voltara a acordar. O Silêncio fora cessado, mais uma vez.
 
 

 

FIM

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Últimas considerações: do breve contacto entre Rui e Vítor nasceu uma nova pequena possessão: a de Rui. Adianto que as consequências foram ainda mais devastadoras que a de Vítor.

 

Um especial agradecimento a quem comentou e leu esta pequena história. Espero que tenha sido do vosso agrado. Quem sabe, O Silêncio ainda não volta para uma segunda temporada. :)

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Devil is everywhere! :cool: Lá o Vítor Arrais se vingou de toda a gente que lhe fizera mal, claro, nem outra coisa esperava dele. :smoke: Ainda por cima deixou uma pessoa na "linha de sucessão" para "Diabo na Terra", acho que isso só vai acabar quando todos naquela região estiverem esventrados e cobertos de sangue. 8) Joel, gostei imenso do final, assim como da história, foi uma história curta mas muito boa. :)

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Ok, não deixem o Joel virar psicopata e começar a matar gente. :shok:

 

Vou certamente ser criativo. :cool:

 

 

Devil is everywhere! :cool: Lá o Vítor Arrais se vingou de toda a gente que lhe fizera mal, claro, nem outra coisa esperava dele. :smoke: Ainda por cima deixou uma pessoa na "linha de sucessão" para "Diabo na Terra", acho que isso só vai acabar quando todos naquela região estiverem esventrados e cobertos de sangue. 8) Joel, gostei imenso do final, assim como da história, foi uma história curta mas muito boa. :)

 

Obrigado, Rúben. :)

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  • 4 semanas depois...

Joel, venho tarde mas so hj vim ler toda a historia. silencio merece uma nova temporada, a ideia e super criativa e tem pernas para andar. parabens pelo projecto e, de facto, desculpa a resposta tardia. mas como dizem, mais vale tarde que nunca hehhehehe

 

Obrigado, Ivo! :) Sim, estou a pensar continuar a história para uma segunda temporada, novamente curta com 4 episódios... vamos lá ver se eu a escrevo.  

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