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Saga - Os Dias da Ira


_zapping_

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Já está encontrada a história substituta de "Tu és o Mar"!

Saga - Os Dias da Ira vai estrear dia 12 de Abril e ocupará o lugar deixado por "Tu és o Mar", ou seja, será publicada todas as segundas e quintas-feiras (haverá uma semana de intervalo entre o final de "Tu és o Mar" e a estreia da "Saga", que será ocupado por "Vida Enganada", o formato inovador de ficção).

Para quem se lembra, a 1ª temporada da "Saga" já foi publicada aqui no fórum. E eis que chega agora a 2ª temporada! Para quem não acompanhou a 1ª, pode ir lê-la agora, pois ainda está disponível; mas, se não o quiser fazer, não deixe de acompanhar a Saga - Os Dias da Ira, pois esta é um história diferente, independente. Quem já conhece o estilo desta história, pode voltar a deliciar-se.

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Nunca li a primeira temporada d'"A Saga", pois, quando apareci por cá, essa história já estava mais que terminada. Mas sempre falaram muito bem da escrita da magg e da série em questão. Nesse sentido, é claro que vou acompanhar esta nova história. Estou curioso!

E parabéns pela imagem! Está um espetáculo! :clapping_mini:

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:biggrin_mini2: O João está realmente de parabéns pelo magnifico trabalho que fez com as imagens. Estão mesmo brutais! Tenho que dar, publicamente, os meus parabéns. :headbang:

Quanto à história em si, é continuação "independente" (embora sugira que tenham algumas ideias da primeira), um bocadinho de "mais do mesmo", com um sabor mais intenso, que espero que não venha a desiludir.

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:biggrin_mini2: O João está realmente de parabéns pelo magnifico trabalho que fez com as imagens. Estão mesmo brutais! Tenho que dar, publicamente, os meus parabéns. :headbang:

Quanto à história em si, é continuação "independente" (embora sugira que tenham algumas ideias da primeira), um bocadinho de "mais do mesmo", com um sabor mais intenso, que espero que não venha a desiludir.

Obrigado Ruben, zapping e magg! É um prazer tabalhar para escritores como vós! :pastilha:

Quanto à 'Saga - Os Dias da Ira' espero conseguir acompanhar porque gostei bastante da anterior.

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  • 2 semanas depois...

Ante-estreia

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A continuação da história de Lúcia, Alexandre, Sasha, Miguel e dos alquimistas da alma, na luta pela liberdade da terra. Revolta, ira, traição, num jogo de domínios onde, entre a ira e a destruição, pulsa a vontade de sobreviver da alma humana.

“Senta-te. A história é longa. (...) poderás saber como perceber melhor o tempo...” assim falou ternamente a voz (...)

Parou. Parecia que nada mais resistia a não ser o momento. Nada mexia, e no sideral vão do meu peito só entendia o coração pulsar. Dali a poucas horas também ele deixaria de viver. Contudo, a Terra continuaria a mexer, imperceptivelmente, num novo dia. Do seu centro, continuaria a cuspir fogo, inalterável, constante. Alheia à minha presença ou a qualquer outra existência que habitasse as suas entranhas, perduraria

“Deixa-te estar.” - Continuou – “Não há pressa, o tempo todo molda-se ao nosso dispor”.

Balançou suavemente o corpo esguio até encontrar o beiral. Sentou-se, procurando definir a trajectória que os meus olhos encetavam. Pareciam perdidos na vasta imensidão minúscula que se delineava do alto do telhado. Aproximou-se mais e sentou-se ao meu lado, poisando calmamente as mãos grandes e elegantes nos joelhos, retomando a fala.

- “Quantas pessoas achas que já passaram por aqui?”

Os meus olhos voltaram a si e responderam-lhe, cáusticos e incisivos, num mutismo agitado.

Desinteressadamente, quase como se adivinhasse a resposta, levantou as mãos para o nada, balançando-as ao ar, por cima dos pequenos pontos vivos que se desenhavam abaixo, sob o raiar de um novo dia.

“Antes de concluíres o que vais fazer, quero que te perguntes:

- Quantas pessoas como tu seriam precisas para fazer tempo?”

Se preferirem, leiam em http://www.tvuniverso.com/Saga/ante-estreia.html

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Só por este bocadinho se percebe o quão bem a Mónica escreve.

Confesso que não consegui ainda entender a mensagem. Mas penso que deverá ser essa ideia xP

Obviamente que a história tem a ver com a questão do tempo e talvez com a efemeridade da vida.

Ainda ligada à questão do tempo, a escrita da Mónica dá uma sensação de calma, como se as coisas se passassem lentamente.

Estou curioso ;)

A imagem está simplesmente espetacular!!

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Eu também não acompanhei muito a primeira Saga, mas quando tiver mais tmepo vou ao arquivo dar uma espreitadela.

Eu também não acompanhei a 1ª "Saga", mas esta não vou perder! Parece ser bem diferente do que o TVU já publicou a nível de ficção. E, segundo a magg, pode-se acompanhar esta "Saga" como sendo uma série nova (não tem, necessariamente, que ter-se lido a 1ª "Saga").

A imagem está simplesmente espetacular!!

Também adoro. Mais uma vez o João está de parabéns. Eu disse-vos logo: se gostaram da imagem de lançamento, então esperem pela 'imagem final'! B)

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Só por este bocadinho se percebe o quão bem a Mónica escreve.

Confesso que não consegui ainda entender a mensagem. Mas penso que deverá ser essa ideia xP

Obviamente que a história tem a ver com a questão do tempo e talvez com a efemeridade da vida.

Ainda ligada à questão do tempo, a escrita da Mónica dá uma sensação de calma, como se as coisas se passassem lentamente.

Estou curioso ;)

Obrigada pelo elogio Ruben. Ainda não podes entender a mensagem deste inicio, e receio que só o consigam fazer no penúltimo/último episódio. E mais não vou dizer! :laugh_mini:

A imagem está simplesmente espetacular!!

Pois está! :biggrin_mini2: Será que me repito muito ao dizer que as adoro e que me encho de orgulho só por "andar" com elas a "pavonear" a minha série? :segredo:

Eu também não acompanhei a 1ª "Saga", mas esta não vou perder! Parece ser bem diferente do que o TVU já publicou a nível de ficção. E, segundo a magg, pode-se acompanhar esta "Saga" como sendo uma série nova (não tem, necessariamente, que ter-se lido a 1ª "Saga").

Sim, zapping, podes ler como independente, não é forçosamente necessário ler-se a primeira, embora ajude, é claro. Ainda bem que vais seguir esta segunda temporada. :yahoo_mini:

Adoro a imagem, está muitissimo bem feita João, mais uma vez de parabéns na imagem do forum/site! Eu também não acompanhei muito a primeira Saga, mas quando tiver mais tmepo vou ao arquivo dar uma espreitadela.

Dá uma espreitadela, David. Desde que não tenhas preguiça de ler, porque os episódios são um bocado longos. Não deixes de ler esta, porque consegues acompanhar perfeitamente e apanhar a mensagem B)

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Mais uma vez obrigado pelos elogios David, Ruben, zapping e magg :blush_mini:

Agora venha a Saga!

Não contes que vás descansar durante muito tempo! :uh:

E a "Saga" estreia já amanhã.

_________________________________________________________________

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Sete anos após o Tratado da Nova Aliança, o ser humano deixara de ser escravizado graças a um sistema de quotas que permitia a livre existência da humanidade, desde que se cumprisse a entrega de 75% da riqueza total da Terra. Já longe dos antigos esconderijos, a humanidade começou a organizar-se em pequenas colectividades espalhadas nas zonas limítrofes das bases que cresciam caoticamente. As Bases permaneciam cingidas aos humanos com elos de ligação ao Império. Embora remodeladas, continuavam entrepostos de exploração mineira, rigidamente organizadas. No centro, mantinha-se a cidade núcleo das Bases, agora renovadas, onde habitavam as mais ilustres figuras do governo, alargando-se para a periferia onde ficavam os armazéns e entrepostos comerciais em cujos contornos se desenhavam as usinas de minérios e de gemas.

Nova Base de Edín

Novembro de 2020

Após a assinatura do Tratado da Nova Aliança, que a levara a aceitar um cargo que abjurava obstinadamente, a abdicar de toda a sua identidade e memória, Maria Lúcia Garza Johnson, Chanceler sem nome, ocupava agora o cargo mais relevante da história da Terra.

Caminhava determinada pelos corredores da prisão. Uma ténue luz proveniente do fosco vidro do tecto, iluminava-lhe o caminho e os seus passos ecoavam no chão de tijoleira fria.

Atrás dela, a sua escolta pessoal caminhava com dois homens amarrados. Um, de cabelo raro e oleoso, corpo pequeno e curvado, choramingava baixinho, ao abrirem a porta da cela e atirarem-no para o chão.

Lúcia entrou na cela, aproximando-se mais dele, baixando-se ao seu nível. Podia sentir-lhe o cheiro do medo, das lágrimas e da raiva, misturadas com o suor que lhe cobria o corpo.

- Obrigada pela tua colaboração, César. Mas acho que chegou a tua hora …

O homem virou o rosto para o lado, fitando a parede, fechou os olhos e começou a contar de trás para a frente. Depois, inconscientemente, os números deram lugar a uma prece imperceptível que lhe subia aos lábios que musitavam, aflitos.

O tiro calou-lhe as palavras, bem como a vida que lhe fugia do corpo, agora estendido no chão gasto da cela. Lúcia afastou-se para não se manchar do sangue que espirrava.

O outro homem, alto, de nariz adunco e cabelo grisalho, caiu para o chão de medo, praticamente sem sentido. A Chanceler deu sinal que o levantassem e olhou fixo o rosto de Colin Young.

- Hoje é o teu dia de sorte, Colin, ainda quero que faças umas coisas, antes de morreres.

*****

O dia passara, dando lugar ao fim da tarde, tal como no dia anterior, e tal como em todos os anteriores a esse. Sem aviso, como as horas que passavam sem rasto, as cortinas de um bege singelo baixaram automaticamente, cobrindo o pôr-do-sol. Se pudesse sentir, lembrar-se-ia dos dias em que colhia, feliz, flores que lhe enchiam as mãos e os bolsos, acalentando-lhe o coração. Isto se a figura, não fosse mais do que sequelas da revogação que lhe deferiram. Intransigente, férrea, fria. Aquela era o Chanceler, o representante máximo do Império na Terra, que anestesiava terroristas, desertores e criminosos comuns deportando-os, com prisões ou execuções sumárias, mostrando que a sua mão inflexível construíra uma sólida barreira contra dissidentes ideológicos.

O som da porta a abrir despertou o homem de nariz adunco e cabelo grisalho e desgrenhado, dos seus pensamentos, trazendo consigo a mulher alta e decidida, no seu tom altivo, tão ponderado quanto arrogante, questionando secamente.

- Novidades?

O Chanceler, tomou a cadeira vaga em frente à secretária do Governador, ligeiramente mais curvado do que antigamente, que encolheu os ombros, antes de responder.

- …tive algumas sublevações…

- As insurreições já se tornaram um hábito no seu Governo, tenho sempre informes de uma ou outra na sua Base. Já que aqui estou de visita, tratarei delas pessoalmente. – Respondeu-lhe a chefe, mudando o rumo da conversa.

- Quero notícias do rapaz!

Colin baixou os olhos para o chão, fixando cada pormenor. Aquela mulher, sua conhecida de há tantos anos, tinha mudado tanto, que longe dos tempos em que vagava como sombra da esposa do Governador, era agora uma presença forte e contundente, tão corrosiva que a sua figura o incomodava, exaltando-o, provocando-lhe um medo erosivo e mordaz. Pigarreou nervosamente, lamentando ter aceitado participar naquele plano insensato que agora fugia ao seu controlo.

A mulher apercebeu-se do silêncio que se levantara e insistiu uma vez mais.

- Há quantos anos sou Chanceler, Governador?

Colin levantou a cabeça, fitando-a uma vez mais, tão bela, quanto mortífera, tão seca e discrepante que fazia vacilar.

- …há sete. – Respondeu, levando as mãos aos bolsos.

- …isso quer dizer que o pequeno vai fazer oito…

- Sim. – Atalhou o homem, procurando não dar mostras de nervosismo. – Tenho que saber o que fazer com ele. Visto que é pertença de Vossa Excelência... Devo expô-lo ao Colégio?

Lúcia, que até então se tinha mostrado desinteressada e alheia à conversa, cravou os belos olhos verdes em Colin, que voltou a estremecer.

- Sim. Ele vai para o Colégio.

Colin ouviu as palavras da chefe, mas não pareceu acalmar.

- Vai mata-lo? Pensei que nem fosse uma opção. Ele... é só uma criança.

A forma como a mulher proferia aquelas palavras, tão precipitada e fria, fazia-o pensar nos limites que a natureza humana era capaz de alcançar.

Lúcia, como se percebesse a ansiedade do indivíduo que se perdia submerso à sua frente, tentava apelar a alguma réstia de carinho no homem, tratando-o pelo nome.

- Não sou uma assassina, Colin. Não tenciono matá-lo. Sou um ser vivo e, como tal, tenho os meus mecanismos de defesa e farei de tudo para sobreviver. – Os seus olhos brilhavam, e o seu verde de mar tornava-se mais inebriante e reluzente. – Não o vou matar, ele vai ser exposto às provas, como todos os outros, e depois veremos se foi ou não capaz de sobreviver...

- O pequeno não representa nenhuma ameaça... - Balbuciou o homem, enterrando-se cada vez mais na cadeira.

Lúcia voltou à sua postura magistral, focando a parede. O olhar voltara a tornar-se impessoal e as palavras saiam-lhe no mesmo tom fleumático e ponderado, dela agora tão típico.

- Não agora. Mas vai sê-lo à medida que crescer...

Levantou-se, dirigindo-se a uma pequena estante que decorava o lado esquerdo da secretária, mesmo ao lado da janela. A estante ainda se mantinha cheia dos livros antigos de Alexandre Albuquerque, o anterior Governador. Pegou num, de capa vermelho sangue e sentou-se de novo, abrindo-o, retirando do seu interior uma pequena carta, escrita à mão, que começou a ler, calmamente.

Impulsividade, Carácter volátil e agressivo, Pobreza geral das reacções afectivas, incapacidade de aprender por experiência, Extremamente perigoso, falta de auto critica...

Os olhos da mulher subiram da carta para o Governador, observando-o. O homem abria mais a boca grande, denunciando toda a sua surpresa.

- Quem…onde é que foi encontrar isso?

- Onde ou como ou quem não interessam, não estou aqui para responder, mas para interrogar... melhor... ordenar. Já lhe disse que não está aqui para questionar, mas para agir. Façam-lhe o teste de admissão e certifique-se de que ele não passa. O pai dele encarregou-se de apaga-lo dos registos. Teoricamente, o Miguel não existe. Se tem dois olhos e dois ouvidos decerto é para ouvir e ver mais do que o que fala. Haja, Colin! Da melhor forma que souber.

A mulher levantou-se do lugar que ocupara, e o homem levantou-se também, respeitosamente, dirigindo-se à saída da repartição até ao carro, acompanhando-a.

- O tempo não olha para trás, Colin. Agora é altura de saber se aceita ou não este destino. “Acabou a Primavera”...

No interior, Maria Lúcia passou levemente a mão pelo ventre, esboçando um leve sorriso. Ao fim de tantos anos, tinha finalmente conseguido o que ansiava. Afastara Alexandre do seu lado, do posto de Governador e conseguira o cargo que este sempre ansiara: o de Chanceler. Estava à espera de um filho. Para o seu plano dar certo, só uma figura se entrepunha: Miguel.

“...Mas trouxe a vida nas mãos e as folhas que o vento afastara...”

O carro rolou a estrada sinuosa e estreita, até se perder no horizonte.

Se preferirem, leiam em http://www.tvuniverso.com/Saga/1o-episodio.html

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Mais uma vez tenho de dizer que a escrita da Mónica é soberba. Adoro a tua maneira de escrever.

Acho que esta história começa com o pé direito. Já muitas perguntas ficam no ar.

De quem é o filho da "Maria Lúcia"? E quem é o "Miguel"?

A "Maria Lúcia" é uma personagem e tanto. Parece que o poder lhe subiu à cabeça e a tornou numa pessoa extremamente fria e insensível.

Estou ansioso pelo segundo episódio!

E parabéns pela tua escrita, Mónica!

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Mais uma vez tenho de dizer que a escrita da Mónica é soberba. Adoro a tua maneira de escrever.

Obrigada, Ruben, fico muito contente que gostes. Uma parte fundamental de uma história é a escrita.

Acho que esta história começa com o pé direito.

Ainda bem que achas que começa bem :biggrin_mini2:. (pelo menos para um dos personagens, o César, parece que não começa assim tão positivamente :laugh_mini:)

Já muitas perguntas ficam no ar.

De quem é o filho da "Maria Lúcia"?

Isso é complicado. Vais ficar a saber. Posso já avisar que não é um "pai" muito convencional. (Quem leu a primeira temporada também já sabe que o "Miguel" não foi gerado de forma muito comum...)

E quem é o "Miguel"?

Pois...esta temporada é independente da primeira, mas não tanto :laugh_mini:

Foi falta de contextualização, minha, admito. O "Miguel" é filho do marido da "Lúcia", o "Alexandre" (de quem se vai falar mais adiante na história e que está de momento preso, dado ser um ser um tanto ou quanto "malvado").

A "Maria Lúcia" é uma personagem e tanto. Parece que o poder lhe subiu à cabeça e a tornou numa pessoa extremamente fria e insensível.

A "Lúcia" foi muito maltratada pela vida. Posso desde já contextualizar-te, dizendo-te que: 1. Aos 13 anos,perdeu a familia toda (menos uma irmã) morta num "golpe de estado" levado a cabo pelo "Alexandre". 2. Teve que casar-se com ele, e perdeu a irmã que "desapareceu" para a Rússia. 3. Viveu sempre debaixo do controlo de "Alexandre" que a tratava como um objecto, mostrando-se mais interessado por políticas, intrigas e poder. 4. Descobriu que o único homem por quem se apaixonara era um dos seres que ocupou a Terra, e que a usara para conseguir que ela o representasse no Planeta. Agora está no ponto que leste, perdida e anestesiada (o resto ainda vais perceber).

Estou ansioso pelo segundo episódio!

Ainda bem, espero não desiludir. É o meu maior medo :unsure:

Obrigada, Ruben.

Já li o episódio, mas confesso que ainda estou a (tentar) perceber a mensagem, a história, de "onde vêm" e para "onde vão"! :biggrin_mini2:

Pois, _zapping_, Admito que a minha escrita não "deita as cartas todas na mesa". Não faz parte de mim dar tudo ao leitor,sabes?

Prefiro ver-vos a pensar, a tentar encontrar a vossa própria lógica naquilo que lêem, fazendo a vossa interpretação. Mesmo no fim, não vais ter uma só interpretação, tal como muito fica em aberto, para que possam reflectir mais e melhor, se assim quiserem. É a minha forma de fazer aproximar mais a história da realidade de cada um dos leitores, de acordo com as suas próprias cabeças.

Obrigado por seguires esta nova temporada e por comentares :biggrin_mini2: é muito importante para mim :headbang:

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Burgo da Base de Abzu

A manhã começava a despontar nos degradados bairros que se erguiam no exterior da Base. De longe, parecia o cenário de uma metrópole futurista deteriorada, construída com ruínas de blocos de tijolo, e fragmentos de lata e de madeira que sobravam da demolição da primeira Sauzesco. Pequenos carreiros de fumo desenhavam-se dos minúsculos telhados de chapa e de zinco. A aldeia ainda estava adormecida na densa névoa matinal, por onde começavam a despontar débeis raios de sol.

O Inverno invadira o pequeno burgo, inundando as sementeiras. A fome que se abatera após o longo período de seca, estendia-se agora por mais seis meses vagarosos e húmidos, alongando a miséria.

Os homens que restavam na aldeia tentavam salvar o que subsistia da plantação cobrindo-a com enormes plásticos esburacados para facilitar o crescimento das plantações. Esforçavam-se para esticar a película gigante retirando-lhe a água da chuva que se acumulara pesada. Os seus corpos ainda se mantinham encharcados do dilúvio nocturno. Não podiam dar-se ao luxo de perder o que restava das sementeiras. Não enquanto tivessem que embolsar ao Governador as malditas quotas fixas de produção.

As luzes tremeluziam no interior das habitações e o ar pairava húmido e denso. Viko entrou numa pequena divisão improvisada como cozinha. Jiya organizava as porções de ração diária. Mergulhava minúsculas tigelas de madeira nos sacos de farinha espalhados pelo chão, deitando-as depois para um grande recipiente de metal oval, poisado em caixotes de madeira, que faziam as vezes de balcão. Ao seu lado, numa espreguiçadeira de rede esburacada, dormia uma rapariga, de aproximadamente 13 anos.

- Já te disse que não a devias deixar dormir aqui contigo. Não fica bem para um membro do Conselho.

Jiya desviou o olhar da sua tarefa, oferecendo ao mestre o seu maior sorriso.

– Demoraste...- Respondeu, vendo o rosto cansado de Viko. – Não há ração suficiente para toda a semana. Como é que vamos distribuir?

– Como de costume. Mulheres e homens da defesa primeiro, depois as outras mulheres e crianças, mais dispensáveis.

Jiya sentou-se num dos caixotes que faziam de banco, olhando o chão. Viko aproximou-se dela, passando-lhe os dedos pelos cabelos pretos, sentindo-lhe a textura espessa e suave como lã.

– Estou cansada! Isto está tudo ao contrário, Viko, tudo! Como é que vemos estas pessoas morrer? Não dá para continuar a ver morrer assim? Dizes-me o que fazer Viko? Quando é que resolves isto? – Sussurrou, esforçando-se para não acordar a pequena que descansava ao seu lado.

– Não é assim tão fácil, Jiya, não dá para decidir de um ímpeto!

Os olhos de Jiya continham as lágrimas mas o rosto contorcia-se de angústia. Levantou-se e saiu atordoada para a imensa fila que se formava no exterior, carregando com dificuldade o recipiente com a comida. Era composta maioritariamente por mulheres e crianças, que pediam um prato de ração para matar a fome.

– Homens e mulheres da defesa primeiro, por favor! – Chamou, imperturbável.

Juntamente com as outras mulheres, distribuía a mescla de farinha de milho e gordura pelo grupo que se formava aparte da fila, tentando abstrair-se das crianças que choravam e das mulheres que a observavam à espera das sobras que eventualmente pudessem restar.

Crianças e mulheres jogaram-se ao recipiente, que caiu ao chão, apanhando as sobras que comiam, directamente do solo.

A menina acordou e dirigiu-se a uma casa rasteira de paredes de chapa. Na entrada, uma mulher de longos cabelos de oiro caídos pelos ombros segurava um rapaz de cerca de 7 anos, embalando-o, apertando-o de encontro o colo. Lera, passou pelo pequeno, cumprimentando-o com um sorriso, depositando-lhe docemente um beijo na testa.

- Não está melhor? – Questionou, de semblante preocupado.

- Não nos trouxeste nada para comer? Trabalhas o dia inteiro para a Jiya e ela não te dá nem uma tigela de farinha? Era pedir muito?

As lágrimas caiam do rosto da mulher e Lera começou também a chorar. Entrou, sentando-se num banco de madeira ao lado de uma mesinha de chapa branca, descascada nos cantos, que adornava o lado direito da porta, desviando o olhar do irmão doente. Os pensamentos foram interrompidos pelo estampido do bater da porta. Nataliya poisou o filho na cama improvisada. Lera aproximou-se do irmão. Espiou-lhe o rostinho miúdo, branco e coberto de crostas. A menina fechou os olhos, passando-lhe a mão pelos cabelos fracos e finos que lhe vieram agarrados aos dedos.

- É tudo culpa tua! – Gritou-lhe Nataliya, visivelmente transtornada, as feições alteradas e disformes. – Foi por tua causa que viemos parar aqui, sua ratazana. É por tua culpa e por culpa dela que o meu filho vai morrer…

As lágrimas caíram mais intensas e fortes no rosto da menina, a uma velocidade que não conseguia controlar. A voz obstruía-se de tal modo que a garganta apertava, chegando a doer. O coração batia-lhe tão forte que parecia querer rasgar-lhe o peito. Atirou-se para a cama, cobrindo o corpo do irmão. Chorava, num pranto magoado, sentido no fundo do seu ser.

- Desculpa, Daniel...eu não posso!não podes morrer... - Valéria apertava a mão branca do irmão, puxando-a de encontro o peito. Ouvia, cada vez mais dissipados, os gritos de Nataliya.

- Sabes o que custa perder um filho assim? Tu não sabes o que é ter um filho no coração!nunca vais ser mãe, estás-me a ouvir? Nunca virás a saber o que isso é!

Lera já não via, porque as lágrimas apertavam-lhe os olhos e o coração. Estreitou o irmão contra si, enquanto os soluços aumentavam, não a deixando respirar. Ouviu, baixinha, serena, a voz do pequeno que a chamava.

- ...Lera...- Chamou, abrindo os olhos salientes e vermelhos, a boquinha pequena, de lábios encrostados e roxos abriu-se num ténue sorriso.

A menina beijou-lhe a mão, retribuindo-lhe o sorriso. Os olhos secaram momentaneamente, e Daniel pareceu serenar.

- Lera...- Repetiu uma vez mais, fixando o rosto da irmã. – Fica comigo...

O corpo pequeno do menino contorceu-se expelindo do seu interior uma mescla de sangue e vómito.

- Sai daqui, sai. Fora daqui! Já! - Nataliya puxou Valéria, arrancando-a da cama.

Valéria saiu, correndo pela cidade, até chegar à pequena cozinha, procurando o conforto de Jiya.

- O Daniel! o Daniel!- Lera gaguejava, ofegante, perante o olhar atónito da mulher que procurava acalma-la. – Tens que vir comigo Jiya, tens que fazer alguma coisa...

Lera puxou a mulher até à casinha, num sofrimento urgente, íntimo, agravado pelo olhar pesado de Nataliya.

- Faz alguma coisa, Jiya, eu sei que tu o podes ajudar.

Jiya aproximou-se da cama do pequeno, voltando-se de novo para Lera.

- Acho que não há mais nada que possa fazer. – Anunciou, calmamente, quase sem emoção, sem se deixar perturbar ou comover.

E sobre aquele buraco habitado Lera sentiu mais uma vez a morte pairar como única companhia. Os olhos secos e alerta. Extremamente afiada pela dor contundente, saiu aflita e rápida, flecha sem eixo nem rota, dirigindo-se ao túmulo da mãe. Na grande campa de mármore cinzenta, a figura de pedra da mulher esperava, como sempre, deitada no seu leito de pedra eterno.

- Odeio-te! – Falou, diante da estátua da mãe. – Se não fosse por tua causa nunca estaríamos aqui! Foste tu que começaste isto, porquê que não vens acabar?

Ilya aproximou-se da filha, poisando-lhe a mão grande no ombro.

- Não tens nada que ver com a morte dele, ouviste? A Nataliya está magoada, mas ela sabe que não é verdade aquilo que disse.

Lera olhou-o, abraçando-o, soluçando todo o seu pesar.

- Pai, eu amava-o tanto, tanto...e ele morreu, está longe de mim, tal como ela...e eu fico cada vez mais só...

- Ela ia gostar muito de estar aqui e de te conhecer…

- Mas não pode. Porque preferiu morrer a estar aqui connosco. Isso não é bravura!

Ilya olhava-a carinhosamente, depositando nela toda a ternura. – É. Essa pode ser considerada umas das maiores formas de bravura, abdicar de tudo, para ver o mais importante viver: continuarmos vivos, sem morada, sem corpo, no coração dos outros.

- Será que podemos ter saudades de alguém que não chegamos a conhecer? – Questionou a pequena, de olhar vazio, tão magoado, quanto intrigado.

- Sim. Temos saudade da ausência, tanto quanto a amamos.

- Nunca te quero ver morrer! – Confessou a pequena, beijando o rosto grande e claro do pai.

- Um dia, a tua mãe disse-me: “Todos nós acabamos por morrer”. Mas nunca tenhas medo da vida, Lera. Ela dá-te tudo, a troco de nada...

A menina olhou para o pai com atenção numa ternura encantatória e imensa.

- Eu quero viver muito, para guardar-te sempre em mim e à minha mãe, e ao Daniel! - Anunciou, correndo para os braços do pai.

A partir desse dia, Lera entrincheirou-se mais nos caminhos da vida, reconhecendo-lhe o valor e mesmo o rumo incerto por onde a guiava.

Difundia uma ternura numa contagiante e enorme doçura. Com uma pureza que cintilava, brilhava e arrebatava, com um profundo coração enorme, gigante de sentimento.

Se preferirem, leiam em http://www.tvuniverso.com/Saga/2o-episodio.html

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Já li o segundo episódio!

A ideia de miséria e escuridão está muito bem transparecida! Chega a ser arrepiante. Parece que consigo sentir o sofrimento e o desespero daquelas pessoas.

Achei interessante a história daquele pequeno grupo de personagens. Há muito rancor no seio desse grupo. Ainda assim, ainda bem que a Lera decidiu "aceitar" os desafios da vida e enfrentá-los.

Quanto ao bebé que morreu, acho que é o Daniel, que doença tinha ele?

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A ideia de miséria e escuridão está muito bem transparecida! Chega a ser arrepiante. Parece que consigo sentir o sofrimento e o desespero daquelas pessoas.

Foi o que tentei fazer transparecer. Os episódios vão "saltar" um bocadinho, porque vais perceber mais adiante que isto são "excertos" contados por alguém e vão ser muito diferentes, a nível de emoção e de sensações. Uns vais gostar, outros nem por isso...dependendo do gosto. :chupeta

Achei interessante a história daquele pequeno grupo de personagens. Há muito rancor no seio desse grupo. Ainda assim, ainda bem que a Lera decidiu "aceitar" os desafios da vida e enfrentá-los.

É. Ainda bem que a "Valéria" ("Lera") decidiu aceitar os desafios da vida. Mas ainda é muito nova, certo? Será que vai conseguir?

Nota-se realmente uma enorme tensão entre estes elementos, que são muito importantes, uma vez que é neste núcleo de resistentes que "pulsa a vontade de sobreviver da alma humana", independente e inalterável, sem ocupações ou domínios. Mas num grupo tão pequeno e tão tenso será que todos vão conseguir manter-se fieis à causa que os uniu e que faz deles grupo (a liberdade do ser humano)? Ou será que ali, no seio daqueles que ainda insistem em lutar, há alguém que se vai revoltar? :duvida:

Quanto ao bebé que morreu, acho que é o Daniel, que doença tinha ele?

Desnutrição. Resolvi usá-lo a ele como símbolo disso em vez de descrever o número incalculável de seres humanos que morreram assim (embora mais à frente alguém o irá referir...)

Mais uma vez, Ruben, obrigada por leres e por comentares :headbang:

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Já li o 2º episódio e confesso: gostei muito mais que o da estreia.

O drama e a tragédia estiveram muito presentes no episódio e foi muito carregado. Os diálogos estão excelentes. Muito bom.

Ia mesmo questionar se havia continuidade. É que o 2º capítulo pareceu-me uma história diferente do 1º capítulo... como não li a 1ª fase da história, não sei como é o estilo da "Saga". Vamos continuar a ver estas personagens? No próximo capítulo aparecerão nocas personagens?

O "Resistir" tem mesmo a ver com o capítulo. :biggrin_mini2: A criança não resistiu, mas será que a irmã resistirá?

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Já li o 2º episódio e confesso: gostei muito mais que o da estreia.

Pois :laugh_mini: Foi como eu referi, vão gostar mais de uns do que de outros. Parece que não ficaste muito "fã" da "Lúcia" (o que é justificável :rolleyes: ).

O drama e a tragédia estiveram muito presentes no episódio e foi muito carregado. Os diálogos estão excelentes. Muito bom.

É normal identificares-te mais com este núcleo. Afinal são aqueles que mais vão ao encontro do noso ideal de resistência, caso uma ocupação destas acontecesse realmente. A tragédia, o drama que eles vivem, parece-nos, talvez, mais próximos.

Ia mesmo questionar se havia continuidade. É que o 2º capítulo pareceu-me uma história diferente do 1º capítulo... como não li a 1ª fase da história, não sei como é o estilo da "Saga". Vamos continuar a ver estas personagens? No próximo capítulo aparecerão nocas personagens?

Sim, estas personagens voltam. Para o próximo tens a introdução de outra, mas já com outra personagem que também já conheces, portanto, começas a familiarizar-te com todas elas.

O "Resistir" tem mesmo a ver com o capítulo. :biggrin_mini2: A criança não resistiu, mas será que a irmã resistirá?

Boa questão. Será que a "Lera" resiste a tudo o que passou? Será que vamos encontrar neste grupo diversas e distintas formas de resistência? E que forças (internas e externas) nos ajudam (ou travam) a resistência? :uh:

Obrigada pelo comentário e até para a semana B)

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A ideia de ires contando em cada capítulo histórias, aparentemente, diferentes, é muito boa!

E ainda bem que as personagens vão voltar.

Confesso, tal como o André fez, que me identifiquei mais com as histórias deste capítulo, apesar de o primeiro capítulo também ter estado perfeito ;)

tu e o Ruben escrevem muito bem!

Obrigado, David ;)

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Acabei de ler os dois primeiros episódios e Mónica tens uma escrita divinal, tu e o Ruben escrevem muito bem!

Obrigada pelo teu comentário tão positivo, David B) Ainda bem que gostas. Confesso que acho bastante importante ter uma escrita cuidada para podermos transmitir melhor a nossa mensagem. Vamos ver se consigo. :rolleyes:

Quanto à história estou intrigado com a chanceler, e desespero pelo próximo capitulo!

Se estás intrigado com a Chanceler, então posso desde já adiantar-te que ela vai trazer algumas surpresas :segredo:

Não é assim muito fácil controlá-la... :uh:

Obrigada por comentares e por seguires a história. :headbang:

A ideia de ires contando em cada capítulo histórias, aparentemente, diferentes, é muito boa!

E ainda bem que as personagens vão voltar.

Como são núcleos aparentemente tão antagónicos tento mostrar a história pelo ponto de vista de uns e de outros. São acções que se desenvolvem paralelamente na mesma história, mas sem qualquer tipo de cruzamento, sendo que umas influenciam necessariamente as outras. (por exemplo, é natural que as acções da Chanceler, influenciem a vida dos demais...)

Estas personagens vão voltar e de forma decisiva. No próximo capitulo (3º) há mais uma personagem para "conhecer" (talvez haja quem já conheça) e no 5º também. Depois é "sempre a abrir" :chupeta

Confesso, tal como o André fez, que me identifiquei mais com as histórias deste capítulo, apesar de o primeiro capítulo também ter estado perfeito ;)

Pois. Eu entendo perfeitamente, e criei de propósito este tipo de capitulos para que criem mais empatia em vocês. :rolleyes: :segredo: (claro que quem leu a primeira temporada e se comoveu com o sofrimento da "Lúcia" é capaz de a entender um bocado melhor, ou talvez não :laugh_mini: )

Muito obrigada pelos teus comentários :clapping_mini:

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Base de Edín

“Nunca vi um pôr-do-sol”.

É na infância que se sonha. Em criança o tempo é-nos benévolo e benfeitor. Quando nos extorquem o tempo, perdemos a idade, fechamos os olhos às horas, impenetráveis.

Esperamos recuperá-lo, sentindo finalmente a vida fluir. No entanto, não podemos esperar fechar os olhos ao que o tempo nos tirou. Não podemos esperar que o tempo volte a todos os portos por onde já passou. A vida que se perde, escorre-nos pelos dedos, caindo fluida, manchando-nos o chão.

Miguel não tinha idade, nem horas, nem chão. Crescia, porque o mesmo tempo roubado tem o prazer de levar-nos pela mão. A ele, que apressava o passo tentando acompanhar a marcha da sua cuidadora, a vida afigurava-se-lhe nula. Sem grandes criações, os seus olhos viam apenas a ilusão do permitido. Naquela tarde, mais uma em que corria feliz, por entre os escombros, algo em si se partiu. A redoma da mentira em que o congelam. Para lá dos limites do imposto, havia toda uma outra vida à espera. E os seus enormes olhos de um azul-esverdeado, bebiam toda a luz dessa novidade. A criança corria, ofegante até cair no chão.

– Então, Miguel, o que se passa?

A cuidadora aproximava-se do pequeno para o ajudar a levantar-se. Miguel recusou ajuda, erguendo-se sozinho.

– Não quero ir! – Falou, numa melancolia miúda que o devorava. – Não quero ir com o Colin.

O menino mostrava todo o desagrado e cansaço com a forma como estava a ser gerida a sua educação. Com o progenitor aprisionado na Cadeia da Base e sem a figura presente da mãe, as cuidadoras eram a única presença materna que podia identificar. Mudavam ciclicamente, de seis em seis meses, para que não se vinculasse a nenhuma.

Aquela mulher que o levava pela mão, era-lhe conhecida desde há apenas 2 meses e já o iria deixar. Ele iria partir, para uma escola onde eram educados as crianças habitantes da Base, os filhos das listas, como eram designados. Eram os descendentes daqueles cujos nomes estavam escritos nas listas de reprodutores do Império, nascidos de combinações genéticas perfeitas, com um biótipo exemplar e sem falhas.

Aos sete anos, seria a idade indicada para começar a sua educação fora dos moldes das cuidadoras, sendo admitido no Colégio que o iria formar para ser um dos rostos mais importantes da Aliança, tal como tinha sido designado pelo pai, Alexandre Meireles Almeida de Albuquerque.

A cuidadora arrancou-o do medo, puxando-o do chão em direcção a casa. Colin Young esperava-o, para o levar a passar a primeira noite no Colégio. Ao ver o corpo alto e esguio de Colin aproximar-se, Miguel baixou os olhos para o chão, para não o ver chegar. Nunca tinha revelado o medo que sentia do seu nariz adunco, nem como aquele cabelo desgrenhado e grisalho o assustava. Limitou-se a engolir em seco, enquanto sentia o toque da mão grande e fria do adulto pegar a sua e leva-lo para o seu destino. Entrou em silêncio no carro estacionado à porta da sua casa e via a sua bagagem sair do interior e ser colocada na mala. Uma dor miudinha comprimia-lhe o peito, subindo-lhe à garganta que doía, engolindo em seco e os lábios secavam, enquanto a água lhe toldava a visão. Nunca tinha sentido vontade de chorar, porque não tinha sido educado para isso. Contudo, sentia no peito uma angústia que o apertava, cravando-se no ser. Miguel fechou-se no silêncio durante as longas horas de viagem. Divertiu-se a analisar o nariz pontiagudo de Colin mudar de cor conforme as oscilações de temperatura do percurso, passando de um branco desmaiado a um vermelho carregado atingindo um roxo purpurino. Emitiu mesmo um ligeiro sorriso sempre que o ouvira espirrar. A tarde ia já alta quando sentiu finalmente o carro estacionar em frente a um grandioso portão de ferro preto ultimado com pequenas setas verticais. Colin saiu do carro com o pequeno, poisando as suas malas ao lado do portão.

- Adeus, meu pequeno. Espero que tenhas a mesma sagacidade característica do teu progenitor. Lá em cima perguntas pela Ala B. – Despediu-se, entrando na viatura.

Miguel sentou-se numa das malas vendo o carro partir. Lembrara-se do medo que sentira diante da portaria gigante e da solidão que se levantara ao ver-se só. Aquele fora também o dia em que vira o seu primeiro pôr-do-sol. Em que, sozinho, vira a grandiosa estrela pôr-se, ligeiramente a norte do Oeste. Na sua inocência de sete anos, olhou para as malas que o guardavam como única companhia, procurando a mais leve para levar. Arrastou-a rampa acima, até chegar ao cimo, onde um edifício arcaico e desgastado se afigurava, sinistro. Guardaria aquela impressão durante longo tempo. O de estar sozinho, num espaço deserto, enquanto via a noite cair. Sentou-se na mala, à medida que o breu se abatia ligeiro sobre o céu, o vento sibilava, abanando os ramos das árvores que assustavam o pequeno. Miguel não gritou nem chamou por ajuda. Limitou-se a olhar em seu redor, procurando alguém para o ajudar. Deu pequenos passos reconhecendo o terreno para lá do enorme edifício, procurando a rota da Ala B. Em vão. Quando finalmente percebeu que estava só e que ninguém o iria resgatar as lágrimas caíram e começou a soluçar. Aproximou-se da porta velha fechada a cadeado procurando um local longe do frio, onde se pudesse abrigar. Batia com força à porta, mesmo sabendo que do lado de lá não haveria ninguém para lhe responder.

- Pronto, Colin, não volto a fugir nem a brincar naquelas pedras, já estou a perceber.

Estranhamente, o calor das lágrimas que lhe escorriam pela face era-lhe reconfortante e a angústia inicial parecia desvanecer com as forças que lentamente começavam a ceder. Os soluços abrandaram e o pequeno encostou-se à porta, fechando os olhos, pesados de tanto chorar.

- Quero voltar para casa, eu quero voltar para casa, não quero estar aqui. – Balbuciou, antes de adormecer.

Era ainda noite cerrada quando o pequeno acordou em sobressalto. Ao seu lado, uma pequena menina, aparentando a sua idade, debruçava-se ao seu nível, para lhe falar. Os seus fartos caracóis vermelhos tocaram-lhe o nariz, fazendo-lhe cócegas, obrigando-o a coça-lo.

- És muito preguiçoso, faz-me lá o favor de te levantares. – Disse-lhe a pequena com um sorriso manhoso, endireitando a boina escarlate.

Miguel levantou-se, coçando os olhos, certificando-se de que não estava a sonhar. Alheada da admiração do outro, a menina continuou o seu caminho, a tagarelar alegremente.

- Aqui no fim deste trilho há um rio, do outro lado é que fica a Ala B, onde vais morar. – Informou, olhando para trás, averiguando a reacção do companheiro.

Miguel anuiu com a cabeça, incapaz de emitir um som. A menina abanou a cabeça em descontentamento, suspirando ligeiramente, num tom inocente, falou-lhe, tentando retratar um estilo adulto – Ainda estás à espera? As calças servem muito bem para flutuar.

Miguel despiu-as, seguindo as indicações. Amarrou cada extremidade das calças, agitando-as para a frente e para trás, vendo-as insuflar. Entrou na água, vendo a figura da menina sumir-se na margem, enquanto ele rumava à sua nova casa.

O sol escondia-se nas nuvens brancas de diferentes formas, quando o menino conseguiu por fim acordar. Estava sentado no banco do carro mesma posição em que tinha entrado. Sentiu abrir a porta ao seu lado.

- Aqui estamos, meu pequeno. Espero que tenhas a mesma sagacidade característica do teu progenitor. Lá em cima perguntas pela Ala B. – Despediu-se, indiferente, voltando ao carro.

Miguel teve uma leve sensação de dejá-vecu, diante do gigantesco portão preto.

Sentou-se na mala, experimentando a mesma angústia consumir-lhe todo o peito. Preparava-se para chorar, mas em vez de silêncio ouviu o som de uns passos atrás de si. Virou-se de imediato, procurado a mesma presença. Um porteiro de barrete azul inclinava-se sobre as malas do pequeno fazendo sinal para que o seguisse. Miguel correu para acompanhar o passo deste, subindo a rampa, inesperadamente conhecida. No cimo, em vez do edifício antigo e abandonado, que o assustava com a porta velha, fechada a cadeado, estava uma magnífica estrutura rosa velho, com uma pesada porta de madeira envernizada.

Miguel entrou, ficando de imediato encantado com o luxo do local. Um candeeiro de cristal de boémia ornava o centro do tecto aveludado. Uma pomba branca esbatia-se de encontro aquela cobertura, azul, semelhante a um céu, com um ramo de oliveira no bico.

- Parabéns meu rapaz. Bem-vindo à Ala B. Gostaste do tecto? Dizem que esse desenho antigo simboliza a paz em culturas antigas…

Miguel perdeu-se nas divagações do velho porteiro, caminhando até à camarata. Entristeceu quando viu que tinha um quarto individual e suspirou fundo quando o deixaram a sós no quarto.

Em paz, tal como a pomba, pensou, enquanto se deitava na cama espaçosa para repousar da noite mal dormida, envolta em pesadelos estranhos de sonho-lucidez.

Esticou-se na cama, procurando adormecer. No peito a sua opala irisada brilhava, tremeluzente, iluminando todo o quarto mostrando a imagem da mulher de olhos azuis celestes, iguais aos seus. Não podes regressar a todos os portos passados, mas o tempo que ter for essencial existirá, constante, como uma denúncia do teu ser

Miguel levantou-se para ver-lhe melhor o rosto jovem, ornado pelos cabelos de sol, apercebendo-se de que as calças estavam ligeiramente molhadas.

Se preferirem, leiam em http://www.tvuniverso.com/Saga/3o-episodio.html

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Credo! Como é possível o 3º episódio estar melhor que o 2º?!!!!! xD Brincadeira...

Está mesmo fenomenal. Já percebi que se quer que os rapazitos sejam todos criados de igual forma. Forma essa que deverá, certamente, ser rígida, uma vez que na educação não há espaço para o ensinamento e o incutir dos sentimentos nas crianças. Mas o Miguel parece ser diferente. E aquela sensação de déja-vu que criaste de forma fenomenal deve ter a ver com essa diferença.

E quem será a jovem de cabelos encaracolados?

Está fantástico! Parabéns!

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Credo! Como é possível o 3º episódio estar melhor que o 2º?!!!!! xD Brincadeira...

Está mesmo fenomenal.

Ruben, obrigada pelo teu comentário. :biggrin_mini2:

Já percebi que se quer que os rapazitos sejam todos criados de igual forma. Forma essa que deverá, certamente, ser rígida, uma vez que na educação não há espaço para o ensinamento e o incutir dos sentimentos nas crianças. Mas o Miguel parece ser diferente. E aquela sensação de déja-vu que criaste de forma fenomenal deve ter a ver com essa diferença.

É uma excelente interpretação essa que fizeste. De facto, o «Miguel» vai ser obrigado a muitos sacrifícios e a crescer mais rápido do que o que seria de esperar.

Contudo, todos, quando queremos, encontramos os nossos pontos positivos por mais negra que seja a "tragédia". Vamos ver qual será a forma que ele encontrará de não se "deixar levar" e se o consegue. :rolleyes:

E quem será a jovem de cabelos encaracolados?

Vais ficar a saber quem é...pode ser que até já te traga algumas parecenças com outra rapariga que já apareceu... :segredo:

45199959.jpg(

(…)

Nos meses seguintes milhares de pessoas haviam também de rumar forçadas ao futuro de Edin.

Num desses dias de 2012, nascia em segredo numa cave da Base, Miguel Meireles de Almeida e Albuquerque, a visão privada do Governador.

(…)

A fúria daquele quarto rompeu-se no som do tiro desferido certeiro naquele peito. A massa inerte tombou, vazia. No chão um pequeno carreiro de sangue desenhava-se, desbravando aquele solo de madeira. Vermelho de ira contra o castanho da terra num sondar rematado da morte no corpo que acalmava eternamente.

(…)

Lúcia arrastou Miguel, debaixo de um corpo inerte, colocando-o no colo. O bebé chorava ainda, coberto de sangue. No chão jazia Clarisse. Perdida para sempre, vítima dos meandros daquele plano de insensatos. (…)

*****

Dezembro 2020

Miguel acordou com um estampido seco que ressoava pela camarata. Olhou para o exterior vendo que ainda era madrugada e virou-se para o outro lado da cama, voltando a adormecer. Estremeceu ao sentir uma mão que lhe agarrava o braço, puxando-o da cama para o frio.

- Levanta-te! Tens 20 minutos para fazer a cama, tomar banho, vestires a tua farda e ocupares o teu lugar na formatura!

Miguel permaneceu alguns minutos petrificado vendo a rotina robotizada dos outros rapazes que faziam a cama impecavelmente, correndo para os balneários. O pequeno seguiu-os, molhando as mãos na água fria, que levou à cara, para limpar os olhos e espantar o sono. A mesma voz sonora e irritante, ouvia-se novamente, imperativa.

- BANHO! – Gritou. Obrigando os pequenos a correrem para os chuveiros. Miguel rumou a um vago, sentindo a água quente molhar-lhe o corpo até parar de sair.

- ENSABOAR! – Ouviu novamente o grito que ordenava, tremendo de frio, enquanto passava o sabão pelo corpo coberto de água que gelava no corpo.

Saiu do banho a tremer, dirigindo-se de novo à cama mal feita, onde tinha colocada a farda. Vestiu um uniforme azul-escuro, reparando que tinha marcado no bolso o número 22. Apertou com dificuldade os atacadores dos sapatos de vela castanhos dirigindo-se para a fila que se formava no corredor.

No exterior, um homem passava revista à fila, vendo os pequenos um a um. Tudo ali era frio e impessoal, e Miguel sentia-se em casa, visto que nunca tinha tido outra forma de vida.

- Os números 5, 11, 17 e 22 venham comigo.

Ao ouvir o seu número, correu para acompanhar o passo dos outros meninos que percorriam o longo corredor cor de pedra. Naquele casarão grande e luxuoso havia algo que o intrigava. Não existia um único quadro ou adorno, nem sequer um boneco a enfeitar. Tudo era grande e frio, apesar do fausto e pompa que ostentava.

Entraram num pequeno escritório onde um homem curvado, de careca brilhante e oval os esperava.

- Bem-vindos. Espero que estejam preparados para o começo da vossa vida. Aqui têm que cumprir regras específicas e claras que constam dos nossos regulamentos. Saídas são expressamente proibidas. Aqui dentro têm todo o luxo e espaço de que precisam para viver, ou melhor, aprender a viver… - Rectificou, distribuindo aos pequenos uns livros encadernados com o estatuto do Colégio. - Aqui, não têm nome, são o número correspondente bordado no vosso peito. Os vossos bens materiais resumem-se à vossa farda e ao vosso material de ensino. Só desprovidos de tudo o que vos esconde poderão encontrar a vossa individualidade. – Continuou, vendo o olhar nervoso das crianças que o avaliavam, em suspense.

Sem o pequeno-almoço tomado o grupo de 25 alunos que dava os seus primeiros passos no colégio, dirigiu-se para o exterior com um monitor, para reconhecimento do terreno.

O homem apontou para um barco no leito do rio, obrigando-os a entrar. Atravessaram o rio enquanto o coração do pequeno palpitava forte. Estranhava o silêncio dos seus colegas, fechados em si. Perguntava-se se seria ele o único com vontade de falar para apaziguar a agonia, se seria só ele com vontade de gritar que o tirassem daquele local maldito. Miguel não sabia dizer a que horas o barquinho parou, na outra margem do rio. Sentia-se nauseado e as dores de cabeça eram fortes e incisivas. O monitor ordenou aos pequenos que saíssem, mantendo-se no interior.

- Sabem o que é a selecção natural? – Questionou, perante o olhar atónito dos pequenos. - Estão a jusante do rio, o quer dizer que ele se encaminha para a foz. – Depois, atirou um saco com mantimentos para o chão e anunciou, num tom ligeiro e informal, muito distante do que a situação obrigava.

Remou o barquinho, afastando-se do grupo de rapazes que oscilava entre o pavor descontrolado e a inquietação angustiante. Miguel deixou cair umas lágrimas, pesadas e doloridas. Em dois dias, estava a passar por mais aflições do que alguma vez previra. Não tinha uma mão a afagar-lhe o rosto, de tal modo que sentiu a falta das cuidadoras de algures, que ele já não situava nem no tempo nem no espaço. Estava largado num território desconhecido, com um grupo de crianças de quem nem sabia o nome, o que era uma forma ainda mais cruel da solidão que lhe tinham impingido toda a vida. Os soluços saíram-lhe automáticos do peito, entre choros e suspiros num gemido infantil.

A tarde caía no céu, tingindo o horizonte de um tom avermelhado e o pequeno encostou-se a um campo alto atrás de si, sentindo a humidade fria da terra invadir-lhe as costas.

Um dos meninos, ligeiramente mais alto e mais esguio do que ele, começou a reunir troncos de madeira, mostrando aos outros como fazer uma fogueira. - A minha cuidadora ensinou-me a fazer fogo quando íamos pescar…- Falou, enquanto os outros juntavam mais galhos à fogueira.

Miguel parou de chorar, levantando-se para participar na tarefa, juntando-se ao grupo.

Via o fogo crescer enquanto o calor começava a tomar-lhe o corpo, acalmando-o.

Aproximou-se do saco de comida, sendo imediatamente repelido por um grupo de rapazes que o afastou, empurrando-o. Voltou para o canto da árvore, vendo-os comer sôfregos os bocados de pão. O rapaz que se mantinha junto ao lume, aproximou-se, sentando-se ao seu lado, dando sinais de fome.

- Não te preocupes. Vamos arranjar comida. – Falou-lhe Miguel, levantando-se, pedindo ao rapaz que o seguisse. - Aprendi a conhecer a comida. Anda comigo.

Os dois seguiram pela floresta, encontrando aqui e ali pequenas ervas comestíveis que levaram para cozinhar ao lume. Miguel comia regalado a refeição, perante o olhar atónito do seu novo companheiro.

- Sabes tanta coisa…sou o Vitorio. Como é que te chamas? – Perguntou, admirado com a calma e auto controle do colega. Miguel, disse-lhe o seu nome, abrindo mais os enormes olhos celestes, com um brilho especial no sorriso. Tinha encontrado um amigo. Não sabia muito bem o que isso significava, mas tinha sido ali, no meio da pior situação da sua vida, que tinha aprendido a conversar, travando contacto com alguém da sua idade. Teve consciência que tinha que aprender a ver o belo e bonito a partir do nada. Não tinha nome, era só um número. Não tinha passado, era só um acumular de circunstâncias e de situações que o levaram àquele local. Para ele, a memória era benévola porque nada tinha a recordar. Nenhum instante especial a que pudesse apegar-se nos momentos de solidão. Nada mais que um elogio de criança proferido no extremo da sobrevivência e um pôr-do-sol …

Adormeceu, cansado. Ainda dorido da viagem do dia anterior e de toda a ansiedade que lhe provocara aquele dia. Ao acordar, apenas Vitorio e mais alguns meninos permaneciam no local. O seu novo amigo dormia, encostado à árvore e Miguel acordou-o, abanando-o. O rapazinho abriu os olhos, quase tão claros como os de Miguel, e sorriu-lhe.

- Está frio. – Disse Miguel, enquanto o outro se levantou devagar, espreguiçando-se, procurando novos ramos para reacender a fogueira. O dia amanhecera mais cinzento que o anterior e um cheiro denso a humidade pairava no ar.

- Será que nos vêm buscar hoje? – Perguntou um dos pequenos, de corpo pequeno e anafado. – Já não há praticamente comida. – Falou, enquanto passava as mãos cheias de água pelo cabelo preto e muito curto.

- A comida não é problema. Aqui o Miguel sabe escolher o que comer…- Anunciou Vitorio, perante o olhar atento dos outros que anuíram com a cabeça, entusiasmados.

O rapazinho, sentou-se novamente encostado à árvore, protegendo-se do vento que se levantara. Os seus caracóis doirados e espessos ondeavam. Miguel começou a sentir frio, quando o lume apagou, às primeiras gotas grossas de água.

Os rapazes abrigaram-se debaixo da copa frondosa da árvore, esperando a chuva passar. Contudo, ao fim de largas horas, a água continuava a cair sem sinais de abrandar e o leito do rio começava a subir, agora mais revolto e irado. As pedras do fundo saltavam do leito com a força da corrente.

Aventuraram-se mais para o interior da mata, de modo a encontrar um local mais seco onde pernoitar. O céu cinzento parecia cada vez mais escuro e o vento começara a uivar.

- E agora? Têm mais alguma ideia de como ir atrás de comida ou fazer fogo com este tempo? – Questionou um dos rapazes, a Miguel e Vitorio, que se entreolhavam nervosamente.

Ao inicio da noite, estavam totalmente encharcados e o terreno onde descansavam começava a alagar. Vitorio tremia e escaldava, balbuciando frases imperceptíveis. Miguel passou-lhe a mão pelo rosto, apercebendo-se de que estava com febre.

O tempo passava sem os pequenos serem capazes de deslindar se durava por dias ou horas aquele tormento que vivenciavam. A tempestade prolongava-se cada vez mais forte. Vitorio piorava, mostrando-se cada vez mais branco e esquálido, enquanto lentamente, ficava cada vez mais frio. Quando falou com ele, mas e o pequeno não deu acorde de si, Miguel deitou-lhe a cabeça no chão de terra, tapando-o com o seu casaco da farda, vendo os raios soturnos que rasgavam o céu de breu, conferindo-lhe uma certa luminosidade. Era um espectáculo único, branco contra o negro numa união perfeita, mescla do nada e de todas as cores. Nesse dia, a ansiedade de Miguel não o deixava adormecer. Tinha medo dos raios, tinha medo do escuro e, inexplicavelmente, vendo o corpo do amigo ali, a enrijecer, começava a ter medo da solidão. Os olhos pesavam de cansaço e de lágrimas que começavam a escorrer-lhe pelo rosto, toldando-lhe a visão. Vitorio jazia ali, o rosto desprovido de calor e de triunfo, o corpo encharcado e duro, como aquele chão.

À mente, assomou-lhe a frase do monitor, quando os deixara algures perto daquele local. “Estão a jusante do rio, o quer dizer que ele se encaminha para a foz.”

Uma manhã acordou clara e solarenga e os pequenos rumaram tendo o leito do rio como orientação. Caminharam durante o que pareceram mais do que horas, até os pés estarem doridos e o coração saltar pela boca, de cansado. No fundo do trilho, onde já avistavam o grandioso casarão, o pequeno barco esperava-os, dando-lhes força e alento para remar. Admirou-se de ninguém perguntar pelo número 3. A sua mente infantil não concebia os meandros e diversas formas da morte. Não se atrevendo a perguntar, acreditou que a menina da boina vermelha o iria buscar, tal como fizera com ele. Contudo, de Vitorio nunca mais viu o sorriso, nem sequer sinais da sua presença pelo grandioso casarão do Colégio. Os dias e as noites sucediam-se. Ao tempo, seguia-se outro tempo que o mudava, tornando-o diferente. Miguel aceitou aquele modo de vida. A sobreviver, para viver. Tomou uma decisão: moraria ali, cumpriria todas as ordens e regras impostas, mas ninguém controlaria aquilo que existia dentro dele.

- Vou viver!

Se preferirem, leiam em http://www.tvuniverso.com/Saga/4o-episodio.html

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