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O Fim da Terra


oasis

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Episódio nº12

Vera senta-se no sofá e hesita por um instante. Ela fica a admirar a filha brincando, sozinha, com suas bonequinhas estragadas, sem cabelo, ou roupa, até mesmo sem cabelo ou membros. Vera leva a mão à boca e começa a roer as unhas, nervosa. Discretamente, ela tira o suor da testa. Ela limpa a mão suada na roupa e, já agarrando a mão de Vanessa, senta-a ao seu lado no sofá.

VERA -- Eu preciso conversar com você sobre um assunto bastante sério, minha filha.

Vanessa nota a preocupação da mãe. Ela parece entrever a eminência do perigo.

VANESSA -- Mãe, pode falar.

VERA -- Olha, minha filha: seu irmãozinho não vai mais morar com a gente. Papai do Céu o levou de mim e do seu pai. Basta pra gente aqui da terra se conformar e rezar pra que ele fique muito bem lá em cima no Céu.

VANESSA -- (SEM ENTENDER) Ele morreu, mãe?

VERA -- É, Vanessa, ele morreu.

VANESSA -- (CONFUSA) Mas como, mãe?

VERA -- (EMOCIONADA, NÃO RESPONDE) A gente precisa ir ao enterro hoje.

Vanessa e Vera abraçam-se. Aquela tentando consolar a outra, como gente grande.

VANESSA -- Não fica assim, não, mãe. Papai do Céu levou ele agora, porque era melhor assim. A senhora mesmo me ensinou que Papai do Céu só leva as pessoas na hora certa!

VERA -- Você tem razão, filha. Você tem razão!

Vera abraça fortemente a filha, enquanto as lágrimas descem dos seus olhos e escorrem pelas suas faces.

Ricardo mana pela sala em direcção è porta, com uma mochila rasgada e velha. Helena e Medeiros vêem lego atrás dele, aflitos.

HELENA -- Ricardo, isso é loucura, garoto.

RICARDO -- Loucura nada, Helena. Loucura é você casar com esse Medeiros.

Ricardo pára próximo à porta. Ele olha para o anel no dedo de Helena e ela percebe pondo a outra mão por cima, cobrindo o adereço.

HELENA -- (REAGE) Não admito que você fale assim do homem que eu amo. Você não tem autoridade nenhuma.

RICARDO -- Eu falo do jeito que eu quiser porque eu vou sair dessa família mesmo! Não devo mais nada a ninguém. Vocês que vivam essa vida sem sal de vocês.

MEDEIROS -- Rapaz, você não vê que você vai trazer um mal pra família?

RICARDO -- Quem é você?! Não se meta!

HELENA -- Mais respeito, Ricardo.

RICARDO -- Respeito, por quê? Vocês nunca me trataram como eu merecia?

HELENA -- Deixa de falar asneira. Você sempre teve tudo do bom e do melhor na medida do possível. Agora, se você queria a roupa mais cara possível e carros importados você nunca teve realmente.

RICARDO -- Eu estou indo embora agora. Manda um beijinho pra Lila e diz pro Adalberto que a gente só vai se encontrar no além?! Estou indo!

Ricardo ajeita a mochila nas costas e sai sem olhar para trás, batendo fortemente a porta. Helena apoia-se no sofá para não cair uma vez que ficou zonza, tonta. Medeiros segura-a.

MEDEIROS -- Você tá sentindo alguma coisa, Helena?

HELENA -- Não, não é nada. Eu só fiquei um pouco tonta, já estou melhor agora.

MEDEIROS -- Vem. Eu te levo até o sofá.

Ajudada por Medeiros, Helena senta-se no sofá. Ela leva a mão à cabeça como se sentisse dores naquela região. Helena franze as sobrancelhas e entorta um pouco a boca.

MEDEIROS -- Você tá sentindo alguma coisa, Helena?

HELENA -- Não, não é nada. (MIRANDO-O NO FUNDO DOS OLHOS) Por favor, Medeiros. Vai atrás do Ricardo. Ele não pode fugir de casa.

MEDEIROS -- Mas eu não posso deixar você assim, neste estado.

HELENA -- Que estado?! Por favor, Medeiros, vai logo antes que você perca ele de vista.

MEDEIROS -- Tudo bem. Mas você vai ficar bem?

HELENA -- Claro. Daqui a pouco a Luiza tá chegando. Não vou ficar sozinha.

Um carro relativamente novo, que está sendo dirigido por Ricardo, pára na indicação de sinal vermelho. Porém, ele, constantemente, acelera-o, soltando, além de um barulho infernal, uma fumaça densa e bem escura pelo escapamento. Alguns carros depois está Medeiros, com seu carro ainda amassado por causa do atropelamento de Vitinho. O sinal abre e Ricardo sai, em disparada. Os carros à frente de Medeiros demoram a sair. Ele buzina. Os carros continuam à sua frente, sem sair. Medeiros, enfurecido, acerta o volante com um soco.

MEDEIROS -- Droga!

Marta e Bellini estão em uma mesa, fazendo um pequeno lanche. Marta ainda frágil, abalada com o sonho que tivera. Ela serve o copo de Bellini com uma boa dose de suco de laranja. Logo em seguida, serve-se também.

BELLINI -- Você... quer me contar o sonho?

MARTA -- Quero, Bellini. Acho que só você pode me ajudar.

BELLINI -- Então, fala.

MARTA -- Eu sonhei que quando você saía do quarto uma luz muito forte iluminava tudo. Ficava tudo muito claro e era exactamente quando entravam umas pessoas, mas eu só via as sombras delas. De repente, eu começava a subir, e subir e eu não tinha controle sobre isso. Eu não queria, sabe?! Tentava lutar, mas eu não conseguia me mexer.

BELLINI -- E depois?

MARTA -- E depois você me acordou. O que é que você acha que pode ter sido?

BELLINI -- Não sei. Mas Sigmund Freud, que dominou a psiquiatria do século XX com sua teoria da psicanálise, diz que os sonhos são impressões ou desejos do nosso dia-a-dia.

MARTA -- (IMPRESSIONADA) Mas eu não desejei flutuar daquele jeito, não.

BELLINI -- Esse desejo pode não ser tão expresso. A verdade é que os sonhos têm significados, nós é que não estamos prontos pra decifrá-los.

MARTA -- Era tão real. Tão real!

Marcello entrando em casa, cansado. Ele, vagarosamente, fecha a porta à chave. Ao voltar-se para o centro da sala, onde se situam os sofás e a televisão, ele depara-se com dois policiais devidamente fardados e com armas em punho, apontadas para ele. Vera está sentada, imóvel, com os olhos arregalados e a respiração ofegante.

POLICIAL 1 -- Pode se considerar preso, seu Marcello.

Marcello não consegue reagir e limita-se a olhar os dois

Episódio nº13

Um grupo de turistas, perfeitamente vestidos, com câmaras fotográficas bastante potentes, vai passeando pela exposição de arte e olhando com cuidado especial cada obra ali apresentada. Explicando cada pequeno detalhe importante para o entendimento de todo o contexto, está Helena, com uma suave maquilhagem, uma roupa discreta, cabelo bastante liso, etc. O texto já está rolando, ela explicando, quando, de repente, uma moça, trazendo um buquê de rosas vermelhas nas mãos, interrompe:

MOÇA -- Helena Mainardi?!

HELENA -- (P/ OS TURISTAS) Com licença, por gentileza. (P/ A MOÇA) Sim, sou eu, sim. Por quê?

MOÇA -- Essas rosas. Disseram que era pra entregar pra você.

HELENA -- (COM UM SORRISO) Óptimo. Muito obrigada.

MOÇA -- De nada.

A moça entrega o buquê e sai. Helena pega-o delicadamente e retira o cartão, ansiosa, para ver quem a havia mandado.

HELENA -- (SUSSURRANDO) Você não tem jeito mesmo Medeiros.

Ao abrir o cartão, uma outra letra, melhor grafada e trabalhada.

HELENA -- (LENDO) Não consigo, em hipótese alguma tirar os olhos de você. Preciso falar à mais fina pétala de rosa esculpida por Deus, que és tu. Quero encontrar-me contigo. A condição é que sejamos apenas nós dois e mais ninguém. Beijos de alguém que está vendo-te neste momento.

Helena fecha o cartãozinho que estampa uma rosa em alto relevo e olha em volta para verificar se alguém suspeito estava por perto. Entretanto, apenas o movimento normal das pessoas numa exposição de arte.

CENA 12. CASA DE HELENA. SALA/CORREDOR/QUARTO DE RICARDO. INTERIOR. NOITE

Cansada, Luiza irrompe a sala. Virgínia lixando as unhas, apreensiva. Ela coloca suas coisas em cima do sofá e vai à cozinha tomar um pouco d'água.

VIRGÍNIA -- Não sei nem como é que eu vou te contar, Luiza.

Da cozinha, ela responde:

LUIZA -- (OFF) O que foi que aconteceu? Você e o Adalberto brigaram?

VIRGÍNIA -- Também, mas é pior do que isso. Pior do que a minha decisão de me separar daquele cachorro.

LUIZA -- (OFF) Cachorro? O que foi que ele fez, Virgínia?

VIRGÍNIA -- Peguei ele com uma loira oxigenada. Uma dessas qualquer de farmácia. Eu fiquei morrendo de raiva, mas ele ainda ficou rindo, malandro. (MUDA DE TOM) Mas não é isso, não.

Luiza chega na sala com um grande copo d'água e senta-se no sofá.

LUIZA -- Então, o que é?

VIRGÍNIA -- O Ricardo, Luiza. Ele fugiu.

LUIZA -- (REAEGE) Fugiu?! Como assim, Virgínia? Me explica isso melhor.

VIRGÍNIA -- Eu tava deitada, no meu quarto, chorando desesperada por causa do cachorro do Adalberto quando eu ouvi a gritaria. A Helena e o Ricardo. Ele acabou dizendo que ia fugir. Eu ouvi quando ele entrou no quarto, talvez pegou as coisas dele, depois saiu. Claro que eu não me meti em nada disso, né?! Que eu não sou louca.

LUIZA -- (PASMA) Meu Deus, eu não consigo acreditar.

VIRGÍNIA -- Nem eu consegui.

LUIZA -- Olha: eu acho que a resposta pra essa revolta toda do Ricardo tá no quarto dele. Você já percebeu como é intocável, ninguém pode entrar?

VIRGÍNIA -- Já, já percebi, mas o que é que você quer fazer?

LUIZA -- Eu vou colocar a porta abaixo.

As duas já no corredor de fronte ao quarto de Ricardo. Virgínia continua apreensiva, lixando cada vez mais uma única unha. Luiza chuta uma vez a porta e Virgínia tapa os ouvidos com temor do barulho. A porta continua cobrindo os mistérios do recinto. Ela repete o procedimento, no entanto com mais uma carga de força. A porta já cede um tanto considerável. Pela terceira vez, ela chuta com força e a porta cede totalmente deixando visível o quarto do rapaz. Luiza, sentindo-se com o dever cumprido, bastante orgulhosa, ergue o braço, dobrando o punho para flexionar os mirrados músculos. Elas vão entrando no quarto quando se deparam com as paredes todas picadas com frases radicais contra o Governo, contra os EUA e contra a Igreja Católica. O ambiente é bem pesado. Pelo chão, pontas de cigarro ainda emanavam a densa fumaça acinzentada. As duas ficam pasmas com aquilo. Luiza pisa numa das pontas de cigarro e fala:

LUIZA -- Meu Deus! Então o que ele tinha guardado aqui era isso?!

Olhando uma prateleira, com vinhos importados, dos mais caros possíveis, está Maurício, um tanto pensativo. Ele retira a garrafa que estava visando e coloca na cestinha vermelha, tão comum em supermercados, que trazia consigo. Ele olha para o lado e vê Andréa, um ano mais jovem, com uma roupa branca, cabelos ao vento.

Voltamos um ano atrás. Maurício e Andréa sentados agarradinhos na areia da praia, com uma aparência muito mais angelical do que em 1984. Os dois estão vestidos de branco. Maurício bebe as últimas gotas da garrafa de champanhe barato. Assim como eles, outros casais e outras famílias admiram o raiar do sol. As ondas do mar traziam as reminiscências das flores jogadas à Iemanjá horas atrás. Maurício e Andréa riem, companheiros.

ANDRÉA -- Ah, Maurício, por que você bebeu tudo?! Eu também queria um pouquinho, ora.

MAURÍCIO -- Não, senhora, você vai se embebedar.

ANDRÉA -- E você não vai por acaso?

MAURÍCIO -- (BRINCANDO) Eu posso, sou homem.

ANDRÉA -- Não sabia que eu era namorada de um homem tão machista.

MAURÍCIO -- Tá na hora da gente ir?! Minha mãe vai me matar por eu ter passado a noite toda do Reveillon fora de casa.

ANDRÉA -- Ah, não acredito que você vai voltar só por causa da sua mãe. Só a palavra dela é que vale?! E a minha?! Não conta pra você, não?!

MAURÍCIO -- Não é isso, Andréa. Você é a pessoa mais importante do mundo pra mim, mas eu não quero criar confusão com a minha mãe. Eu ainda moro na casa dela. Quando eu tiver a minha casa, o meu emprego, a minha vida, a gente vai poder dizer adeus pra qualquer tipo de exigência.

ANDRÉA -- (JÁ CHATEADA, FRISA) Quando você tiver, (FRISA) se você tiver, Maurício.

MAURÍCIO -- Andréa, calma, pra quê essa raiva toda?

Ela levanta-se e vai afastando-se.

ANDRÉA -- Não é raiva. É indignação! Você diz que eu sou importante pra você, mas é mentira! Agora quem vai embora sou eu.

Andréa vai saindo na frente.

MAURÍCIO -- Andréa, me espera!

Com a garrafa de vinho na mão, agora já bem pronto, Maurício bate à porta do apartamento de Andréa. Neste instante, ela abre a porta e depara-se com Maurício. Ela parecia deprimida, mas ao vê-lo seus traços de beleza ressurgem no rosto.

MAURÍCIO -- Eu trouxe um vinho pra gente beber.

ANDRÉA -- Que surpresa, Maurício! Entra! Entra! Fica à vontade. Acho que não preciso nem falar, né?! Espera só um instante que eu vou pegar as taças.

Maurício entra. Ela dirige-se à cozinha, que é completamente visível da sala. Maurício senta-se no sofá, coloca a garrafa passa os olhos por todo o apartamento como se ali fosse um local estranho para ele. Andréa já vem da cozinha com as taças. Pouco depois, eles estão bebendo o vinho. Silêncio por alguns instantes.

MAURÍCIO -- Me desculpa, Andréa. Eu não deveria ter dito aquelas coisas pra você. Achei muito duro, você não merecia.

ANDRÉA -- (SÉRIA) Eu te desculpo, Maurício. Eu sou quem deveria estar te devendo desculpas já que eu dei aquele vexame todo no corredor. (MUDA DE TOM) Melhor assim, porque eu tenho uma coisa muito importante pra te contar: estou grávida. E essa criança que eu estou esperando é sua.

Maurício reage. Andréa bebe o resto do vinho de uma vez só, com receio da reacção dele.

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Episodio 14

MAURÍCIO -- (REAGE) Como é que é, Andréa? Que brincadeira de mau gosto é essa?!

ANDRÉA -- Não é brincadeira, não, Maurício. Eu vou entrar agora no segundo mês de gestação e queria que você soubesse antes de eu tirar.

MAURÍCIO -- Eu não sei nem o que falar. Eu estou pasmo.

ANDRÉA -- Eu sabia que você teria essa reacção. Mas não se preocupa, não. Eu já fui marquei algumas consultas, eles me disseram que eu só preciso fazer alguns exames antes e pronto.

MAURÍCIO -- Mas aborto é ilegal, Andréa. Você sabe disso!

ANDRÉA -- Eu sei. Mas eu não vou jogar fora a minha vida, nem muito menos a sua. Eu não quero me sentir culpada por ter atrasado seus estudos ou ter gastando suas economias com um filho.

MAURÍCIO -- Não, Andréa. Você não vai tirar! A gente se vira de um jeito ou de outro, mas você vai ter esse filho.

Os olhos de Maurício se enchem de lágrimas.

ANDRÉA -- Não, Maurício, um filho é muito investimento, a gente vai precisar de um apartamento maior/

MAURÍCIO -- (ENXUGANDO AS LÁGRIMAS) Epa! Você vai precisar de um apartamento maior. Eu tenho umas economias guardadas, eu compro algo maior, mas não me obrigue a morar com você.

ANDRÉA -- Mas, Maurício?! Então, pra que você veio até aqui? Não foi pra pedir perdão?!

MAURÍCIO -- Sim, eu me arrependi de ter falado aquelas coisas, achei que eu fui um pouco grosseiro... E daí?! Não quer dizer que eu esteja de mudança pra sua vida. Eu quero continuar morando no (FRISA) meu apartamento.

ANDRÉA -- Mas a criança que vai nascer vai nascer sem uma família, sem nada.

MAURÍCIO -- Ela vai ter nós dois, Andréa. Só não vai ter nós dois juntos. (MUDA DE TOM) Eu acho que eu vou acabar viajando preocupado com você.

ANDRÉA -- (REAGE) Você vai viajar?!

MAURÍCIO -- Vou. Vou pra Itália.

ANDRÉA -- E vai me deixar, sozinha, desamparada?!

MAURÍCIO -- São só algumas semanas, Andréa. Nada demais. E você sempre se virou muito bem sem mim. Não vai ser agora que eu vou precisar fazer seu almoço, ou escolher a roupa pra você vestir. Não faz drama.

ANDRÉA -- Então, vai. Mas não se admire se eu não tiver mais filho nenhum aqui dentro de mim quando você voltar.

Maurício leva a taça à boca, mas antes de chegar ao ponto certo, ele afasta-a, voltando sua atenção para Andréa, que tinha um fogo nos olhos.

Helena chega em casa, cansada. Vem trazendo, nas mãos, o buquê de rosas bem vermelhas e, pendurado ao ombro, sua bolsa. Ela coloca-a no sofá. Então, dirige-se à mesinha de centro e troca as velhas rosas já murchas por estas novas. Luiza irrompe a sala, logo atrás vem Virgínia. As duas preocupadas, aflitas. Pega de surpresa, Helena arruma rapidamente a mesa e deixa tudo como estava antes.

LUIZA -- Helena, a gente descobriu o que o Ricardo estava guardando naquele quarto. Você não vai acreditar.

VIRGÍNIA -- (OBSERVA) Como o Medeiros é apaixonado, Helena! O Adalberto nunca me deu uma pétala de nada. (SUSSURRA) Cachorro! Ainda me traia com aquela loira.

HELENA -- (ATARANTADA) É. Realmente, ele é muito apaixonado. Mas o que é que vocês estavam falando mesmo?

LUIZA -- Eu tava falando que eu entrei no quarto do Ricardo e descobri o que era que ele guardava. Vem ver! Parece que é lá que funciona a sala de reuniões de um grupo secreto de extrema esquerda.

HELENA -- Uau, Luiza! Que imaginação fértil! Eu, primeiro, vou trocar de roupa, tomar um banho, depois vou me deitar. Eu não tô me sentindo muito bem, estou com uma enxaqueca terrível. Só amanhã é que eu vou me preocupar com alguma coisa.

LUIZA -- Eu sei que você está morrendo de saber se a gente teve alguma notícia do Ricardo. Não, infelizmente, não.

VIRGÍNIA -- Olha, Helena: um remendinho óptimo pra enxaqueca é aquele azulinho que eu sempre tomo. Passa na hora.

HELENA -- Obrigada. Quando eu tomar banho, se não passar eu venho aqui na cozinha tomar.

Um pequeno caixão assiste à terra do fundo de uma vala. Uma grande quantidade de areia começa a encher a vala e a cobrir o caixão. O sol da manhã era drenado pela copa das árvores as quais ainda podiam se ver no cemitério. Vera, Vanessa, o advogado Lemos (49) e mais algumas outras poucas pessoas assistiam ao enterro de Vitinho. Todos trajavam preto. Vera usava luvas, óculos escuros e um grande chapéu, enquanto chorava copiosamente. Vanessa um vestidinho até a canela e uma fitinha na cabeça. Ela durante todo o enterro não derramara uma gota de lágrima.

Ao final do enterro, enquanto Lemos e Vera conversavam, eles andavam pelo grande corredor formado apenas por árvores frondosas, que proporcionavam uma boa sombra.

LEMOS -- Eu era o advogado do Tomás, mas, depois da morte dele, eu passo automaticamente meus serviços para o seu Marcello.

VERA -- O Marcello no dia que foi preso lá em casa, me contou.

LEMOS -- É uma história longa, como a senhora pode ter notado. Bom, mas a minha função aqui é informar que eu vou tirar até o final da semana o Marcello da cadeia. Os funcionários da casa e o casal que estava no carro que se chocou com o seu filho e o matou afirmaram que viram o Marcello com uma arma. Não se preocupe. Nós vamos vencer, pode ter certeza, porque vai ser a palavra deles contra a minha, e eu tenho certeza que o juiz vai preferir confiar em mim a confiar neles.

VERA -- Ah, tomara! Quero ver o Marcello comigo e com a minha filha o mais rápido possível.

EDIÇÃO: takes de ARQUIVO: PASSAGEM DE TEMPO: Dois dias depois. Vemos o movimento intenso dos carros em vários lugares da cidade.

Ricardo estaciona o carro a frente do aeroporto. Ele sai do carro e abre o porta-malas, tirando, imediatamente, suas malas. Logo, um casal aproxima-se dele. Eles parecem ser normais, trajam roupas que os fazem confundíveis com qualquer transeunte. Discretamente, a moça entrega-lhe a passagem de avião. Ele segura firme no bilhete e olha no fundo de seus olhos dos dois, como que pedindo forças. A moça está usando óculos escuros, mas os tira revelando seus belos olhos verdes.

MOÇA -- É uma passagem pra Turim. É melhor se apressar. O avião está saindo.

O rapaz intromete-se na conversa:

RAPAZ -- Lá você vai encontrar outra equipe nossa que vai te direccionar pra fazer alguma coisa na Itália.

MOÇA -- Boa sorte!

RICARDO -- Obrigado!

Ricardo pega suas malas e sai, sem olhar para trás.

Toda a equipe de Bellini já entrando na secção de embarque. Os familiares de cada membro do grupo atrás de um cercadinho acenando, mandando beijos, etc. Marta, com um lencinho, manda um beijo discreto para Bellini. Maurício já quase na secção de espera, quando é puxado por Andréa.

MAURÍCIO -- Andréa?! O que é que você tá fazendo aqui?!

ANDRÉA -- Vim me despedir e desejar boa sorte na viagem.

MAURÍCIO -- Obrigado. Agora volta que você não pode ficar aqui.

Mal Maurício completa a frase, Andréa sapeca-lhe um beijo na boca. Ele mal consegue pensar. Ela sopra-lhe outro beijo e fica do outro lado do cercadinho. Após a saída de Bellini, Marta fica pensativa, esperançosa, quando, de súbito, sente um aperto no coração e se segura na parede. Logo, a dor passa e ela se abana com o lencinho em sua mão.

Episodio nº15

Helena, só de baby-doll, deitada em sua cama, agarrada ao seu travesseiro, pensativa.

HELENA -- Ah, meu Deus! Será que eu devo ir pra esse encontro?! Não sei, pode ser uma armadilha de um assaltante, um assassino, um psicopata, sei lá. (RI) Acho que eu estou igual à Luiza: cada pensamento mirabolante, que eu vou te contar!

Duas batidinhas na porta e Medeiros entram. Helena fica feliz com sua chegada, mas notavelmente surpresa.

HELENA -- Que surpresa! Você por aqui?

MEDEIROS -- (SENTANDO-SE NA CAMA, BEIJAM-SE) Sou eu, sim. Não está feliz?

HELENA -- Estou. Claro que estou feliz, só estou um pouco surpresa.

MEDEIROS -- Por que? Pensou que fosse outra pessoa?

HELENA -- Pela hora - tão cedo -, poderia ser qualquer um, menos você.

MEDEIROS -- Helena, eu fui entrando e vi um buquê de rosas num vaso. Eu tenho certeza que não eram as minhas rosas, porque já murcharam, e a Virgínia me confirmou, disse que você colocou hoje à noite, agora há pouco. (SERENO) Quem te deu esse buquê de rosas, Helena?

Helena não sabe o que falar, então baixa o olhar, mirando um ponto qualquer no espaço. Medeiros visa seus olhos.

A aeromoça, muito bem arrumada, passeava com um carrinho, recolhendo a comida dos passageiros, pelo estreito vão entre as fileiras de cadeiras. O avião é consideravelmente pequeno. Os cientistas estão distribuídos homogeneamente pelo ambiente. Bellini está na janela e logo ao lado estão Dart e Maurício. O primeiro olhando para o mar azul lá em baixo, embevecido.

DART -- Tem alguma expectativa do que você vai encontrar?

MAURÍCIO -- Não sei. Espero que seja algo fantástico.

DART -- Vai com calma, Maurício. Você pode voltar decepcionado!

MAURÍCIO -- (RINDO) Por favor, Senhor Dart, assim eu já fico desmotivado.

Bellini volta-se para o corredor quando se depara com o Homem de Terno 1. Ele passa em direcção ao banheiro, jogando-lhe um olhar carregado de mistério. De uma cadeira mais a frente, o Homem de Terno 2 põe sua cabeça no corredor, tentando mirar Bellini. Vemos, que do acento em frente ao do professor, dois olhos observam os cientistas. São os olhos do Homem de Terno 3. Ele retoma, discretamente, a sua leitura: a Bíblia Sagrada. Bellini puxa o braço de Dart.

BELLINI -- Dart, presta atenção nesses homens de terno. Eles me parecem muito estranhos.

DART -- Você não está pensando que eles estão aqui a mando do Bismarck, está?!

BELLINI -- Você não sabe do que ele é capaz, Dart.

DART -- Prefiro acreditar que são civis a acreditar que estamos sendo alvos de uma conspiração.

BELLINI -- Você estava lá, Dart. Você ouviu o que ele falou. Ouviu quando ele disse que não ia ser tão fácil a nossa chegada e a nossa estada aqui.

DART -- Vamos mudar de assunto. A gente comenta isso noutra hora mais apropriada.

O Homem de Terno 1 vem voltando do banheiro e olha novamente, agora, detalhando cada um, igualmente.

Levantando-se da cama, Helena começa a passear pelo quarto, mexendo nas suas coisas, arrumando, jogando uns papéis fora, enfim, ocupando-se para não olhar para Medeiros. Ele, imediatamente, nota essa fuga de Helena e vai atrás dela.

MEDEIROS -- Olha pra mim, Helena. A gente precisa conversar! Só quero uma resposta, só isso. Não precisa reagir assim.

HELENA -- Me deram, pronto.

MEDEIROS -- Quem te deu o buquê?

HELENA -- Eu não posso falar.

MEDEIROS -- Como não pode falar? A gente sempre teve uma relação verdadeira, companheira. O que foi que houve?

HELENA -- Nada. Apenas estou no meu direito de não dizer.

MEDEIROS -- Eu só quero saber o que é tão grave, que você não pode contar.

HELENA -- Será que a gente vai brigar por causa disso?

MEDEIROS -- Então, tudo bem. Eu estou indo trabalhar. Quer ir a algum lugar hoje?

HELENA -- Não. Prefiro ficar em casa mesmo.

MEDEIROS -- Tiveram alguma notícia do Ricardo?

HELENA -- Não.

MEDEIROS -- Então, até mais.

Medeiros sai. Helena pára o que está fazendo e joga-se na cama, pensativa.

Luiza está sentada num banco de concreto, esperando pacientemente o autocarro. Assim como ela, várias outras pessoas faziam o mesmo. Avistando o autocarro seleccionado, Luiza levanta-se rapidamente e dá com a mão. O veículo pára e as portas traseiras e dianteiras se abrem. Ela dirige-se às portas traseiras e vai subindo quando dá de cara com Donato e uma moça ruiva, muito bonita e bem maior do que ele. Os dois, de braços dados, descendo da condução. Ela fica boquiaberta.

LUIZA -- Donato, o que é isso? Você me traindo!

MOÇA -- (ASSUSTADA) Carlinhos, você tem namorada?

LUIZA -- Essa daí é outra colega de trabalho, cachorro?

MOÇA -- Não, eu conheci o Carli/

LUIZA -- (CORTA) Olha: você cala a boca que o assunto ainda não chegou no galinheiro! (MAIS AGRESSIVA) Fala, cachorro! Fala!

DONATO -- Não, meu amor/

LUIZA -- Meu amor, não, que eu não sou seu amor.

MOÇA -- Carlinhos, não sabia que você era tão safado. Estava me enganando, dizendo que era solteiro.

LUIZA -- Minha filha, o nome dele não é Carlinhos é Donato. E ele não é solteiro. Ele tem namorada, sabia?

DONATO -- Pensei que a gente tivesse se separado.

Todos os passageiros olhando de olhos arregalados. O motorista ri copiosamente. O trocador, agoniado, chuta a catraca e grita, fulo de raiva:

TROCADOR -- Vamo logo, ô! Depois vocês lavam a roupa suja.

LUIZA -- Meu senhor, o senhor não se meta que a gente tem que resolver isso. E vai ser agora. Então, Donato? Agora tenta se explicar.

DONATO -- Não tenho nada pra explicar pra você, Luiza. A gente tava separado e eu precisava de um tempo mesmo pra pensar. Como é que eu vou saber que você é a mulher da minha vida se eu não experimentei nem uma outra?

MOÇA -- Que homem safado! (ESMURRA SEU OMBRO) Merece uma boa surra pra aprender. Quer saber de uma coisa? Eu vou embora! Não tenho mais nada pra fazer aqui. Lavem roupas vocês dois, porque eu tô vendo que eu tava prestes a me meter numa boca quente: um homem sem dinheiro e comprometido. Duas coisas que mulher nenhuma quer. Vocês que são brancos que se amem! Mas, antes...

A moça, enfurecida, ergue a mão a uma considerável distância do rosto de Donato. Com velocidade, ela desce esta mesma mão contra as faces de Donato, fazendo estalar um barulho alto. Então, ela, de um salto, sai da condução.

LUIZA -- Melhor a gente ir conversar lá fora. (OLHANDO P/ O TROCADOR) Aqui não dá!

TROCADOR -- Melhor mesmo, porque aqui não é lugar de baixaria não. Esse autocarro é um autocarro de família!

O autocarro deixa o local, em disparada. Luiza e Donato entreolham-se. Aquela, com grande fúria, injectando-lhe um olhar frio, ardente. Este último cabisbaixo, sem ânimo, expressão arrependida. Ela começa a acertar sua bolsa em várias partes do corpo de Donato e ele a se defender como pode.

LUIZA -- Eu deveria te denunciar, cachorro. Safado! Vive me traindo.

DONATO -- Espera aí, Luiza. Eu conheci a Sandrinha quando a gente já tinha acabado. Você não tem nada a ver com isso.

LUIZA -- (MAIS CALMA, CHORANDO) Como não tenho nada a ver com isso, Donato? Como é que eu posso fingir que não vejo que a pessoa que eu amo vive saindo com outras e farreando a noite toda? Ai que ódio, Donato, que ódio, mil vezes que ódio de gostar de você. Eu não queria, mas é meu coração quem tá dizendo que eu te amo e o que ele diz, ninguém, mas ninguém mesmo desdiz.

DONATO -- Me desculpa, Luiza. Me desculpa. Eu prometo que não vou mais fazer isso de novo. Eu prometo.

Donato aproxima-se de Luiza e os dois trocam um longo e caloroso beijo apaixonado.

Marcello está sentado no chão da cela, com uma fisionomia abatida, olhar perdido e roupa encardida. Os outros detentos jogam uma partidinha de buraco. Então, de repente, Vera, esbaforida, com um brilho no olhar, feliz da vida, chega e abraça-se nas grades do cubículo, como se abraçasse o próprio Marcello.

VERA -- Marcello, Marcello! Você tá livre! Você tá livre, meu amor!

MARCELLO -- Como?

Marcello levanta-se e vai até ela. Por entre as grades, eles se tocam e se beijam. Neste momento, chega Lemos e o carcereiro. O primeiro tão bem arrumado que contrastava com a realidade febril da cadeia.

LEMOS -- Pode sair, Marcello. Você tá livre!

O carcereiro abre a porta e Marcello sai. Os outros detentos ficam olhando, embasbacados. Um deles fica vermelho de inveja e joga suas cartas sobre o montinho de cartas-incógnitas organizado num canto. Marcello e Vera abraçam-se e beijam-se várias vezes, matando a saudade.

VERA -- Esse é o Lemos, Marcello. É o nosso novo advogado.

MARCELLO -- (APERTO DE MÃOS) Prazer conhecer o senhor. Agora nós vamos vencer. Agora, sim, vai pra cadeia quem merece ir.

Marcello com uma expressão maquiavélica.

Peço desculpa por não ter postado regularmente, estive doente de cama, agora como já estou bom pronto para outra, volto aqui a postar regularmente... Espero que compreendam.

Episódio 16

Marcello coloca seu braço ao redor dos ombros de Vera, envolvendo-a, carinhosamente, enquanto fita o advogado Lemos, com bastante atenção.

LEMOS -- Pode ficar tranquilo quanto a isso, Marcello. Vai haver a abertura de inquérito judicial contra o Medeiros. Ele deve estar recebendo uma intimação para depor ou hoje, ou amanhã.

MARCELLO -- Vamos sair daqui, doutor. Esse lugar imundo me dá nojo!

Já fora da delegacia, Marcello, Vera e Lemos podem conversar um tanto mais sossegados. São interrompidos, vez por outra, por policiais que entram e saem na delegacia.

VERA -- Meu amor, você não acha desnecessário punir desse jeito o Medeiros? Eu conversei com ele e ele disse pra mim, com toda a sinceridade possível - eu tenho certeza - que tudo foi um acidente.

MARCELLO -- Vera, desnecessário é esse seu discurso. Não consigo te entender. Como é que você pode defender um crápula, um sujeito que matou nosso filho, ora?!

VERA -- Não, eu só quis/

MARCELLO -- (CORTA) Não quis nada. Pára com essa história, porque senão a gente vai começar a discutir aqui mesmo e não vai ser muito legal.

VERA -- Desculpa, meu amor.

LEMOS -- Bom, acho que eu já expliquei tudo pra vocês?! Assim que vocês quiserem, a gente chama um caminhão de mudança pra levar as coisas de vocês pro casarão.

VERA -- Até isso o Tomás deixou pro Marcello?

LEMOS -- Tudo, Vera. Tudo mesmo.

VERA -- O senhor não quer ir almoçar lá em casa? Eu preparei algo especial porque sabia que o Marcello ia sair da cadeia.

LEMOS -- (HESITA) Aceito, sim. Espero que não seja nenhum incómodo.

MARCELLO -- Claro que não, vai ser um prazer.

CENA 02. AEROPORTO DE TURIM. DESEMBARQUE. INTERIOR. DIA

Os passageiros, dentre eles os cientistas do grupo de Bellini, procuravam suas malas, enquanto elas apareciam e desapareciam, num canto e noutro da sala de desembarque, comandadas por uma esteira electrónica em forma de semicírculo. As malas vão sendo retiradas e a esteira vai ficando, paulatinamente, vazia. Uma mão masculina segura na alça de uma pequena bolsa e puxa-a, com dificuldade, para fora da esteira. Maurício é o dono da mão. Ele pega mais outras coisas e vai saindo, aproximando-se de um grupo que já se formava ao portão de saída. Bellini e Dart, também com malas nas mãos, assim como outros, discutiam com um homem baixo e amorenado, com uma farda do aeroporto. Os brasileiros revoltados.

FUNCIONÁRIO 1 -- Per favore! Io non posso fare niente.

BELLINI -- Ma come non? Io voglio mio bagaglio!

FUNCIONÁRIO 1 -- (ATARANTADO) Premesso! Vorrei telefonare a Senhore Laganà, un momento.

O funcionário sai, rapidamente. Maurício, sem entender nada, indaga para Bellini:

MAURÍCIO -- Professor, o que é que tá havendo?

BELLINI -- A nossa bagagem! Na verdade, o nosso equipamento. Ele não vai poder passar na alfândega. Estamos todos indignados com isso.

Bellini e Dart entreolham-se. O primeiro faz uma expressão sádica, mas vitoriosa como quem diz: "Viu? Era o que eu estava pensando". Dart dá de ombros.

BELLINI -- Se tivéssemos sido mais insistentes com a comunicação entre o Brasil e a Itália, talvez nós tivéssemos evitado essa confusão toda. Maurício e Dart, por favor, acalmem os outros. Eu vou falar com esse Senhor Laganà, responsável por isso.

DART -- Tudo bem. Mas, por favor, não demora muito.

MAURÍCIO -- Por quê, Dart? Algum problema mais grave?

DART -- Você nunca viu cientista algum ensandecido. Digo, por experiência própria, é capaz de arrasar o mundo quando sua pesquisa está em risco.

Virgínia pintando as unhas com um vermelho, de pernas cruzadas, uma maquiagem forte e muita bem sentada ao sofá. Caio brincando com seus chocalinhos e ursinhos barulhentos. Um dos brinquedinhos escapole da doce criança fazendo-o chorar. Um tanto aborrecida, Virgínia pára de pintar as unhas e vai assistir o garoto. Neste momento, Caio começa a tossir e a campainha toca. Virgínia põe no colo o menino e vai atender a porta. Ela abre e depara-se com um homem alinhado.

VIRGÍNIA -- Sim?

HOMEM -- Assine aqui por favor. Você tem que receber isso pro seu José Medeiros.

Ele mostra uma prancheta e dá-lhe uma caneta. Com receio de estragar todo o seu trabalho, ela pega delicadamente na caneta e assina com uma caligrafia horrorosa.

HOMEM -- Obrigado.

VIRGÍNIA -- De nada.

O homem entrega-lhe o documento e sai. Ela bate a porta e volta-se para a sala, folheando os papéis, intrigada.

VIRGÍNIA -- Intimação?! Isso é grave. Gravíssimo! Pena que eu não tenha como me comunicar nem com a Helena, nem com o Medeiros.

Ela senta-se no sofá, boquiaberta.

A confusão perpetuava-se. Os cientistas, ainda de cara amarrada, discutiam com veemência o assunto da retenção da bagagem. Uma nova leva de passageiros acabara de chegar. As malas começam a rolar novamente na esteira. Com uma boina de lã, colocado enquanto estava no avião, Ricardo pega sua mala e dirige-se ao portão de saída. Ao passar pelos cientistas, ele esbarra-se com Maurício. Uma música um tanto desagradável marca esse encontro. Os dois entreolham-se, entranham-se e Ricardo passa.

Ricardo coloca sua última mala num carrinho e inicia um passeio em busca do nada. De repente, um homem alto, magro, loiro aproxima-se dele de maneira enigmática, olhando de viés para trás, para os lados, etc.

HOMEM -- (SEM SOTAQUE) Vamos sair daqui por essa porta à esquerda. Lá fora o carro está estacionado. Você vai dirigir.

CÂMERA: CORTA DESCONTÍNUO:

Ricardo e o homem já dentro do carro. Aquele dá a partida e acelera. Da descarga sai uma rajada de fumaça escura. Finalmente, partem, tomando o caminho de saída mais curto, exactamente, o do estacionamento.

HOMEM -- Você trabalhava em que lá no Brasil?

RICARDO -- Nada. Eu não fazia nada. Estudava, mas parei pra me dedicar à nossa equipe.

HOMEM -- Você deveria trabalhar em alguma coisa. Não deixa nenhum tipo de curiosidade nas pessoas.

Ainda no aeroporto, de repente, na frente do carro, passa uma moça chamada Suzana, vestida com roupas finíssimas de frio. Ricardo freia bruscamente deixando todos assustados. Suzana permanece inerte, a fitar os dois, principalmente Ricardo. Uma música suave marca a cena. Ricardo desvia, rapidamente, e avança para frente. Suzana fica observando o carro partir.

Helena e Edileusa, uma moça com óculos de aros de tartaruga, uma roupinha engraçada, vêm saindo do Museu. Elas enveredam por uma rua esquisita.

HELENA -- Aquele restaurante ali é óptimo, e barato.

EDILEUSA -- É pode ser aquele mesmo, Helena. Não tem problema, não. Você já assistiu Nove Semanas e Meia de Amor?

HELENA -- (RINDO, GOSTOSO) Eu assisti e gostei, mas no seu caso filme não adianta, não. (SUSSURRA) O negócio é (FRISA) homem. Arruma um homem, mulher!

EDILEUSA -- Ah, Helena. Pisa naquela que te dá amor. Eu já tentei, mas eu não consigo.

HELENA -- Claro que consegue. Todas as mulheres têm um brilho espe/

Um carro grande, de vidros fumados, sobe a calçada. Dois homens encapuzados descem do carro e pegam Helena à força. Ela começa a espernear, entretanto eles imediatamente tapam sua boca. Edileusa fica por segundos paralisada. Neste momento, ela começa a gritar, mas um dos homens tira um revólver da cintura e acerta-lhe um coronhada na cabeça que a faz cair ao chão. Com total brutalidade, jogam Helena dentro do carro, entram, fecham as portas e saem em disparada.

CENA 06. ESCRITÓRIO DE ADALBERTO. INTERIOR. DIA

O empresário Jorge (50), trajando um dos ternos caríssimo da coleção Armani, entra no escritório de Adalberto já o cumprimentando. Ele tem o jornal dobrado, como um canudinho, nas mãos. Folgadamente, o empresário senta-se, sem a permissão, numa das duas cadeiras que ficavam em frente ao bureau de Adalberto. O texto já rolando.

JORGE -- Tudo bem?

ADALBERTO -- Tudo, como é que vai o senhor?

JORGE -- Não muito bem. Por isso que eu vim aqui.

ADALBERTO -- Pode falar. Pode falar.

O empresário desamassa o jornal e abre-o na primeira página. Lemos em letras garrafais: "CASO NIRACORPS: MULHER ASSASSINADA".

JORGE -- Suponho que você já tenha ouvido falar neste caso. (ENTREGA O JORNAL)

ADALBERTO -- (LENDO, RAPIDAMENTE) Já, já ouvi, sim.

JORGE -- Bom, é um caso recente. Essa mulher assassinada é a minha mulher. Estão me acusando de terem a matado.

ADALBERTO -- Por quê?

JORGE -- O que a imprensa divulga é que eu a teria matado, porque ela conseguiu documentos da minha empresa afirmando que eu estaria desviando dinheiro da verba destinada à merenda escolar no Estado do Rio.

Impaciente, Jorge fica a mexer nos botões de seu terno.

JORGE -- Eu fiquei sabendo da sua fama como advogado, por isso vim aqui. Quero que você entre com os processos legais pra me defender.

ADALBERTO -- O senhor é?.../

JORGE -- Jorge.

ADALBERTO -- Seu Jorge, só uma pergunta. Eu preciso saber pra que eu tenha uma boa relação com você, quando nós formos trabalhar juntos. Me seja bem sincero, o máximo possível: você desviou o dinheiro da merenda escolar? Desviou?

Reação surpresa de Jorge.

CENA 07. CARRO. INTERIOR. DIA

O carro onde Helen encontrava-se, por dentro, estava na total penumbra. Helena com um capuz no rosto que impedia que visse o caminho que eles tomavam e com as mãos atadas. Os homens, que a haviam levado, conversavam entre si. O texto já rolando.

HOMEM 1 -- A gente tem que mandar gente vigiar a casa dele, cara? Eles podem contar tudo pra polícia.

HOMEM 2 -- Não. Mandar só um cara pra vigiar não vai adiantar nada. A gente tem que fazer bastante medo pra eles com esta refém que a gente pegou.

Helena começa a gemer, chorando.

HELENA -- Não, por favor.

HOMEM 2 -- (P/ HELENA, DANDO-LHE UM SAFANÃO) Cala a boca, senão a gente corta sua língua.

Helena engole o choro por alguns instantes, mas logo volto só que agora num tom inaudível.

HOMEM 3 -- Olha: a gente tem é que fazer as duas coisas. Tanto assustar eles, como vigiar. Se pisarem na bola, a gente devolve a refém já como defunto.

Os homens começam a rir.

CENA 08. CASA DE HELENA. SALA. INTERIOR. DIA

A campainha toca insistentemente. Virgínia vem da cozinha, com um pano de prato no ombro, em direção à porta. Ela percebe o pano ali e joga-o longe, ajeitando-se para receber uma suposta visita. Ela abre a porta e Medeiros entra, um tanto agitado.

MEDEIROS -- Cadê a Helena?

VIRGÍNIA -- Não veio almoçar hoje. Até agora, na verdade, ninguém chegou. (LEMBRANDO-SE) Ah, tenho uma coisa pra te entregar.

MEDEIROS -- O quê?

VIRGÍNIA -- Você está sendo intimado!

Virgínia vai até a mesinha de centro e pega os documentos.

VIRGÍNIA -- (ENTREGA-O) É isso aí!

Medeiros folheia, sem entender muito bem. Ele abre em uma determinada página e lê com os olhos. Logo, sua fisionomia fica completamente transtornada.

MEDEIROS -- Droga! Aquele Marcello! Se a Helena chegar diz que eu fui acertar contas com o Marcello.

VIRGÍNIA -- Tá certo.

Medeiros sai em disparada, batendo a porta com bastante força.

CENA 09. CASA DE MARCELLO. SALA/COZINHA. INTERIOR. DIA

Marcello sentado no sofá, brincando com Vanessa, abraçando-a e beijando-a. A doce brincadeira desamarra a fitinha rósea presa no cabelo, deixando à mostra suas mechas aloiradas. Sentado ao lado, numa cadeira, admirando a felicidade dos dois, está Lemos.

MARCELLO -- Você tem filhos, Lemos?

LEMOS -- Tinha. Dois. Mas eles não morreram, não. Uma faz faculdade fora, e o outro mora com a mãe. Sou divorciado.

MARCELLO -- Ah, tá certo.

Na cozinha, Vera, com um avental, cozinha, mexendo as panelas, à beira de um fogão quente, porém com poucas bocas. Ela pega o sal de uma pequena prateleira feita de madeira e pendurada a parede que, além deste, abrigava outros condimentos. Vera espalha o sal homogeneamente no conteúdo de uma panela e volta-se para a dispensa. Com dificuldade, pondo-se na ponta do pé, ela tenta pegar um pote de farinha na parte de cima. Ela coloca a mão logo ao lado daquele pote e, surpreendentemente, tira a arma de fogo, guardada por Marcello. Neste momento, Marcello, Lemos e Vanessa entram na cozinha.

MARCELLO -- (REAGE VENDO A CENA) Vera? O que é que você tá fazendo?

Marcello vai até lá e tira a arma de suas mãos.

VERA -- Essa arma, Marcello. O que é que isso tá fazendo aqui?

MARCELLO -- Eu não sei.

VERA -- Marcello, essa arma é sua?

VANESSA -- Essa arma é sua, pai? Responde.

MARCELLO -- É, filha, é minha, sim. Não tem nenhum problema, não é, Lemos?

LEMOS -- Não, desde que seja legalizada. É legalizada?

Marcello olha para Vera e para o advogado com um olhar preocupado, aflito.

MARCELLO -- Não. Não é legalizada.

LEMOS -- Então, temos um problema. Mas não se preocupe. A gente cuida disso. Mas é preciso fazer um curso de habilitação. (ESTENDENDO A MÃO) É melhor você não ficar com isso. Me dê.

MARCELLO -- (TAXATIVO) Não.

Com o texto de Marcello, cria-se um clima ruim na cozinha. Um silêncio se estabelece no lugar, criando uma tensão. Música marca esta cena e o início da próxima.

CENA 10. CASA DE BELLINI. COZINHA. INTERIOR. DIA

Marta cozinhando, tranqüilamente. Uma bucólica paisagem era vista através da janela: os galhos tremulantes de uma árvore assistiam um grupo singelo de passarinhos cantadores. Marta continua cozinha, ouvindo o som do canto dos pássaros por um curto espaço de tempo. De súbito, uma o céu perde sua coloração. Tudo vai ficando escuro até o breu total. Uma luz branca, forte, bastante viva, entra pela janela iluminando somente Marta. Sentindo desconforto, ela coloca a mão alguns dedos à frente dos olhos para protegê-los da luz. Neste momento, sombras de figuras inumanas, baixas, com cabeças ovaladas penetram na cozinha e fazem um círculo entorno dela. Com grandes olhos, completamente, aterrorizados, Marta quebra o círculo feito e afasta-se.

MARTA -- Saiam daqui. Saiam daqui.

Agora, ela bate numa panela de água fervente, fumegante, derrubando-a. A panela cai no chão e derrama toda a água. Marta dá uma volta na mesa da cozinha para se livrar da água fervente e daquelas figuras estranhíssimas. Quando, ela vai saindo da cozinha, mais duas criaturas idênticas impedem. Lágrimas de desespero começam a cair de seus olhos. Ela fica completamente cercada.

MARTA -- (CHORANDO) Não. Não!!!

CENA 11. CASA DE BELLINI. QUARTO/COZINHA. INTERIOR. DIA

Marta acorda de um pulo em seu quarto, trajando uma camisola rosa, discreta. Ela senta-se na cama e põe-se a olhar ao seu redor, verificando, com grandes olhos, se estava sozinha. Pouco tempo depois, ela constata que fora tudo um sonho, assim como tivera outras vezes.

CÂMERA: CORTA DESCONTÍNUO:

Marta irrompe a cozinha, já vestindo algo diferente, mais fino, elegante, como se estivesse pronta pra sair. Nada de anormal. O canto dos pássaros continua entrando pela janela e enfeitando a cozinha assim como os galhos da árvore. De repente, ela sente-se incomodada com algo em seus pés. Ela olha e vê que seus pés estão dentro de uma poça de água. Ela contorna a mesa e encontra a panela com água fervente que caíra em seus sonhos, ao chão. Com cuidado, ela pega e coloca-a novamente no fogão. Marta encosta-se na pia e olha um ponto insignificativo do espaço, bastante pensativa.

CENA 12. AEROPORTO DE TURIM. SALA ENVIDRAÇADA/ ROMA. SALA DE LAGANÀ. INTERIOR. DIA

Furioso e a passos largos, Bellini vai andando pelo aeroporto, quando vê o funcionário 1, dentro de uma sala envidraçada com um vidro fumê, paradoxalmente, bem claro. Ele falava ao telefone num tom, aparentemente, nervoso. Bellini, sem pensar duas vezes, entra na sala. O funcionário assusta-se e fala, rapidamente, no bocal do fone, pondo a mão próxima da boca como que escondendo o que falaria:

FUNCIONÁRIO 1 -- Lui è qui.

BELLINI -- Voglio parlare con lui. Per favore, senhore! Lo telefono!

Ainda assustado, o funcionário 1 passa o telefone para Bellini e sai da sala. Furioso, Bellini fala:

BELLINI -- Pronto?

Neste momento, damos um salto até Roma, especificamente, no aeroporto, na sala de Laganà, onde ele encontra-se sentado ao seu bureau, com o fone ao ouvido e o seu terço à mão.

LAGANÀ -- Podes ter certeza que os teus equipamentos haverão de ficar na alfândega, onde eles estão, e não sairão de lá.

BELLINI -- Senhor Laganà?

LAGANÀ -- Sim, sou eu mesmo. Vamos-nos saltar a parte das apresentações. Não te conheço, nem quero. Vejas bem: se pensas que vais entrar em minha pátria e arrasar com minha devoção, estás muito enganado.

BELLINI -- E se o senhor pensa que pode boicotar o meu trabalho, o senhor, também, está redondamente enganado.

LAGANÀ -- Eu não estou a boicotar seu trabalho, senhor Bellini.

BELLINI -- Vamos ver se os repórteres que andam conosco vão concordar com o senhor.

Laganà gela, arregalando os olhos.

LAGANÀ -- Como disseste?

BELLINI -- Foi exatamente isso que o senhor ouviu: se não liberar nossos equipamentos até o final da semana todo o mundo vai ficar sabendo da barbaridade que o senhor acaba de cometer.

LAGANÀ -- Não acredito que vais envolver a impressa.

BELLINI -- Vou. Se não liberar o equipamento, eu vou.

Laganà hesita alguns segundos. Entretanto, benzendo-se e beijando seu terço, ele fala:

LAGANÀ -- Chame, por favor, o funcionário que estava a falar comigo no telefone antes de chegar. Pedirei que ele providencie tudo a fim de que os equipamentos estejam com você o mais breve possível.

Bellini sorri, discretamente, com o canto dos lábios.

CENA 13. ESCRITÓRIO DE ADALBERTO. INTERIOR. DIA

Jorge levanta-se da cadeira esfregando as mãos, uma na outra, bem nervoso. Ele aproxima-se de um quadro na parede e olha-o atentamente. Adalberto fita-o com interesse.

ADALBERTO -- Me responda, Jorge. Você desviou o dinheiro da merenda escolar?

O empresário não dá ouvidos a Adalberto, pois parece estar muito concentrado no quadro. Pouco depois, ele volta-se para Adalberto com um "hãn" como se não tivesse ouvido o que este havia falado-lhe. Adalberto insiste na pergunta, mas, antes de terminar, Jorge corta-o.

JORGE -- Claro que não. Eu não desviei o dinheiro da merenda escolar, nem muito menos matei minha mulher.

ADALBERTO -- Me desculpe, mas não vou poder lhe ajudar.

JORGE -- Como não, Adalberto?

ADALBERTO -- Eu já estou envolvido com outro cliente e vai me tomar muito tempo.

JORGE -- Eu oferece a quantidade em dinheiro que você quiser.

ADALBERTO -- Muito obrigado, senhor Jorge. Já lhe falei os motivos pelos quais não posso lhe defender.

O empresário Jorge põe a mão na cintura e, com um olhar tortuoso para Adalberto, desiste de tentar persuadi-lo.

JORGE -- Tudo bem. Você venceu. Estou indo. Pode ficar com o jornal.

Jorge sai, sem olhar para trás, batendo, com força, a porta. Adalberto pega novamente o jornal que estava jogado em cima do seu bureau e olha.

CENA 14. CASA DE HELENA. SALA/RUA. INTERIOR/ EXTERIOR. DIA

A porta da casa de Helena se abre e por ela entram Luiza e Donato, juntos. Ela, com um grande sorriso e agarrada ao braço dele, abraçava sua pasta do colégio. Virgínia vindo de dentro da casa, fica observando os dois de uma certa distância.

LUIZA -- Eu te amo, Donato! Te amo muito!

Luiza joga sua pasta no sofá para que suas mãos, livres conseguissem abraçá-lo e os dois pudessem se envolver num longo e romântico beijo. De súbito, a campainha toca, acabando com a cena. Virgínia irrompe a cozinha em direção à porta.

VIRGÍNIA -- Pode deixar que eu vou, gente. Continuem essa cena romântica!

LUIZA -- Você tava olhando, Virgínia?!

VIRGÍNIA -- (POUCO CONVINCENTE) Não, claro que não.

Virgínia chega na porta e abre. O carteiro, vestido à caráter, entrega-lhe duas cartas.

CARTEIRO -- Obrigado!

VIRGÍNIA -- De nada!

Ele sobe, de um salto, em sua bicicleta que havia ficado encostada poucos metros atrás, então sai, em disparada. Virgínia, fechando a porta, volta-se para dentro de casa. Ela coloca uma em cada mão e mostra à Luiza e a Donato.

VIRGÍNIA -- Uma é pra Helena e a outra pro Adalberto. A do Adalberto eu vou abrir porque eu já sei quem mandou. Foi aquela outra lá, a loira do restaurante.

LUIZA -- Não, Virgínia, claro que você não vai. A correspondência é pra ele e não pra você, ora!

Ao fundo, o barulhinho do choro de Caio. Virgínia entrega à Luiza a carta de Helena e coloca no bolso a carta destinada a Adalberto. Logo, vai saindo da sala para socorrer Caio.

LUIZA -- (ADVERTE) Não vai abrir a carta, não, Virgínia.

VIRGÍNIA -- Eu vou...

CÂMERA: CORTA DESCONTÍNUO:

CENA 15. CASA DE HELENA. QUARTO DE ADALBERTO. INTERIOR. DIA

O quarto é simples. Nada de muito requinte. Um razoável guarda-roupas, em estilo moderno para a época; uma cama de casal, coberto por um grosso e macio edredom; uma janela com cortinas brancas; e, finalmente, o berçinho de Caio. Espalhados pelo quarto, fraldas, uma mamadeira, brinquedinhos infantis e, em cima da cama, as roupas multicoloridas de Virgínia. Neste momento, ela entra no recinto e tira o garotinho Caio de seu berço.

VIRGÍNIA -- Pronto, meu amor. Pronto! Pronto! Mamãe tá aqui! Mamãe tá aqui!

Caio começa a tossir em seu ombro. Sem nenhuma noção, Virgínia balança-o de lá pra cá, deslocando-o levemente para o alto. Ela passa a mão, acalentadora, na cabecinha do garoto e, sem querer, esbarra-a exatamente na parte da sua roupa onde Caio coloca sua boca. Virgínia assusta-se e olha a mão verificando o que havia ali. Parecia ser sangue. Ela pega numa área maior de sua roupa e verifica que ali havia uma boa porção de sangue.

VIRGÍNIA -- Isso é sangue! Isso é sangue! Sangue! Sangue! Caio, pelo amor de Deus, isso é sangue! Caio, você está sangrando, meu filho?!

Virgínia fica terrivelmente apavorada. Caio continua tossindo.

CENA 16. CASA DE HELENA. SALA. INTERIOR. DIA

Luiza e Donato de pé, encostados na parede, exatamente detrás da porta, de maneira bem íntima.

DONATO -- Achei que você não fosse me perdoar.

LUIZA -- Só quero que você seja verdadeiro comigo, Donato. Só isso!

DONATO -- (COM AR DE VÍTIMA) Eu sou/

LUIZA -- Não, por favor. Não vamos começar a discutir de novo. Vamos colocar uma pedra nesta história com um beijo? Que tal? O que é que você acha?

DONATO -- Acho ótimo. Melhor seria se fossem vários beijos. Vamos deixar de falar!

Donato precipita-se e os dois, logo, estão mergulhados num longo beijo emocionado. Virgínia, de lá de dentro, vem gritando desesperada. Luiza e Donato voltam-se para ela. Ao chegar na sala, quase não consegue nem falar, sem fôlego. Luiza vai assisti-la, um tanto preocupada.

LUIZA -- O que foi, Virgínia? Algum problema?

VIRGÍNIA -- (COM DIFICULDADES) O Caio...

LUIZA -- Diz o que tem o Caio?

VIRGÍNIA -- Ele tossiu...

LUIZA -- Sim, mas e daí?! Alguma coisa mais grave?

VIRGÍNIA -- (COMPLETANDO) Ele tossiu sangue, Luiza.

LUIZA -- Meu Deus do Céu, mas isso é muito grave. A gente precisa levar essa criança pro hospital imediatamente. Coloca uma roupinha nele, Virgínia, que o Donato vai ver se consegue um táxi ali fora. Né, Donato?!

DONATO -- Claro, claro! Quando eu consegui eu volto pra visar.

LUIZA -- Vai logo, e vê se não demora olhando pra um mais outra. (P/ VIRGÍNIA) Fica calma, Virgínia, fica calma!

VIRGÍNIA -- (COM LÁGRIMAS) Eu vou tentar, eu vou tentar!

CENA 17. RUA/MERCADO. INTERIOR/EXTERIOR. DIA

O carro de Ricardo pára à frente de um mercadinho de porte médio. Ricardo e o homem no banco do passageiro ficam por segundos calados olhando para o movimento do local, até que o segundo manifesta-se:

HOMEM -- Vai se habituando a agir normalmente. Aqui ninguém vai te reconhecer! Compra algumas coisas pra gente comer.

Ele tira do bolso esquerdo da calça duas notas bastante amassadas e entrega-o. Ricardo pega-as amassando mais ainda.

RICARDO -- O que você quer que eu compre?

HOMEM -- Qualquer coisa!

RICARDO -- Espera três segundos!

Ricardo sai do carro.

CÂMERA: CORTA DESCONTÍNUO:

Com uma cestinha vermelha pendurada no braço, especial para levar pouca mercadoria, Ricardo passa olhando rapidamente as prateleiras. Ele tira alguns pacotes de macarrão do lugar, olha por instantes, coloca noutro lugar que não o de origem e volta a passar a vista pelos produtos expostos. Sem prestar muita atenção, ele permanece de pé a olhar um determinado produto ao lado de alguém que ainda não reconhecemos. Ricardo olha para pessoa ao lado e percebemos que esta pessoa é: Suzana, a moça que ele conhecera no estacionamento do aeroporto. Ela, com sua delicada mão, tirava um "shampoo" italiano das prateleiras e colocava em sua cestinha pendurada no braço que por coincidência, também era vermelha. Ricardo inicia a conversa, num péssimo italiano:

RICARDO -- Io me... me... recordo...

SUZANA -- Você é brasileiro?

RICARDO -- Você também é brasileira?

SUZANA -- Sou, sou paulista. E você?

RICARDO -- Sou carioca. Veio passar umas férias aqui?

SUZANA -- Foi. E você também?

RICARDO -- Bom, eu tô vindo quase que pra morar. Mas não sei. Não tenho pouso certo, na verdade.

SUZANA -- (OLHANDO PARA O SHAMPOO) Olha: melhor você andar mais devagar. As ruas de Turim não são muito largas, não. (SORRI)

RICARDO -- Ah, desculpa. É que eu peguei um costume mau lá no Rio. (CORTA-SE) Eu queria algo pra comer. Mas só tem macarrão!

SUZANA -- (RINDO) Macarrão não é comida?

RICARDO -- Pra quem sabe fazer deve ser. Mas pra mim, não.

SUZANA -- Ah, eu também odeio preparar esse tipo de comida. (GOZADORA) Apoiado, companheiro.

Ricardo engole atravessado e desvia o olhar dela. Ele gela, por instantes. Suzana não entende e ri.

CENA 18. CASA DE HELENA. SALA. INTERIOR. DIA

A porta que dá para a rua, completamente aberta. Donato entra e avisa à Luiza que vem de dentro da casa.

DONATO -- Consegui um táxi.

Luiza olha para dentro da casa.

LUIZA -- Virgínia, o táxi tá aí fora.

De repente, ela vem, de dentro da casa, trajando outra coisa nela e em seu filho, Caio. Ela corre e vai saindo acompanhada de Luiza. Neste momento, Edileusa entra chorando copiosamente, impedindo a passagem.

VIRGÍNIA -- Edileusa, eu preciso passar.

Edileusa afasta-se e Virgínia sai correndo com seu filho nos braços.

EDILEUSA -- Gente, vocês não acreditam o que aconteceu.

Donato fita Luiza, sem saber o que fazer.

LUIZA -- (SUSSURRA) Acompanha a Virgínia que depois eu chego lá.

Luiza puxa Edileusa e senta-a no sofá. Nervosa, pálida, tremendo suas gélidas mãos, ela enxuga as lágrimas que rolam pelas maças do rosto. Luiza senta-se logo ao lado e trata de acalmá-la.

LUIZA -- Calma, Edileusa! Me fala o que foi que aconteceu! Pausadamente, senão eu não entendo nada.

EDILEUSA -- (SOLUÇANDO) A Helena foi seqüestrada por um bando de homens num carro.

LUIZA -- (REAGE) A Helena foi seqüestrada? Como? Onde? Me conta tudo! (PASMA) A gente precisa chamar a polícia urgentemente.

EDILEUSA -- Eles me acertaram com o cano da arma e levaram a Helena.

LUIZA -- Então, eu vou chamar a polícia agora.

CENA 19. CASA DE MARCELLO. COZINHA/SALA. INTERIOR. DIA

Marcello, Vera, Vanessa e Lemos estão almoçando ao redor da mesa da cozinha. A comida fumegante já foi distribuída entre as pessoas que ali estão. Cada prato, com exceção do da pequena Vanessa, tem uma razoável quantidade de macarronada. O clima não parece ser nada bom. De viés, os adultos ficam olhando-se, principalmente, Vera e Marcello, sem trocar palavra alguma. A porta da sala recebe uma boa dose de fortes batidas e faz o barulho ecoar até a cozinha. Vera levanta-se.

VERA -- Pode deixar que dessa vez eu abro.

Na sala, Vera abre a porta e Medeiros entra com sua intimação nas mãos. Ele tem um ódio malévolo no olhar e uma respiração ofegante. De tanta raiva, ele amassa os papéis, fechando o punho, enquanto fala.

MEDEIROS -- Cadê o Marcello? Eu quero acertar as contas com ele.

De trás dele, Marcello fala.

MARCELLO -- Pode falar, Medeiros. Eu tô aqui.

Medeiros volta-se para a porta da cozinha de onde surgia a figura paciente de Marcello e logo em seguida a figura, já mais agitada, de Lemos. Uma grande tensão naquele momento.

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Episódio 20.

CENA 20. CASA DE MARCELLO. SALA. INTERIOR. DIA

Marcello aproxima-se de Medeiros e os dois ficam cara-a-cara.

MARCELLO -- Fala, Medeiros. Eu tô aqui agora.

MEDEIROS -- Que intimação é esse?

MARCELLO -- (IGNORANTE) Você tá sendo intimado a comparecer ao tribunal por ter atropelado e matado meu filho, assassino!

MEDEIROS -- Não me chama de assassino, porque eu não sou. Aquilo tudo foi um acidente, um trágico acidente. Só isso.

MARCELLO -- (FURIOSO) Olha pra minha cara, Medeiros. Vê bem se eu sou homem de acreditar em acidentes. Matou, vai ter que pagar cada segundo na cadeia já que não pode trazer meu filho de volta.

MEDEIROS -- Quantas vezes eu vou ter que falar pra você que ninguém teve culpa? O seu filho também se precipitou e saiu correndo no meio da rua, sem olhar pros lados.

MARCELLO -- Pouco me importam esses detalhes. Isso não vai tirar a culpa do atropelamento das suas costas. Você tem que ser punido por assassinato, seu crápula!

Neste momento, Vanessa irrompe a sala, curiosa a fim de saber o que se passava. Então, rapidamente, sua mãe, tentando poupá-la da discussão, a leva para dentro da casa. Vanessa vai resmungando, pedindo pra ficar, mas não tem jeito.

MEDEIROS -- Então, vamos nós dois juntos pra cadeia, porque você, também, assassinou uma pessoa! E você sabe muito bem quem foi. Agora fala quem foi! Dentro do próprio escritório dele. Todos os empregados da casa viram você saindo com uma arma, atirando em todos. Eu e a Helena também vimos.

MARCELLO -- (OLHANDO P/ LEMOS) Isso é mentira! Isso é uma grande mentira! Mentiroso, eu não assassinei o Tomás!

MEDEIROS -- Você mesmo acabou de confessar, Marcello, eu não mencionei nome de ninguém.

MARCELLO -- Você quer desviar o assunto! Daqui a pouco o culpado de ter assassinado meu filho sou eu.

LEMOS -- (P/ MEDEIROS) Cuidado com o que você fala, rapaz. Você pode ser processado também por calúnia e difamação.

MEDEIROS -- Você quem é?

MARCELLO -- (SOBRANO) Lemos, meu advogado!

MEDEIROS -- É um grande desprazer, advogado! (CORTA-SE) Se você tiver que me processar por calúnia e difamação, você vai ter que processar mais uma dúzia de pessoas que viu e pode afirmar que o Marcello foi a última pessoa a entrar no escritório do Tomás, pouco antes da morte dele.

Lemos e Marcello entreolham-se. Marcello abaixa o olhar, parece incomodado.

LEMOS -- Por favor, se retire da casa de meu cliente, pois ele está se sentindo desconfortável.

MEDEIROS -- A gente ainda não acertou as contas.

MARCELLO -- Eu não tenho mais nada pra falar com você. Vai embora, assassino! E pode ter certeza que a vitória é minha. A justiça tarda, mas não falha.

MEDEIROS -- Como você é arrogante, Marcello. Deixa eu fazer uma coisa que eu tô querendo, já faz bastante tempo.

Medeiros fecha o punho com força e desfere um cruzado de direita exactamente no queixo de Marcello. Ao receber o forte impacto no rosto, este último cai por cima do sofá e acerta a mesinha de centro, quebrando o vidro e o jarro de flores. Lemos vai, imediatamente, em socorro de Marcello, que se contorcia ao chão.

LEMOS -- Marcello! Marcello! (P/ MEDEIROS) Você está muito encrencado, meu rapaz. Pode ter certeza disso!

Medeiros, com uma expressão esquisita no rosto, sai correndo da casa. Neste momento, Vera chega e ao ver a cena leva a mão à boca, de maneira fantástica. Logo vai assisti-lo, assim como fez o advogado Lemos.

CENA 21. HOTEL EM TURIM. HALL. INTERIOR. DIA

Pouco mais de uma dúzia de cientistas está espalhada pelo grande e luxuoso hall de um hotel. Um tapete vermelho recepcionava os hóspedes. O mesmo fazia um "bell-boy" vestido em trajes típicos: calça, blusa com grandes botões e uma boinazinha. No centro do hall, uma escada com corrimãos dourados. Vários vasos de plantas por todo o local. Mais ao lado, o balcão da recepção e os elevadores. Do lado oposto, sofás, cadeiras e poltronas ao redor de uma mesa com garrafas térmicas com café e bolachas de água e sal. Sentados exactamente neste último lado descrito, estavam os Homens de Terno lendo jornais, distraídos. Maurício olha-os com alguma curiosidade como se estivesse se lembrando de suas figuras. Ele cutuca o braço de Dart que conversava com outro e aponta para eles discretamente.

MAURÍCIO -- Dart, aqueles não são os homens que estavam no avião?

DART -- (OBSERVANDO COM ATENÇÃO) Acho que sim, por quê?

MAURÍCIO -- Não sei. Eles parecem que estão nos seguindo.

DART -- Impressão sua. (IRÔNICO) Calma, garoto. Cientista só fica doido quando deixa de trabalhar, porque é aí que lança livro e ganha dinheiro.

MAURÍCIO -- Que coisa, Dart! Ninguém vai ficar louco aqui, não. Eu, hein?!

Bellini aproxima-se dos dois.

BELLINI -- Olha: como os equipamentos vão ficar no meu quarto, eu vou ficar num quarto separado. Mas o resto vai dividir um quarto pra dois. Acho que vocês podem ficar juntos, né?!

DART -- (SEMPRE IRÔNICO) Só no mesmo quarto, né?!

BELLINI -- Claro, Dart. Escolham um dos quartos disponíveis aí na recepção, peguem a chave e subam. Depois o "bell-boy" leva as malas. Eu vou subir, agora.

DART -- Okay, chefe!

CENA 22. HOTEL EM TURIM. QUARTO/CORREDOR. INTERIOR. DIA

Bellini senta-se na cama que fora coberta por alvos panos e tira os sapatos. Então, ele deita-se, pondo sua cabeça no travesseiro, estafado. Alguém bate três vezes na porta do outro lado. Bellini, sem calçar, os sapatos anda até lá e abre a porta. Bismarck é a primeira visita de Bellini no novo quarto de hotel. Com um sorriso cínico, Bismarck vai entrando.

BISMARCK -- Tudo bem, amigo Bellini?

Bellini põe a mão no seu tórax e o impede de entrar.

BELLINI -- Você está hospedado aqui?

BISMARCK -- Vamos ser vizinhos de quarto.

Bismarck aponta para o quarto em frente, o de número 845. Neste momento, ele tira a chave do bolso e mostra-o. Em um papelzinho envidraçado, com um tipo especial de vidro, onde a chave era pendurada, estava o mesmo número que constava na porta do quarto.

BELLINI -- Então, pode ir dando meia-volta. Você não é bem-vindo aqui.

BISMARCK -- Que é isso, caro amigo?! Não vai receber um velho companheiro? Quero ter apenas um dedo de prosa com você.

BELLINI -- Fique aí onde está. Você não vai demorar muito, obviamente.

BISMARCK -- Mas eu prefiro entr/

BELLINI -- Você vai falar ou nós vamos ficar nesse combate, eternamente, a fim de saber se você entra ou não?

BISMARCK -- Muito bem. Vamos ao ponto: eu soube que você conseguiu liberar os equipamentos do aeroporto.

BELLINI -- Eu sou mais espero do que você pensa, Bismarck. Pensou que ia me deter com aquele joguinho barato que você armou juntamente com o senhor Laganà?

BISMARCK -- Amanhã, pela manhã, a capela de Sabóia vai ser aberta. Vamos ver quem aparece primeiro. Sua equipe ou a minha? É esperar pra ver. Mas eu já tenho a resposta. (CORTA-SE) Eu soube também que os seus equipamentos vêm daqui a pouco. O aeroporto mesmo vai mandar deixar, em carros oficiais.

BELLINI -- Como é que você tá sabendo de tudo isso? O próprio Senhor Laganà que avisou? Ah, ele provou que está sabendo de tudo. Só isso.

BISMARCK -- O que ele não sabe é que os equipamentos não vão chegar ao local de destino.

Música marca. Bellini abre levemente a boca, completamente pasmo com o que acabara de ouvir. Aquela afirmação o chocara. Bismarck ri, cínico.

CENA 23. HOSPITAL. CORREDOR. INTERIOR. DIA

Donato está sentado numa cadeira, com um copo-d’água na mão, exasperado. Neste instante, Adalberto chega carregando sua pasta, com uma expressão cansada. Sua grata e seu terno estão um tanto desajeitados no corpo.

ADALBERTO -- Cadê o Caio e a Virgínia, Donato?

DONATO -- Ainda bem que você veio logo. A situação parece que é gravíssima.

ADALBERTO -- Mas onde é que ela tá? Fala logo!

DONATO -- Ela tá nessa sala aqui (APONTA PARA A SALA EM FRETE). Mas você não pode entrar. Ela disse que quando tivesse informação, ela viria aqui fora.

ADALBERTO -- Donato, você sabe como é que tá o Caio? Você sabe?

DONATO -- Não. Mas fica calmo, cara. Ele está bem. Não vai ser nada.

Virgínia sai da sala com uma cara extremamente abatida. Logo, ela abraça Adalberto; os dois apertam-se emocionados com aquele momento de dor. Ainda agarrados, eles falam, um no ouvido do outro.

VIRGÍNIA -- Ah, meu amor, que bom que você veio. Eu já tava ficando desesperada.

ADALBERTO -- Ele está bem, meu amor? Ele está bem?

Agora, eles afastam-se um pouco, falando um dentro da boca do outro e olhando-se no fundo dos olhos:

VIRGÍNIA -- Eu queria estar te dizendo outra coisa, Adalberto, mas a situação é muito grave. Ele está com tuberculose!

Reacção de Adalberto.

CENA 24. CATIVEIRO. INTERIOR. DIA

Helena sentada no chão do imundo e fétido cativeiro. Ela, com os pés e as mãos atadas, tentava sentar-se na parte menos suja onde não havia as grandes poças de água causadas pelas goteiras e as inúmeras marcas de pés descalços que trazendo terra de fora, formavam uma espécie de lama dentro do local. Entra, então, o sequestrador, alto e magro, porém encapuzado, trazendo em punho uma arma. Ele a aponta para ela e a engatilha.

HELENA -- Por favor, não me mate. Não me mate!

SEQÜESTRADOR-- Nós não queremos lhe matar.

HELENA -- Então, o que vocês querem?

SEQÜESTRADOR-- A gente quer que você fique calada, não diga nada à polícia sobre o Ricardo.

HELENA -- Não, claro que não. Claro que eu não vou dizer nada.

SEQÜESTRADOR-- Se você comentar sobre isso com alguém, ou até mesmo com a polícia, pode ter certeza de que a gente pega você de novo e nunca ninguém mais te acha.

HELENA -- (SUPLICANTE) Eu não vou falar nada pra ninguém. Eu juro. Eu juro!

SEQÜESTRADOR-- Se você acordar, você vai acordar num hospital.

O sequestrador aperta o gatilho e atira exactamente no ombro de Helena. O sangue explode para vários locais, sujando até mesmo a arma que o sequestrador ainda segurava, imponente. Helena cai de lado, desacordada.

Episódion 21

CENA 01. CATIVEIRO. INTERIOR. DIA

Helena ali, estendida ao chão fétido e imundo do cativeiro. O sequestrador limpa o sangue que há pouco caíra na arma e coloca-a novamente na cintura. Sem olhar para trás, ele deixa o cativeiro a passos largos. Sai batendo fortemente a porta. O ambiente escurece-se quase à penumbra total.

CENA 02. EDIFÍCIO. APTO DE ANDRÉA. BANHEIRO. INTERIOR. DIA

Pelo lugar, roupas femininas jogadas imprudentemente. Uma calcinha pendurada na maçaneta da porta, um sutiã na pia, um vestidinho rosa bem simplório ao chão, etc. Dentro do Box, Andréa, nua, obviamente, tomava banho. A água, em abundância, molhava todo o seu corpo. Tristemente, ela olhava o céu pela pequena janelinha quase ao teto. De repente, vemos ser despejado ao chão um, inesperado, sangue. Na mesma rapidez que apareceu, o sangue desce pelo ralo, sumindo. Andréa olha aquilo abismada. Sua face transforma-se em algo mórbido, então, ela cai de joelhos e segurando o ventre, ela chora silenciosa.

ANDRÉA -- Meu bebé! Meu bebé!

Ela havia abortado o bebé.

CENA 03. RIO DE JANEIRO. POSTAIS. EXTERIOR. DIA

EDIÇÃO: takes de ARQUIVO: PASSAGEM DE TEMPO: Um dia depois. Os carros andando apressadamente. As pessoas passando rápidas na praia, no centro, o mesmo.

CENA 04. RUA. EXTERIOR. DIA

Luiza, com sua pasta debaixo do braço, andando preocupada. Ao dobrar a esquina, ela esbarra-se com um sujeito mal encarado, um dos amigos de Ricardo que estava no galpão, sede do grupo, na cena 24, cap. 02. A pasta de Luiza cai no chão e as provas e exercícios voam ao vento.

LUIZA -- Presta atenção, rapaz. Olha o que você fez!

RAPAZ -- (IRÔNICO) Foi mal, dona!

Luiza abaixa-se para apanhar e é, neste momento, que o rapaz tira um pequeno canivete e encosta em seu corpo.

RAPAZ -- Deixa isso aí. Eu sei quem você é. Sei que chamou a polícia pra pegar a Helena.

Luiza levanta as mãos como reacção inicial e logo após vai erguendo-se.

LUIZA -- Calma, rapaz. Cuidado com isso. Cuidado com isso!

RAPAZ -- Olha: sem brincadeirinha, viu?! Se vier com brincadeira pra cima de mim, eu te furo. (P) Pode ficar "relax" que eu não quero um tostão seu. Agora, abaixa essas mãos que é pra ninguém pensar que é assalto.

Música marca. Por uma expressão, vemos que Luiza reconhece o rapaz. Ela detalha os traços.

LUIZA -- Eu tô te reconhecendo. Você não é um dos amigos do Ricardo? Aquele que foi lá em casa um dia desses?!

O rapaz olha para os dois lados, com um ar incomum, e enfia um pouco mais o canivete no corpo de Luiza. Ela reclama com um leve "ai", entretanto com um sorriso nos lábios, certa de que seu palpite era correcto.

RAPAZ -- Vamos andando! Vamos andando! Sem perguntas.

LUIZA -- Mas meus papéis?!

RAPAZ -- Deixa isso pra lá.

Os dois começam a andar e a conversar. Ela mais na frente, ele um tanto atrás, sem deixar ela olhá-lo. Ela perguntando mais, ele calado por certo momento.

LUIZA -- Como é seu nome? (P) Hein?! (P) Pra quê o Ricardo te chamou lá em casa? (P) Vocês são viciados? (P) São? (P) Pra quê você tá fazendo isso? (P) A que organização vocês pertencem? (P) Eu vi o quarto do Ricardo. Vocês querem causar uma revolução no mundo? (P) Olha: aquilo lá não é revolução, não. Aquilo lá é terrorismo! Vocês são terroristas?! (EXIGE) Ma fala! Fala alguma coisa!

RAPAZ -- Ninguém é terrorista, não. Eu só vim até você com um único objectivo.

LUIZA -- Qual?

RAPAZ -- Dizer onde está a Helena.

Luiza tenta olhá-lo nos olhos, mas ele a cutuca. Então, ela vira-se um tanto chateada.

LUIZA -- Tudo bem, não vou olhar. (INTERESSADA) Mas me fala onde tá a Helena!

RAPAZ -- Com uma única condição! Que você tire a polícia da jogada!

LUIZA -- Tudo bem, eu ligo já pra polícia e digo que não precisa mais procurar a Helena.

RAPAZ -- Não só a Helena como também o Ricardo.

LUIZA -- Você sabe também onde tá o Ricardo?!

RAPAZ -- Sei, mas não posso dizer. Só te falo que a Helena tá num hospital. Ela tá sendo bem medicada, vai sobreviver. Mas a gente só diz que hospital é, ou só entrega ela pra vocês com vida, se vocês tirarem a polícia completamente da jogada. Até das cartas...

LUIZA -- Claro. Vai ser a primeira coisa que eu vou fazer. (INTRIGADA, PAUSA) Mas que cartas?

RAPAZ -- As cartas que a Helena tá recebendo. Se essa pessoa continuar mandando quando você se encontrar com a Helena, diga que a gente já sabe quem é. E fiquem logo avisados que se a ela se encontrar com o sujeito, ou qualquer um de vocês. Vai ter sangue!

Na rua, um carro da polícia vem numa certa velocidade com as sirenes ligadas, fazendo um considerável barulho. O carro pára ao lado de Luiza num breque sensacional. Um policial põe a cabeça para fora da janela e pergunta num tom agitado:

POLICIAL -- Viu um homem negro passar por aqui correndo?

LUIZA -- Não, senhor.

POLICIAL -- Obrigado! (P/ O MOTORISTA) Segue! Segue!

Antes de sentar-se ajustada mente no assento, o policial balançava a cabeça e com a mão indicava a frente para o motorista. O carro parte, assim como chegou, sensacionalmente. Luiza, agora, não nota a presença do rapaz. Ela verifica dando uma volta em torno de si. Ele não está mais em nenhuma parte. Ela respira mais aliviada.

CÂMERA/EDIÇÃO: FADE OUT:

CENA 05. HOSPITAL. QUARTO. INTERIOR. DIA

CÂMERA: PV de Helena: Vagarosamente, vamos passando de FADE OUT para FADE IN, como um paciente numa cama de hospital. Vemos o teto embaçado, desfocado, mas, aos poucos, dirimem-se todas as falhas e a imagem fica perfeita. De repente, entra em quadro a figura de uma enfermeira recortada ao teto.

Helena, com braço numa tipóia, está deitada na cama do hospital, vestida de uma roupa típica de enfermo e coberta por um lençol alvo, de bastante brilho. A enfermeira parece estar feliz por Helena ter acabado de acordar. Então, com as mãos, ela vasculha na gaveta do criado-mudo e logo encontra o que procura: um vidro de remédios. Ela tira uma cápsula e faz Helena ingeri-lo com um copinho de água que fora colocado ali outrora. O texto já rolando desde o início.

ENFERMEIRA -- Que bom que você acordou! O doutor falou que sua situação era bastante complicada, mas como você já acordou estou vendo que não vai ser bem o que ele disse, não. (P) Você já pode falar? Pode? Olha: se não puder, se estiver ainda muito cansada, descanse mais, que daqui a pouco eu venho aqui.

HELENA -- (COM DIFICULDADE) Eu... eu posso... falar.

ENFERMEIRA -- Ah, isso é muito bom! Muito bom mesmo. Você está tendo uma recuperação óptima. A bala já foi retirada e, até o que se sabe, você não corre risco de vida, nem você, nem o bebé.

HELENA -- (PASMA) Bebé?

ENFERMEIRA -- Você não estava sabendo? Você está grávida!

HELENA -- Grávida?!

Assustada, Helena resume-se a pôr a mão no ventre como que segurando o feto.

Episódio21

CENA 06. HOSPITAL. QUARTO. INTERIOR. DIA

Adalberto, cansado, já sem terno, sentado na cama onde Caio dorme tranquilamente. Ele olha seu filho, com uma ternura inigualável. Música suave pelo ar. De repente, um pequeno papel, amassado, voa pelo chão do quarto, vindo de baixo da cama. Balançando a cabeça, em tom desaprovativo, Adalberto pega o papel, desamassa-o e lê.

ADALBERTO -- (LENDO) Não deixe nossas crianças morrerem de fome. Director, denuncie a máfia da merenda escolar. Seu nome será mantido no mais absoluto sigilo.

Neste momento, irrompe a sala, Virgínia, trazendo uma bandeja com uma sopa, comida de hospital. Ela surpreende-se por ele estar dormindo. Hesita um pouco.

VIRGÍNIA -- A enfermeira me pediu pra trazer essa sopinha pra ver se ele come. Mas já que ele tá dormindo, eu acho melhor devolver.

ADALBERTO -- Não. Entra e coloca ali em cima do criado-mudo. Daqui a pouco ele acorda e come.

VIRGÍNIA -- Então, eu acho que vai esfriar, mas tudo bem.

Virgínia obedece a Adalberto e senta-se ao lado de Caio. Ela afaga-lhe os cabelos, de maneira carinhosa. Adalberto aproxima-se, também, e começa a conversar olhando para Caio.

ADALBERTO -- Eu tô achando muito estranho uma coisa.

VIRGÍNIA -- (JÁ NERVOSA) O quê?

ADALBERTO -- Não! Nada com o Caio. Pode ficar tranquila. É no trabalho.

VIRGÍNIA -- Por favor, Adalberto. Trabalho a essa hora, não. Deixa pra falar de trabalho no trabalho.

ADALBERTO -- Não é porque é um assunto que interessa a todos, Virgínia. Até a você.

VIRGÍNIA -- Até a mim? O que é?

ADALBERTO -- A máfia da merenda escolar.

VIRGÍNIA -- Por favor, Adalberto. Eu não quero saber de merenda escolar numa hora dessas.

ADALBERTO -- O empresário que tá sendo acusado de matar a mulher por causa dessas maracutaias com a merenda foi lá no escritório. Queria que eu o defendesse no tribunal.

VIRGÍNIA -- Você aceitou?

ADALBERTO -- Claro que não. Ele jura de pés juntos que é inocente. Mas nesse mato tem coelho.

CENA 07. RUAS DE TURIM. EXTERIOR. DIA

Os carros oficiais do aeroporto ganham as ruas, abarrotados dos equipamentos de Bellini. Vindos de ruas estreitas, obscuras, carros sem placas avançam em direcção aos veículos do aeroporto. O primeiro fecha completamente a passagem e obriga aos outros brecar violentamente marcando o chão e fazendo barulho. Dos automóveis sem placa, descem sujeitos mal encaradas com grandes armas. Eles apontam-nas para os motoristas dos veículos do aeroporto e, em italiano, gritam, com toda a força dos pulmões, palavras agressivas. Agora, ouvimos um ruído forte, cada vez mais audível, de carros da polícia. Não tarda e os veículos policiais chegam. São três carros, exactamente. De um deles, desce Bellini, com um ar imponente.

BELLINI -- Estão todos presos.

Ao final do texto de Bellini, os policiais, de armas em punho, fazem-nos se render. Bellini sorri cinicamente.

CENA 08. CATEDRAL DE TURIM. ANTI-SALA DO SUDÁRIO. INTERIOR. DIA

Tranquilamente, Bismarck e os cientistas de sua equipe esperam para entrar na sala onde é guardado o Santo Sudário. Um padre de baixa estatura, vestido a carácter, sai de lá e rapidamente envereda por um corredor, desaparecendo do local. Pelo mesmo corredor, entra um homem esfregando as mãos suadas e trémulas. Ele está visivelmente nervoso. O homem aproxima-se de Bismarck e sussurra.

HOMEM -- Chefe, eu tenho más notícias.

BISMARCK -- Más notícias?! O que é?!

Bismarck parecia antever a notícia do homem. Sua expressão não era nada agradável. Silêncio por um instante.

BISMARCK -- Que notícia?! Anda! Fala logo!

HOMEM -- Prenderam nossos homens!

BISMARCK -- Como assim? Prenderam nossos homens?

HOMEM -- O Bellini senhor. Chegou com a polícia no momento e acabou com tudo.

BISMARCK -- (GRITA) Droga!

Um momento de silêncio súbito. Os outros cientistas olham de maneira ímpar para Bismarck.

BISMARCK -- Pode ir! Pode ir!

HOMEM -- O que é que eu faço agora?!

BISMARCK -- Nada. Nada. Volta pro hotel e passa o dia dormindo!

HOMEM -- Tudo bem.

O homem sai. Bismarck fica bufando, possesso.

CENA 09. APTO DO GURU. SALA/QUARTO. INTERIOR. DIA

Marta senta-se no sofá da sala. Ao lado dela, dividindo o curto espaço do sofá, um gnomo de cabelos espetados, uma bruxinha a pilha que montada na sua vassoura dava uma sonora gargalhada - ligada, no momento -, e almofadas com estrelinhas bordadas. Do mesmo jeito que é o sofá, é o resto do apto do Guru Augusto. Vindo de seu quarto, ele chega vestido numa bata branca e com colares pendurados no pescoço.

AUGUSTO -- (CALMO) Vamos.

MARTA -- Vamos.

Ansiosa, Marta levanta-se e o acompanha.

CÂMERA: CORTA DESCONTÍNUO:

Já sentados sobre as pernas e debruçados sobre uma pequena mesa com uma bola de cristal no meio, Marta e o guru Augusto, conversam. Também espalhados por ali alguns gnomos, fadas, bruxas, terços, incenso, etc. O texto já rolando, enquanto Augusto passava suas mãos por toda a bola, com os olhos entreabertos, fingindo concentração.

MARTA -- Eu não sou supersticiosa, mas me disseram que o senhor era muito bom.

AUGUSTO -- (DE SUPETÃO) Era não. Sou. Sou muito bom.

MARTA -- (INCOMODADA) Ah, tá certo! Mas o que é que o senhor está vendo aí?!

AUGUSTO -- (PAUSA) Por enquanto nada.

MARTA -- Como nada?

AUGUSTO -- Ah! Agora estou vendo! A senhora foi realmente abduzida numa vida passada.

MARTA -- Não, mas os meus sonhos se passam actualmente. Nada de vidas passadas. Eu me vejo sendo levada, vejo bichinhos estranhos me cercando...

AUGUSTO -- A senhora vai precisar fazer um tratamento. Comigo!

MARTA -- Como vai ser esse tratamento?

AUGUSTO -- A senhora só precisa pagar...

Uma música misteriosa invade a cena. Augusto continua explicando-a o tratamento. Marta bastante atenta.

CENA 10. GALPÃO. SEDE DA ORGANIZAÇÃO. TURIM. INTERIOR. DIA

Assim como no Brasil, a sede da organização de Turim é em um galpão enorme e bastante mal iluminado. Ao redor de uma mesa, Benedito (25), Maria (23), Tilelli (24), Ricardo e Fellini, o homem que acompanhou Ricardo desde o aeroporto. Todos beliscavam um lanche rápido enquanto conversavam.

MARIA -- Quando vamos ao Vaticano, atacar o Papa?

FELLINI -- Acho que não é o momento certo pra discutir isso, Maria. Não temos munição suficiente, nem a organização necessária.

MARIA -- Sim, mas e daí, Fellini?! Organização demais acaba dando problema. E, além disso, um bom atirador de elite resolve a história.

BENEDITO -- Poderíamos dar um voto de confiança ao Ricardo, o que é que vocês acham?

TILELLI -- Benedito! Acho uma óptima ideia. Me disseram que ele é bastante competente.

FELLINI -- Eu também concordo. Se todos estiverem de acordo, o mais cedo possível o Ricardo parte pra Roma.

Todos parecem concordar.

RICARDO -- Matar o Papa?!

BENEDITO -- É, Ricardo. Vamos alugar um carro e você vai pra Roma. Agora, só me volte aqui quando o trabalho estiver concluído.

Ricardo fica pasmo, não sabe o que falar.

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  • 2 semanas depois...

Episódio23

Todos os repórteres trabalhando numa correria maluca. De repente, tudo estanca. Os funcionários que se encontram naquele recinto param o que estão fazendo e voltam-se para a entrada do local. Com uma roupinha simples e com um curativo no rosto, está Marcello e, logo atrás, Lemos, como sempre, de terno e gravata. Marcello olha a redacção, imponente, e respira, profundamente, deixando o ar invadir suas narinas.

MARCELLO -- (FALANDO ALTO, P/ TODOS) Agora isso tudo é meu! Cada um de vocês tem que me obedecer cegamente porque sou eu quem pago o seu salário. Não adianta tentar contrariar uma ordem minha porque eu coloco pra fora sem pensar duas vezes. E, pra mim, não vai interessar se você tem família pra alimentar, as contas pra pagar e o que seja.

Neste momento, um funcionário da casa de Tomás invade a redacção gritando, com ódio nos olhos.

FUNCIONÁRIO -- Assassino!

Há um instante de silêncio. Em seguida, os repórteres começam a cochichar e as vozes ecoam pela redacção. Marcello fita Lemos, assustado. Este último parece não saber o que fazer e, apenas, ergue as sobrancelhas.

FUNCIONÁRIO -- (INSISTE) Assassino! Você é um assassino! Você matou o Tomás! Assassino! Você deveria ir pra cadeia! Assassino! Assassino!

MARCELLO -- Quem é você pra falar assim comigo?!

FUNCIONÁRIO -- Eu sou um dos funcionários que estava na casa do Tomás quando você atirou nele. Eu vi você correr com uma arma na mão pela casa. Eu vi.

MARCELLO -- Mentiroso!

FUNCIONÁRIO -- Todos os outros que estavam lá viram também. Eu não tô inventando nada.

MARCELLO -- Saia daqui imediatamente. Segurança! Segurança!

Dois grandes homens parrudões irrompem o local e agarram nos braços do funcionário, levando-o para longe enquanto ele gritava contra Marcello. Neste momento, os repórteres da redacção estavam em polvorosa, a desordem tomava conta.

MARCELLO -- (P/ LEMOS) Deus do Céu, como é que esse homem entrou aqui?!

LEMOS -- Eu não sei, Marcello. Eu não sei. Vamos subir pra sala do Tomás. A gente precisa conversar.

O grupo de cientistas de Bismarck está bem acomodado quando chega o grupo de Bellini. Eles se estranham.

BELLINI -- (P/ BISMARCK) Você está pensando que vai destruir minha pesquisa, Bismarck? Pois fique sabendo que você tá muito enganado.

BISMARCK -- (FINGINDO INOCÊNCIA) Destruir sua pesquisa, Bellini?

BELLINI -- Não se faça de desentendido. Todos já estão sabendo que foi você quem mandou aquele grupo ir interceptar meus equipamentos.

BISMARCK -- Não acuse alguém sem provas, meu caro.

BELLINI -- Sem provas?! Você foi lá no meu quarto no hotel pra dizer que ia mandar um grupo pra destruir meus equipamentos. Você acha que eu tomei aquilo como uma brincadeirinha de mau gosto?

BISMARCK -- Vai ser sua palavra contra a minha, caro colega.

Neste momento, o padre sai de dentro da sala onde é mantido o Sudário e, com sotaque de português de Portugal, fala:

PADRE -- Por favor, senhores. Um momento de silêncio. A equipe de cientistas do senhor Bismarck queira entrar.

BELLINI -- Mas como, Padre? Quem deveria fazer isso hoje éramos nós!

PADRE -- Ordens superioras, meu filho.

Bellini fica fulo de raiva. Maurício aproxima-se dele e profere próximo de seu ouvido. Enquanto isso, a equipe de Bismarck já entrava na sala.

MAURÍCIO -- Eu vou lá, professor. Eu entro escondido e qualquer coisa errada que eles possam fazer eu volto pra comunicar.

BELLINI -- Mas vão descobrir que você não é do grupo.

MAURÍCIO -- Como?

O padre entra na sala do Sudário e vai fechando a porta quando Maurício aproxima-se.

MAURÍCIO -- Espere, padre.

PADRE -- Ah, entre logo, meu filho.

Maurício olha, de viés, para Bellini com um sorriso nos lábios. Finalmente, ele entra.

Adalberto sentado em uma cadeira encostada às paredes. Pensativo, cansado, ele bebe água num copo de plástico. Virgínia sai do quarto de Caio e senta-se ao lado dele. Por instantes, eles ficam silenciosos.

ADALBERTO -- Por que foi que você saiu do quarto?

VIRGÍNIA -- Eu queria falar com você. (MUDA DE TOM) A enfermeira tá cuidando dele. Não se preocupe.

ADALBERTO -- Então, pode falar.

VIRGÍNIA -- (PASSANDO A MÃO NOS CABELOS DELE) Eu queria te pedir desculpas. Você tava certo o tempo todo. Eu é que não queria ver isso.

ADALBERTO -- Eu estava certo sobre o quê?

VIRGÍNIA -- Sobre aquela mulher. Aquela loira que eu vi conversando com você. Me dá um abraço. Agora eu tô me sentindo super culpada.

ADALBERTO -- Deixa pra lá, amor. Esquece isso.

Eles se abraçam e trocam um beijo. Como se se lembrasse de alguma coisa, Virgínia coloca a mão dentro de sua bolsa, tira uma carta e o entrega.

ADALBERTO -- Uma carta pra mim?!

VIRGÍNIA -- É. Chegou hoje. Antes da gente vir pra cá. Abre! Eu tô curiosa.

ADALBERTO -- Eu também.

Adalberto abre e lê rapidamente.

ADALBERTO -- Que estranho! O Jorge! Agradecendo por eu ter aceitado advogar sua causa.

VIRGÍNIA -- mas você me disse que não aceitou!

ADALBERTO -- Pois é. Não sei o que tá acontecendo. Mas deve ser algo bastante esquisito!

Com grande dificuldade, Helena espicha-se e pega o telefone que está no criado-mudo. Ela começa a discar os números quando irrompe o quarto o mesmo rapaz da cena 04, deste cap. Helena toma um susto e solta o fone.

HELENA -- Quem é você?! O que é que você tá fazendo aqui?

RAPAZ -- Não tá me reconhecendo, dona Helena?

HELENA -- Acho que sim. Você é um dos amigos do Ricardo, não é?!

RAPAZ -- Isso. Eu vim aqui impedir você de ligar pro Medeiros. Você não pode ser encontrada até que a polícia esteja totalmente fora deste caso e do caso do Ricardo.

HELENA -- Mas por quê?

RAPAZ -- A gente não quer nem que vocês, nem que a polícia fique sabendo onde o Ricardo está.

HELENA -- Mas a gente precisa saber onde o Ricardo tá. Ele é nosso irmão.

RAPAZ -- Não, dona Helena, pode ficar certa de que você não precisa saber.

Helena fica assustada.

Lemos entra com um copo d'água e entrega-o para Marcello que está sentado confortavelmente na cadeira de Tomás, embora nervoso. Marcello ingere toda a água num gole.

LEMOS -- Eu preciso conversar um assunto muito sério com você, Marcello.

MARCELLO -- Pode falar, Lemos. Eu estou ouvindo.

LEMOS -- Se for confirmada essa história de que você matou o Tomás, você perde, imediatamente, a herança.

Reacção de Marcello. Ele fica atónito.

Episódio24

CENA 16. CATEDRAL DE TURIM. ANTI-SALA/SALA DO SUDÁRIO. INTERIOR. NOITE Assim como Dart e Bellini, os outros cientistas estão bastante ansiosos. Todos sentados em cadeiras dispostas homogeneamente pelo espaço. Vindo da sala do Sudário, Maurício, aflito, corre em direção a Bellini.

BELLINI -- O que foi que aconteceu, Maurício?

MAURÍCIO -- Eles vão danificar o tecido com a datação por carbono 14. O senhor tem que agir rápido antes que eles destruam a peça.

BELLINI -- Mas isso é muito grave, Maurício. Eu preciso entrar lá.

MAURÍCIO -- Então, vamos. Rápido!

BELLINI -- (P/ TODOS) Pessoal, eu peço que vocês fiquem aqui e aguardem mais um pouco. Eu vou ter que entrar na sala do Sudário pra resolver um problema, mas volto logo.

Relutantes, eles acabam concordando. Bellini avança até a porta e a abre, invadindo o local juntamente com Maurício. Ao redor de um grande pano incolor, Bismarck e os outros cientistas faziam seu trabalho. Alguns fotografavam, outros tocavam o pano, outros extraíam os pigmentos, as fibras, etc. Bellini vai entrando e falando em voz alta. Os seguranças fazem menção de atacá-lo, mas Bismarck acalma-os com um gesto simples de mão. O texto rolando a partir do momento em que Bellini surge na sala.

BELLINI -- Não acredito que você vai ter a coragem de destruir o Sudário, Bismarck.

BISMARCK -- Não vamos destruir um só pedaço do Sudário, meu amigo. O seu pupilo aí lhe informou errado.

BELLINI -- Então, não vão usar a datação por carbono 14?

BISMARCK -- Claro que vamos, mas destruir não é bem a palavra certa. Nós vamos, apenas, retirar uma parte do Sudário para ser analisada. Na minha concepção, senhor Bellini, se a gente extrai um pedaço de algum material e esse pedaço serve para alguma coisa, acho que não pode ser considerada uma destruição. O senhor faça o favor de se retirar e me deixe concluir meu trabalho.

BELLINI -- Não vou deixar.

BISMARCK -- Então, vamos ficar aqui.

BELLINI -- Que fiquemos, então!

BISMARCK -- Olha, Bellini: se você não sair daqui por bem, eu mando chamar a segurança pra tirar você a força.

Bellini e Bismarck encarando-se, frente-a-frente.

CENA 17. HOSPITAL. QUARTO DE CAIO. INTERIOR. FINAL DE TARDE

Com Caio no colo, sentada à cama, Virgínia, atenta, ouvia às indicações do médico que, estático a sua frente, segurava uma prancheta. Logo ao lado, Adalberto, também atento.

MÉDICO -- Vocês já podem ir. Eu pensei que fosse tuberculose, mas não é. Ele tossiu muito, irritou a garganta, que não foi lubrificada, e acabou por sangrar, mas foi uma coisinha à toa.

ADALBERTO -- Então, é só? Nenhuma medicação?

MÉDICO -- (LEMBRANDO-SE) Ah, claro, claro.

Ajeitando a prancheta e a caneta, o médico escreve rapidamente um punhado de palavras indecifráveis e entrega o pequeno papel para Adalberto. Ele fica olhando, intrigado.

ADALBERTO -- Mas vai ser só isso? Não acredito que quem tossiu até sangrar tem apenas uma irritação na garganta.

MÉDICO -- Bom, senhor. Isso foi o meu diagnóstico. Nada impede que você leve seu filho em outro clínico geral.

VIRGÍNIA -- (CORTANDO-OS) Tudo bem, doutor. Nós vamos dar os remédios. Muito obrigada. (P) O que a gente mais quer agora é voltar pra casa. Vamos, Adalberto. Mais uma vez, doutor: muito obrigada!

MÉDICO -- De nada. Não fiz mais do que a minha obrigação.

Virgínia sai com Caio, apressada. Adalberto mais atrás, olhando a receita. Quando os dois saem, o médico limita-se a balançar a cabeça e a sorrir.

CENA 18. FRENTE DA EMPRESA NIRACORPS. EXTERIOR. NOITE

Um grande prédio, em estilo moderno, com uma placa bem cuidada e inundada de luz, na entrada: NIRACORPS. Algumas poucas pessoas, com porte executivo, saíam da empresa com pastas e papéis debaixo do braço.

CENA 19. EDIFÍCIO NIRACORPS. ANDAR DE JORGE. RECEPÇÃO. INTERIOR. NOITE

As portas do elevador abrem-se e de lá sai Adalberto. À meia luz, o balcão da recepção está vazio. Ele aproxima-se, encosta-se no mármore frio e observa o belo "living room", divinamente decorada com as mais novas peças pra época. Ouvem-se vozes vindas do corredor que dava para o escritório de Jorge. Adalberto esconde-se detrás do balcão e fica a ouvi-las.

JORGE -- (OFF) Não, esses documentos você deixa na minha sala. Mas faz isso rápido que eu vou chamar o elevador pra gente ir embora.

Jorge aparece na recepção e aperta o botão, chamando o elevador. Ele olha, impaciente, o belo relógio de pulso, reluzente à luz. Pouco depois, uma moça (que não podemos ver o rosto) entra desferindo passos rápidos. Neste momento, o elevador chega, eles entram e partem, finalmente. Adalberto levanta-se e vai invadindo o corredor.

CÂMERA: CORTA DESCONTÍNUO:

CENA 20. EDIFÍCIO NIRACORPS. ANDAR DE JORGE. ESCRITÓRIO/RECEPÇÃO. INTERIOR. NOITE

Adalberto rompe o silêncio do escritório. Por causa da penumbra total, ele esbarra numa poltrona, mas, resistente, vai até o bureau e liga a luz do pequeno abajur que ali estava. Assim como na recepção, o escritório tem a decoração mais fina possível. Adalberto abre a primeira gaveta e tira umas pastas. Ele senta-se numa cadeira e começa a ler os documentos que estavam dentro da pasta.

ADALBERTO -- (ASSUSTA-SE) Meu Deus, o dinheiro da merenda foi realmente desviado.

Ele abre mais outras gavetas e pega outras pastas. Na recepção, as portas do elevador se abrem. A figura de Jorge sai de lá e passa, rapidamente, um tanto nervosa, em direção ao corredor que leva ao seu escritório. Enquanto isso, Adalberto continua verificando as pastas e os documentos delas. Neste momento, Jorge entra. Há um momento em que os dois entreolham-se atônitos.

JORGE -- O que é que você tá fazendo aqui? E ainda mais na minha cadeira?

ADALBERTO -- Essa empresa tá desviando dinheiro da merenda escolar, né?! Eu tô vendo nesses documentos! Era uma vez uma empresa alimentícia!

Adalberto joga a pasta cheia de documentos em cima do bureau.

JORGE -- (NERVOSO) Mas como? São todos falsos! Não sei como vieram parar aqui!

ADALBERTO -- Pra mim você não vai precisar explicar, Jorge. Mas pra polícia vai.

Adalberto ergue o fone do gancho, mas com um golpe certeiro Jorge o faz largá-lo.

JORGE -- Você acha que você vai chamar a polícia pra me prender e vai sair vivo dessa história toda?

ADALBERTO -- Você tá me ameaçando?

JORGE -- Encare como quiser. Só quero que você fique sabendo que essa história morre aqui. Ou então, você morre!

Jorge recolhe todas as pastas que estavam espalhadas por cima do bureau e joga-as dentro de uma única gaveta: a última.

ADALBERTO -- Isso é, sim, uma ameaça. Muito bem! Eu já estava louco pra te colocar na cadeia, agora com essa, sua pena dobra, meu amigo!

JORGE -- Deixa de ser idiota! Mesmo que você denuncie, você acha que algum desses documentos vai estar aqui pra contar história? E mais: misteriosamente, o advogado Adalberto é morto num incêndio em sua própria casa.

ADALBERTO -- Você acha que nunca vai ser pego, não é?! Pois se engana! A verdade sempre aparece. Olha: pode esperar porque você está encrencado até o pescoço.

JORGE -- Eu digo o mesmo de você!

Adalberto sai, fulo de raiva. Jorge espera sua saída para pegar todas as pastas relacionadas à merenda escolar, jogar no lixeiro, abrir o belo isqueiro de prata que estava no bolso esquerdo e fazer com que tudo pegue fogo virando simples cinzas.

Episodio 25

CENA 21. CATEDRAL DE TURIM. SALA DO SUDÁRIO. INTERIOR. NOITE Bellini e Bismarck continuavam discutindo. O padre que coordenava a conservação do Sudário já não sabia mais o que fazer. Ele olhava para os lados, aflito, procurando salvação. O texto já rolando.

BISMARCK -- Eu sabia, Bellini. Eu sabia que a sua pesquisa não era séria, por isso que você não quer a datação por carbono 14. Você teme que o linho seja de uma época distante da de Cristo.

BELLINI -- Claro que não, Bismarck. Pra mim, desbancar a Igreja seria um prazer, um privilégio inigualável, mas eu não vou fazer a loucura de destruir uma peça que é importante até mesmo pra história da humanidade.

BISMARCK -- Você está mancomunado com a Igreja! Você está junto com ela pra que o mundo não descubra a verdade. Você não tem compromisso com a verdade, Bellini. Nunca teve.

BELLINI -- Mas que estupidez, Bismarck! Quem escreveu livros, que se fosse no tempo da Inquisição com certeza entrariam no Index, não pode estar mancomunado com a Igreja! Isso é um paradoxo!

Neste momento, entram os Homens de Terno. Bismarck observa-os. Eles dirigem-se discretamente ao final da sala.

BELLINI -- Olha, colega: fique sabendo que eu não tenho mais idade pra agüentar o senhor, então, por gentileza, se você não vai fazer um trabalho idôneo, tenha, pelo menos, a consciência de que você é mais um dos muitos estorvos que povoam essa sala e que deveriam estar lá fora.

Bellini olha para os cientistas do grupo de Bismarck que estavam ao redor do pano. Eles comentam algo entre si, parecendo não ter gostado do comentário de Bellini.

BISMARCK -- Estorvo é o senhor! Eu estou fazendo meu trabalho quando surge o senhor a fim de me censurar. Tenha paciência! Quer ensinar vigário a rezar?

O padre benze-se.

BELLINI -- Não. Eu quero fazer o meu trabalho.

Bismarck olha o Homem de Terno 1. Este faz um gesto positivo com a mão, como que afirmando que Bismarck realizava um bom trabalho.

BISMARCK -- Enquanto eu estiver com a posse do Sudário, eu faço o que eu quiser com ele.

BELLINI -- O colega está muito enganado!

O padre, completamente desesperado, sai da sala, quase correndo.

BISMARCK -- Por favor, Bellini, não me obrigue a ser grosseiro.

BELLINI -- Mais do que você já está sendo. Impossível!

BISMARCK -- Desse jeito eu vou mandar chamar a polícia.

BELLINI -- (EM CIMA DA FALA DE BISMARCK) Quem deveria chamar a polícia era eu! Ainda se lembra da história dos equipamentos?

BISMARCK -- Isso é uma acusação infundada, sem provas. Uma calúnia! Quem deveria ir pra cadeia era você por calúnia e difamação!

A sala do Sudário está uma balbúrdia completa.

CENA 22. CASA DE HELENA. SALA. INTERIOR. NOITE

Luiza está comendo um sanduíche e tomando refrigerante. De tão rápido que come, mal consegue engolir pra que enfie outro grande pedaço na boca. Ela está visivelmente nervosa. A campainha toca e ela engasga-se com o refri, mas larga tudo e vai abrir a porta. Do outro lado, Edileusa que entra logo após as trancas serem liberadas. Ela está, simplesmente, raivosa.

EDILEUSA -- (GRITA) Como é que você faz uma coisa dessas, Luiza? Agora é que nós não vamos encontrar a Helena mesmo! Me diz! Como é que você tem coragem de retirar a queixa, de fazer mal a sua própria irmã?

LUIZA -- (NERVOSA) Eu tenho motivos, Edileusa. Senta aí.

EDILEUSA -- (OBEDECE) Que motivos, me fala? Que motivos?

LUIZA -- (SENTA-SE AO SEU LADO) Um cara, amigo do Ricardo, me parou na rua e disse que eu tirasse a polícia do caso da Helena e do caso do Ricardo. Ele disse que só assim ele diria onde a Helena tá.

EDILEUSA -- Mas quem seqüestrou foi um colega do Ricardo?! (MUDA DE TOM) Foi só isso que ele disse?

LUIZA -- Ele disse que ela estava num hospital.

EDILEUSA -- Meu Deus, será que ela tá muito ferida?

LUIZA -- Não sei, mas pra tá num hospital, né, Edileusa?! Tem que estar, no mínimo, arranhada.

EDILEUSA -- Hospital, hoje em dia, minha filha, não aceita nem com os fatos pro lado de fora, imagine arranhada. Não é querendo desesperar, não, mas ela deve estar maltratada.

LUIZA -- Bom, eu chamei pra te falar isso e pra abrir a carta da Helena.

EDILEUSA -- Que carta?

LUIZA -- Uma que o cara lá tava sabendo que a Helena tinha recebido e que é de um policial.

EDILEUSA -- Ah, eu notei a Helena meio estranha por uns dias mesmo. Ela andou recebendo umas rosas que a gente pensou até que fosse coisa do Medeiros, mas parece que não era, não. Agora tá confirmado. (P) Mas como é que você sabe que é de um policial?

LUIZA -- Ele falou: "Tire a polícia da jogada, até das cartas". Então?...

EDILEUSA -- Abre logo. Abre logo.

LUIZA -- Tá aqui.

Luiza puxa a carta de baixo do prato, dá uma lambida nos dedos ainda ensebados do óleo do sanduíche e abre, delicadamente, tomando cuidado para rasgar o mínimo possível. Ao abrir, definitivamente, a carta, ela lê em voz alta.

LUIZA -- (LENDO) Meu amor... (ELAS ENTREOLHAM-SE) não agüento mais ficar sem me encontrar com você. Como não obtive resposta alguma, vou até sua casa pegar-lhe para um jantar a dois. (P) Deus do Céu! Ele tá vindo pra cá, Edileusa. O que é que a gente faz? O sujeito lá disse que se a gente se encontrar com ele vai ter sangue!

EDILEUSA -- Eu sei lá o que é que a gente faz. Eu sei que eu tô indo embora. Não vou ficar aqui nessa boca quente, não.

LUIZA -- Você fica, sim. Você vai me ajudar a sair dessa.

EDILEUSA -- Ah, meu Deus do Céu!

CENA 23. RUA DE TURIM. EXTERIOR. NOITE

Ricardo vai saindo do galpão quando avista um táxi transportando Suzana. Sem pensar duas vezes, no momento oportuno, ele pula em cima do capô do carro, simulando um acidente. O motorista freia abruptamente, assustando alguns transeuntes e Suzana que vinha no banco de trás. O motorista e ela descem do carro, nervosos, assustados. Aquele dizendo palavras ásperas em italiano, esta preocupada em acolher o "ferido" ao chão. Ela abaixa-se, suavemente, pondo a mão no peito dele. Uma aglomeração já se formava ao redor de Ricardo estendido no chão. Ele começa a balbuciar palavras incompreensíveis. Ela aproxima seu rosto do dele para tentar compreender, mas acaba sendo puxada por Ricardo. Neste instante, eles se beijam ardentemente. Há uma emoção mútua. Ela empurra-o e desfere um tapa em seu rosto. A platéia tem reações adversas. Voltando-se para o motorista, ela profere, em italiano:

SUZANA -- Segue, motorista. Se puder atropelar, ótimo!

CENA 24. CATEDRAL DE TURIM. SALA DO SUDÁRIO. INTERIOR. NOITE

O burburinho continua. Dart assome à porta do local, completamente, transtornado. As atenções voltam-se para ele.

DART -- Senhores, por favor, senhores! Eu tenho uma notícia. O padre que estava aqui denunciou tudo o que estava acontecendo ao Vaticano e o Papa fez questão de vir até aqui. Ele deve chegar dentro das próximas horas.

Reação de todos. Bellini, Bismarck, Maurício, todos sem acreditar no que ouviram.

Episódio26

CENA 01. CATEDRAL DE TURIM. SALA DO SUDÁRIO. INTERIOR. NOITENeste momento, os cientistas do grupo de Bellini invadem o lugar a fim de verificar o relicário. A confusão fica, inevitavelmente, maior. Os Homens de Terno, como sempre, discretamente, vão saindo da sala.

CENA 02. FRENTE. CASA DE MARCELLO. EXTERIOR. NOITE

O caminhão de mudanças parado em frente a casa de Marcello. Homens fortes tratavam de tirar os móveis pesados e colocar dentro do veículo que estava com as portas traseiras abertas. Chegam Lemos e Marcello num carro. Eles descem do veículo e aproximam-se. Vera vem de dentro da casa.

MARCELLO –– Quero me mudar o mais breve possível. Antes do fim do ano, quero todas as nossas coisas lá na antiga casa do Tomás, que agora é nossa.

VERA –– A gente vai praquela casa, Marcello?

MARCELLO –– Qual o problema?

VERA –– O Tomás morreu lá.

MARCELLO –– Sim, mas e daí?! Você mesmo tá dizendo: morreu. Passado! Acabou!

VERA –– Bom, faz como você quiser.

MARCELLO –– Eu quero provar pra todo mundo que duvidou de mim um dia que eu posso. Agora, sim. Eu tenho o poder de mandar e desmandar dentro daquele jornal.

VERA –– Mudando um pouco de assunto, e como é que fica a faculdade?

MARCELLO –– A faculdade eu já larguei faz tempo. O dinheiro que o Tomás me dava pra fazer o pagamento eu embolsava.

Um homem, trajando as roupas da empresa de mudanças, vem de dentro da casa. Ele carrega uma prancheta nas mãos.

HOMEM –– Tudo bem, senhor Marcello?

MARCELLO –– Tudo ótimo.

HOMEM –– Quando a gente acabar, a gente vai pra esse endereço aqui, né?!

O homem entrega a prancheta a Marcello apontando um específico endereço no canto da folha.

MARCELLO –– É esse mesmo. Mas que incompetência! Se eu fosse o teu patrão, eu te demitia na hora.

Cria-se um clima desconfortável entre Marcello e o homem. Este último volta a trabalhar coordenando os outros que levavam os objetos frágeis.

CENA 03. APTO DO GURU. SALA. INTERIOR. DIA

Uma espécie de maca estava disposta ao chão da sala. Marta deitada em cima, de olhos cerrados, relaxando ao som de um mantra. Ao redor dela, incensos e velas multicoloridas. Uma fumaça pouco densa espalhava-se, penetrando na cozinha. Augusto vem de seu quarto, carregando um incenso, porém com os dedos entrelaçados como quem reza. Ele senta-se sobre as pernas e começa a cantarolar ao som do mantra, passando a fumaça do incenso para cima de Marta. Augusto, de repente, desaparece. Uma luz insuportável entra pela janela e juntamente com ela vêm homenzinhos verdes, os famosos ET’s. Marta acorda e tenta fugir, entretanto quando ela põe a mão na maçaneta da porta, uma dor pungente atingi-lhe o coração. Ela cai.

CÂMERA: PV de Marta: os homenzinhos verdes dirigem-se à cabeça dela até impedir completamente a visão do exterior. FADE OUT.

O corte é feito para Marta acordando de supetão. Ela derruba algumas velas, no desespero. Augusto segura-a pelo braço.

AUGUSTO –– Calma, Marta. Isso faz parte do processo. Fique calma!

MARTA –– Eles estão aqui! Eles estão aqui!

AUGUSTO –– Não, Marta. Eles não estão aqui. Eles não estão. Você apenas sonhou isso.

MARTA –– Eu preciso ir, Augusto. Me deixa ir embora. Eu quero descansar em casa.

AUGUSTO –– Mas você não pode. Estamos no meio de um tratamento espiritual. Eles estão saindo de você. É assim que funciona. Pode ficar tranqüila.

MARTA –– Não, Augusto. Eles não estão saindo de mim. Eu sei. No meu sonho, eles me prendiam. Eles me prendiam!

AUGUSTO –– Claro, Marta. Eles vão resistir a ir embora, mas eles irão com o tempo. Com o incenso nós estamos abrindo as portas da sua mente para a entrada de bons fluídos que vão impedir que essas sombras do passado voltem a te importunar!

MARTA –– (GRITA) Eu vou embora daqui, Augusto!

AUGUSTO –– Então, vá. Mas fique sabendo que na sua casa você não vai estar mais protegida do que aqui.

Marta, já com a mão na sua bolsa, pára. Reflete por segundos, volta-se para Augusto e vê que ele está de braços cruzados. Definitivamente, ela pega a bolsa e sai, sem olhar para trás.

CENA 04. AEROPORTO DE TURIM. PISTA. EXTERIOR. NOITE

O jatinho que transportara o Papa está parado na pista. Os repórteres italianos já estavam lá, a alguns metros de distâncias, com suas máquinas fotográficas ou filmadoras. Por trás da multidão de jornalistas, um carro comum buzina. Logo, os seguranças, responsáveis pela organização, obrigam os jornalistas a abrirem caminho para a passagem do veículo. O automóvel, velozmente, dirige-se ao jatinho onde estava o Papa. Pelo outro lado do aeroporto, chegam mais três carros. Neste momento, a porta do jatinho abre-se, já em forma de escada. Os fotógrafos preparam suas máquinas. Saem dois ou três seguranças até que vem a figura principal: o Papa. Uma onde incomensurável de flashes recai por cima dele. Trajando uma bata branca, como sempre, João Paulo II desce a escada e, com destreza, beija o solo de Turim. João Paulo dirige-se ao carro que o levará ao hotel. De dentro do automóvel, sai o Homem de Terno 1. Gentilmente, este abre a porta para que o Papa entre. Entrando, conforta-se na cadeira. O Homem de Terno 1 olha os repórteres fotografando sem parar e dá um leve sorriso.

CENA 05. CASA DE HELENA. SALA. INTERIOR. NOITEMedeiros, sentado no sofá, bastante nervoso, recebe um suco de maracujá das mãos de Luiza. Ela senta-se na poltrona ao lado. Edileusa acomoda-se no braço do sofá.

LUIZA –– Você fez isso, Medeiros? Eu ainda não tô acreditando.

MEDEIROS –– Eu tive de fazer.

LUIZA –– Mas você vai se complicar ainda mais, Medeiros.

EDILEUSA –– Você já arranjou um bom advogado?

MEDEIROS –– Já. O Adalberto já disse que iria fazer tudo pra me tirar dessa.

LUIZA –– Mas desse jeito não tem advogado que dê jeito, né?! O juiz pode pensar que por você ter indo lá e dado um soco no Marcello, você é alguém que não tem condição em viver na nossa sociedade.

EDILEUSA –– Mas que absurdo, Luiza! O Medeiros, sempre tão legal, amoroso com a Helena.

LUIZA –– Absurdo pra gente que conhece ele, minha filha. Mas pro juiz que nunca viu não é nada absurdo. E ainda mais com uma forcinha do advogado dele que, com certeza, vai fazer uma tempestade num copo d’água.

MEDEIROS –– Tiveram alguma notícia da Helena?

EDILEUSA –– Bom, a gente sabe que ela tá bem.

MEDEIROS –– Eles mantiveram contato?

A campainha começa a tocar insistentemente. Edileusa e Luiza entreolham-se com um frio na espinha. Ninguém faz menção de ir abrir.

MEDEIROS –– Vocês não vão abrir? Eu vou.

Subitamente, Medeiros levanta-se do sofá e dirige-se à porta.

LUIZA –– Não, Medeiros! Não!

Medeiros abre a porta e vê-se frente-a-frente com um homem alto, forte, bonito e bastante alinhado.

HOMEM –– Tudo bem? A Helena está?

MEDEIROS –– O que é que você quer com a Helena?

Reação de Luiza e Edileusa.

CENA 06. CASA DE HELENA. SALA. INTERIOR. NOITE

Medeiros e o homem ficam por algum tempo se entreolhando.

HOMEM –– Eu posso entrar?

MEDEIROS –– Claro que não, sujeito.

Luiza intervém na conversa passando a frente de Medeiros e puxando o homem para dentro de casa.

LUIZA –– Pode, senhor. Pode entrar.

HOMEM –– Olha: você não sabe com quem você está falando.

MEDEIROS –– Eu sei muito bem. Eu tô falando com o homem que mandou rosas pra minha mulher. Acertei?

HOMEM –– Acertou.

LUIZA –– (P/ EDILEISA) O suco de maracujá parece que não fez muito efeito, não.

MEDEIROS –– Por que ela não podia contar nada pra ninguém, hein?

HOMEM –– Porque é confidencial. É somente entre mim e ela.

MEDEIROS –– O que é que vocês têm juntos? Vocês têm alguma coisa juntos? A Helena me traía com você?!

HOMEM –– Não. Não!

Sem ouvir a deixa do homem, Medeiros avança para cima dele, agarra-o e levanta-o um pouco do chão pelo terno.

LUIZA –– Espera, Medeiros! Ele é um policial!

Repentinamente, Medeiros solta o homem e volta-se para Luiza. O homem intrigado como Luiza sabia sua identidade secreta.

LUIZA –– Eu explico.

CENA 07. RODOVIA ITALIANA. EXTERIOR. NOITE

CÂMERA: PANORÂMICA: Um único carro cortava, numa incrível velocidade, a rodovia.

Vemos que quem dirige o carro é Ricardo. Ele vai cada vez mais rápido. Ele aperta ainda mais o pé no acelerador. E, no banco do motorista, está uma arma de alta qualidade, especificamente um rifle.

CENA 08. GALPÃO. SEDE DO GRUPO. INTERIOR. NOITE

Tilelli sentada a frente da pobre TV que exibia desenhos animados norte-americanos. Jogando pôquer, Benedito e Fellini. Neste momento, Maria assoma ao grande portão do estabelecimento com um jornal amassado nas mãos e nervosa, pálida.

MARIA –– Gente, vocês não vão acreditar o que acabou de sair nos jornais.

TILELLI –– (CURIOSA) O quê?

MARIA –– O Papa já chegou em Turim.

BENEDITO –– Como, Maria? O Papa vinha a Turim?! Mas como?

MARIA –– Deu um problema com o Sudário e ele mesmo fez questão de vir resolver.

FELLINI –– Nós precisamos avisar ao Ricardo.

MARIA –– É impossível, Fellini. Ele ainda deve estar no meio da estrada e não tem como a gente se comunicar com ele.

TILELLI –– E agora?

BENEDITO –– Bom, agora, a gente tem que armar um plano pra acabar com o Papa, enquanto ele estiver aqui.

FELLINI –– Se ele vai à Catedral, ele vai passar pela rua...

O grupo vai se fechando, ficando conciso ao redor da mesa para ouvir a explanação de Fellini. Uma música cobre o que ele fala.

CENA 09. CATEDRAL DE TURIM. INTERIOR. NOITE

Bellini é o último a sair da sacristia. Os outros já saiam pela porta principal. Por um instante, ele observou o belíssimo altar, muito bem decorado e enfeitado com flores. O teto com pinturas magníficas. Os bancos de uma madeira, muito bem cuidados. O piso de um mármore brilhoso. Tudo isso deixou Bellini boquiaberto. Uma vertigem atingi-lhe subitamente. Ele senta-se num dos bancos, mas, contra sua vontade, cai e fica de joelhos, virado para o altar. Cristo crucificado começa a ganhar vida. Homens, com roupas dos soldados romanos, aproximam-se da cruz e tiram-no de lá. Bellini, com receio, chega próximo a Jesus Cristo moribundo. Este último faz questão de segurar firmemente a mão de Bellini. Embora relutante, ele cede sua mão a Cristo.

CRISTO –– (COM DIFICULDADE) Bellini, meu filho. Você tem uma missão a cumprir.

BELLINI –– Você... você... você...

CRISTO –– Eu sou Jesus Cristo.

BELLINI –– (ATARANTADO) Isso é uma alucinação! Uma alucinação! Jesus Cristo nunca existiu! Jesus Cristo e Deus são uma grande mentira!

CRISTO –– Meu filho! Eu não suporto mais tanta dor, tanto sofrimento. Eu vou morrer por você, por toda a nossa humanidade. O coração de meu pai é ferido quando ouve um filho seu dizer que tudo o que ele e eu fizemos foi em vão.

BELLINI –– Vocês nunca existirão. A Bíblia é um livro. Nada mais do que um livro. Escrito por escritores de imaginação fértil.

CRISTO –– Mais do que a Bíblia, eu deixo a minha palavra. Você está segurando em mim, Bellini. Não vês que eu existo?

BELLINI –– Isso é imaginação minha. Um produto do meu subconsciente!

CRISTO –– Acreditando em mim ou não, quero que me confirmes uma coisa.

BELLINI –– (INTRIGADO) O quê?

CRISTO –– Eu precisarei voltar para ensinar novamente ao mundo a lição de amor que parece ter sido esquecida.

BELLINI –– Sim, mas o que quer que eu confirme?

CRISTO –– Você foi o escolhido para cuidar do filho de Deus aqui na Terra novamente.

BELLINI –– Eu???

CRISTO –– Quero que me confirmes isso. Peço que cuides de mim quando eu voltar.

BELLINI –– (PERTURBADO) Não sei...

CRISTO –– (MORRENDO) Fale.

BELLINI –– Eu vou. Eu vou cuidar de você.

Os olhos de Cristo voltam-se para um lugar ermo e permanecem estáticos. Sua mão adormece e vai soltando lentamente a de Bellini. Finalmente, Cristo dá o último suspiro, secando o peito de ar, e morre. Bellini levanta-se de um pulo do banco da Catedral onde estava. Ele olha para o altar e vê Cristo ainda na cruz, como sempre esteve. Transtornado, ele vai saindo.

BELLINI –– (PASSANDO A MÃO NA CABEÇA) Foi tudo um sonho! Foi tudo um sonho!

CENA 10. CASA DE HELENA. SALA. INTERIOR. NOITEMedeiros, Luiza, Edileusa e o homem, todos acomodados nos sofás e poltronas da sala.

LUIZA –– Eu acho que eu não deveria nem contar isso, mas eles disseram que se a gente se encontrasse com o senhor, ou a Helena, ia ter sangue.

HOMEM –– Pode ficar tranqüila, dona Luiza. Eles já são velhos conhecidos nossos, vivem andando pela cadeia. A gente vai cuidar deles direitinho.

LUIZA –– Mas o Ricardo também?

HOMEM –– Não. Esse não. Por isso que eu queria ajuda da Helena. Eu queria descobrir onde o Ricardo estava pra pegá-lo.

MEDEIROS –– Precisava mandar carta e flores?

HOMEM –– (SORRI) Bom, é uma técnica!

MEDEIROS –– Que técnica, hein?!

LUIZA –– (PREOCUPADA) Mas o que foi que ele fez pra vocês quererem pegá-lo?

HOMEM –– Nós forjamos uma negociação de armas, todas ilegais aqui no Brasil. Quando chegou o suposto carregamento, nós o pegamos em flagrante.

LUIZA –– (LEVA A MÃO À BOCA) Meu Deus do Céu!

Neste momento, uma enxurrada de balas de uma metralhadora adentra a casa de Helena, quebrando o que viam pela frente.

HOMEM –– Abaixem-se!

Os quadros na parede foram jogados longe. O estofado de uma poltrona foi violado. A televisão explodiu, espirrando cacos de vidro. Os personagens deitam-se ao chão a fim de proteger-se. Luiza e Edileusa soltando gritinhos de pavor. De súbito, as balas param de arrasar a sala. Eles entreolham-se.

CENA 11. CASA DE HELENA. SALA. INTERIOR. NOITE

Eles ainda deitados no chão quando penetram na casa Virgínia, segurando Caio no colo, e Adalberto. Os dois com as faces coradas de medo. Eles tratam de ajudá-los a levantarem do chão.

ADALBERTO –– Gente, pode levantar o carro já saiu.

VIRGÍNIA –– Vamo chamar a polícia agora.

LUIZA –– (APAVORADA) Adalberto! Virgínia?! O que foi isso?

Virgínia vai seguindo para dentro até sumir, passando a mão na cabecinha de Caio, como se o protegesse.

ADALBERTO –– A gente parou na esquina, ia entrar em casa, mas um carro passou em frente e começou a metralhar. Foi uma coisa inacreditável!

LUIZA –– (P/ O HOMEM, APAVORADA) Foram eles! Foram eles!

HOMEM –– É, eu sei. Eu preciso telefonar agora! Vou chamar uns compadres meus pra vir atrás desses caras.

ADALBERTO –– Quem é o senhor?

HOMEM –– Eu sou policial. Olha: eu acho que você pode ajudar polícia nesse caso, certo?! Se a gente a consegue pegá-los, é batata, sua irmã é encontrada.

ADALBERTO –– Claro! Eu ajudo, sim. Estou às ordens.

CENA 12. HOSPITAL. QUARTO. INTERIOR. NOITE

Helena saindo de dentro do banheiro com as roupas de quando chegara. Nas mãos, as roupas de enfermo que o hospital cedera. Ela joga-as em cima da cama, com certa dificuldade, uma vez que ainda estava com o braço na tipóia, e vai saindo. Pronta para ir embora, chega o rapaz e empurra-a, com toda a força, para dentro do quarto, exatamente no lugar onde ela levara o tiro.

RAPAZ –– Fique aí! Você não pode sair até que a gente diga.

HELENA –– (COM DORES) Mas que brutalidade! Você me machucou seu canalha! Cafajeste!

RAPAZ –– Canalha?! Cafajeste?! Enquanto você tiver nas minhas mãos, você não passa de uma cadela ordinária!

O rapaz dá um tapa na cara de Helena, fazendo-a cair em cima da cama. Ela já chora copiosamente.

HELENA –– Você não pode me tratar assim! Você não pode!

RAPAZ –– Claro que eu posso. Eu ainda tô tratando muito bem. Escuta bem e agradece: a gente ainda tá te dando um desconto porque você é irmã do Ricardo, nosso chapa. Agora tu cala essa tua boca, porque eu já tô me enchendo de você. Daqui a pouco, eu encho essa tua cara de bala e eu não vou querer saber de Ricardo nenhum.

HELENA –– (PAUSA) Me deixa sair. Me deixa ir embora!

RAPAZ –– (GRITA) Não. E fica caladinha aí! Vai! Agora veste a roupa do hospital de novo, que tá aí em cima da cama, e dorme.

Chorando, Helena pega a roupa do hospital e dirige-se ao banheiro.

CENA 13. RIO DE JANEIRO.POSTAIS.EXTERIOR.AMANHECER

EDIÇÃO: takes de ARQUIVO: alguns postais do Rio. O simples amanhecer na cidade.

CENA 14. HOTEL. CAFÉ DA MANHÃ. INTERIOR. DIA

Bellini, com grandes olheiras, Dart e Maurício sentados na pequena mesa reservada para eles. Cada um comendo um diferente tipo de café da manhã. A atenção deles era voltada para o belo sol que fazia lá fora, iluminando a piscina térmica que se situava ao ar livre.

MAURÍCIO –– Professor!

BELLINI –– Sim.

MAURÍCIO –– Posso fazer um comentário?

BELLINI –– Claro, Maurício.

DART –– (INTROMETENDO-SE) Ele vai dizer que você não está nada bem.

BELLINI –– E não estou mesmo.

MAURÍCIO –– Você não dormiu bem, não é?!

BELLINI –– Exatamente. Está investigação no Sudário não está me deixando sadio.

DART –– Mas a gente ainda nem chegou ao Sudário de verdade!

BELLINI –– Sim, mas aquele tecido, por tudo o que dizem dele, ainda assim, emana uma espécie de energia negativa.

DART –– Me desculpe, Bellini, mas parece frase tirada de cigana fajuta, daquelas que lêem mão em praça de cidade do interior. O que está havendo com você?

BELLINI –– Não sei... Mas o Sudário pode ser uma peça verídica.

Reação de Dart e Maurício.

DART –– Bellini, você realmente não está bem. Acho melhor você retornar aos seus aposentos e descansar a tarde inteira.

BELLINI –– Eu não estou nas minhas perfeitas condições, Dart, mas eu sei, perfeitamente, o que eu estou falando. Nenhum pintor da época, por mais habilidoso, poderia ter construído algo tão perfeito. Você entrou lá, Dart, você viu! A imagem só pode ser vista quando nos distanciamos dela. O contrário de qualquer outra pintura já realizada na face da Terra.

DART –– Bom, parece ser complicada esta técnica porque não a conhecemos. Mas se o pintor vier aqui e nos explicar, eu faço até de olhos fechados.

BELLINI –– Não é simples assim, Dart. Quando Albert Eistein apresentou, pela primeira vez, a sua Teoria da Relatividade para uma platéia de cientistas altamente graduados, ninguém entendeu absolutamente nada.

DART –– É, não vou teimar com você, porque eu te conheço. Você tá obcecado com isso! Ninguém vai te convencer do contrário. (PAUSA) Só não entendi uma coisa: por que vocês viram com tão maus olhos a datação por carbono 14? Não acredito que você queria apenas poupar o tecido.

BELLINI –– A datação por carbono 14 iria dizer o que eu quero, que o Sudário é de uma época bem depois da de Cristo, mas não seria uma prova concreta. Nós temos que ter a noção que o pano passou pelas mãos de várias pessoas, trilhou vários caminhos e, pra finalizar, teve uma boa parte incendiada no século XVI, mais precisamente em 1532.

MAURÍCIO –– Professor, como é que o senhor pode ter certeza que o Sudário é verdadeiro se nós temos vários outros Sudários em outras partes do mundo e se ele foi roubado várias vezes durante seu trajeto até aqui? Em um desses desaparecimentos, ele pode ter sido trocado por uma cópia ou algo assim.

BELLINI –– Não. O Sudário segundo relatos oficiais some por bons períodos de tempo, mas conforme relatos não-oficiais o pano nunca chegou a se perder oficialmente. Até mesmo quando foi roubada em 1349, ela reaparece ao rei Felipe VI pelas mãos do próprio ladrão Vergy, que precisava de préstimos do rei.

DART –– (TOMANDO O SUCO DE UMA VEZ) Já acabei tudo aqui. Vou subir!

Dart sai. Maurício levanta-se logo em seguida. Algumas frutas e pães ainda estão no prato.

BELLINI –– Não vai terminar?

MAURÍCIO –– Não. Vou seguir o conselho do Dart. Vou subir. Tchau!

Bellini parece não entender os dois e continua tomando seu café.

CENA 15. TRIBUNAL. ANTI-SALA. INTERIOR. DIA

Medeiros e Adalberto bebendo água em copinhos de plástico. Eles sentados próximos a uma janela, bastante nervosos. O movimento de pessoas ali já era intenso.

MEDEIROS –– E aí, Adalberto? Como foi ontem? Eles conseguiram pegar alguém?

ADALBERTO –– Não, não conseguiram pegar ninguém. A polícia vasculhou o bairro todo, mas não encontrou nada.

MEDEIROS –– Ah, estou preocupado é com a Helena, cara. Agora a gente tá vendo com quem ela se meteu.

Marcello, de repente, aparece, vindo de uma salinha contígua a anti-sala.

MARCELLO –– Prontos pra perder?

CENA 16. HOTEL EM TURIM. QUARTO DE BISMARCK/CARRO. INTERIOR. DIA

Bismarck tira o terno, os sapatos quando o fone toca. Ele atende. Do outro lado, o Homem de Terno 1, sentado ao banco do motorista do carro do Papa, falando de um fone do próprio veículo.

BISMARCK –– Alô?

HOMEM DE

TERNO 1 –– Sou eu.

BISMARCK –– Sim, o que você quer?

HOMEM DE TERNO 1 –– Eu quero reforçar nosso contrato.

BISMARCK –– Não há necessidade, caro colega. Eu sei muito bem o que devo fazer.

HOMEM DE TERNO 1 –– Mas siga meu conselho, seja contra tudo o que o Bellini quiser fazer no Sudário.

BISMARCK –– Claro. É isso que eu estou fazendo. (PAUSA) Mudando um pouco de assunto: o que será que o Papa vem fazer aqui?

HOMEM DE TERNO 1 –– Enquanto eu o transportava até o hotel onde ele ficou, eu consegui tirar dele o real objetivo de sua vinda até vida.

BISMARCK –– E qual foi?

HOMEM DE TERNO 1 –– Ele vai parar as investigações no Sudário.

Bismarck arregala os olhos e quase solta o fone. Seus lábios treinam alguma coisa, mas nada sai. O Homem de Terno 1 sorri.

HOMEM DE TERNO 1 –– Pode ficar tranqüilo, Bismarck. É isso mesmo que você ouviu. E ele já deve estar chegando aí no hotel pra falar com vocês.

Bismarck balança a cabeça como se ainda não acreditasse.

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  • 3 meses depois...
  • 2 semanas depois...
  • 5 meses depois...

Esta história não é do Oasis, vi a descobrir que é de um brasileiro de seu nome Alan Santiago, que escreve novelas e tinha publicado num site...

O nome original é O Fim do Mundo, tem mais de 150 capítulos, só que entretanto o site do Alan fechou e Oasis ficou sem onde ir buscar a história...Se virem e lerem a história com atenção tem alguns brasileirismos....

Link:http://www.roteirodecinema.com.br/roteiros/televisao.htm

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