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147: Qual foi o primeiro canal televisivo do nosso país?


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Muita gente ainda acredita que a televisão portuguesa arrancou com as primeiras experiências a 3 de Setembro de 1956, na Feira Popular de Lisboa, e de maneira oficial a 7 de Março de 1957, tudo isto com a mão da RTP, que até meados dos anos 70 era uma empresa privada. O nosso governo até daria tudo para denominar o dia 7 de Março como o "Dia Nacional da Televisão", como é o dia 18 de Setembro no Brasil.

Infelizmente, a RTP 1 não é tida como o primeiro canal da história da televisão portuguesa. Quando e onde é que foi feita a primeira emissão televisiva a sério em Portugal? Não foi em Lisboa. Não foi no continente. Não foi nas colónias. Foi nos Açores, e curiosamente, não era do nosso estado. Nem sequer era privado. Funcionava a serviço do governo de outro país.

Ou seja, Portugal tinha uma colónia estrangeira nos anos 50? Mentira, não era colónia. O primeiro canal de televisão era na base militar das Lajes.

Antes de começar por falar nesta história que desmente toda esta história da carochinha da RTP 1 ser "o primeiro", as bases militares dos EUA são tratadas como se fossem pequenos territórios de ultramar, embora não pertençam directamente ao estado. São muitas, e entre as mais influentes estavam as do Vietname (vide Bom Dia Vietname, filme ambientado em 1965, que introduziu a Rádio das Forças Armadas dos EUA ao mundo, fechada antes da reunificação com base no governo de Hanói), as da Coreia (ainda existem) e as da Alemanha. A única base americana que conseguiu fornecer sinais de televisão em Portugal foi a das Lajes, e quiçá a única base significativa para Portugal, apesar dos EUA deixarem aquilo ao abandono aos poucos.

Embora os americanos tenham fornecido equipamento à RTP logo desde as primeiras emissões experimentais em 1956, o primeiro canal de televisão em Portugal foi americano, mas não era uma filial da ABC, da CBS ou da NBC. Era das Forças Armadas. Numa altura em que movimentos de extrema-esquerda condenam "o imperialismo americano", sobretudo em países que já foram colonizados por alguma potência europeia, aqui a história é toda ao contrário: a televisão veio por e para americanos, residentes na base, cujo sinal durante décadas conseguia ser visto em partes da Ilha Terceira próximos ao emissor.

É em Outubro de 1954 que a AFRS dá início às primeiras emissões regulares de televisão na base das Lajes, depois de ter feito experiências parecidas em bases militares no Maine. A das Lajes foi a primeira do ultramar e ajudou a agência do exército a entrar oficialmente na era da televisão. Depois da Segunda Guerra Mundial e da sucessiva criação da NATO darem ímpeto a estas emissões, começou o grande desafio de entrar no ramo da televisão. Tal façanha coincidiu com a democratização pós-guerra da televisão nos Estados Unidos, onde, nalgumas regiões, os canais militares foram os primeiros a ir ao ar (tal foi o caso na Líbia, muito antes da televisão estatal ter sido fundada em 1969, tal foi o caso na Arábia Saudita, o primeiro na Península Arábica, fundado em 1955 dois anos antes da base petrolífera ter o seu canal e ainda antes da televisão do governo em 1965), entre outros. Em certas bases, o sinal era limitado aos militares. Nas Lajes, como também acontecia noutros casos (como o da Coreia do Sul, até 2012, por pressão das produtoras), o sinal era terrestre e sem qualquer tipo de codificação. A televisão chegou aos Açores 21 anos antes da RTP Açores, e dois anos e meio antes de Portugal.

Rapidamente, a população da Praia da Vitória começou a se aliciar à nova tecnologia. Dizia José Mendes no link supracitado, que ninguém em Portugal tinha visto televisão, e quem vivia no lado ocidental tinha de ir para leste afim de morar e também ver o canal. Canal único até à chegada da RTP Açores ao grupo central, mas que não era uma concorrente directa. Ambos os canais mais tarde viriam a estar isolados nas suas respectivas bolhas.

Sabe-se que quando José Mendes começou a trabalhar na actual AFN, em 1964, a emissão era das 18 à meia-noite (aos fins-de-semana a emissão começava de manhã), o que seria comparável com qualquer país europeu da altura. Outras bases militares noutras partes do mundo tinham uma grelha com estes arranjos. Infelizmente, não encontrei NEM UMA GRELHA que fosse, mas a grelha tinha praticamente os mesmos programas de estação para estação, sendo que em certos países, havia séries que eram proibidas de passar por questões de direitos. No Facebook, ouvi relatos de que na televisão deles no Panamá (fechada em 2000, canal terrestre que era visto na capital, próxima à base) os trabalhadores viam as "fitas proibidas" depois do fecho da emissão à noite, fitas que correspondiam a enlatados que eram emitidos nos únicos canais da altura, o 2 e o 4.

O das Lajes emitia no canal 8 mas nos padrões americanos. Se em Roma sê romano, nas bases militares americanas sê americano. É que também ouvi relatos de que no auge das bases militares na Alemanha, havia gente ricaça que comprava televisores que recebiam sinais PAL e NTSC. Assim era a lista de estações pertencentes ao exército em 1970:

AFRTS1970.jpg

Como na altura nem sequer havia a RTP Açores, a "televisão americana" tinha o luxo de passar certos enlatados que ora a RTP emitia ora não, segundo as (escassas) provas que tenho. De acordo com relatos do Facebook e da reportagem sobre o fecho desta televisão pela RTP Açores, eis um apanhado de séries que foram ao ar na televisão dos militares:

Combate!: Série dos anos 60 ambientada no tempo da intervenção americana contra o nazismo na Europa. Ao que sei, a série nunca foi ao ar na RTP. Conta Mário J. Pimentel (conforme as suas experiências) que assim que tocava o tema de início da série, diziam algo tipo "o Combate está dando" e chegavam a imitar as cenas de luta, com as espadas feitas de bambu. E depois é que se queixam da violência infantil...
Casei com uma Feiticeira: Esta acho que deu na primeira vez nos anos 60, pois só tenho noção mesmo de quando foi reposta na RTP 2 há largos anos (já no início dos anos 2000). Se deu na RTP mesmo naquela altura, deve ter dado num horário antes ou depois do Telejornal das 21:30. Que algum "enciclopedista" o comprove.
Bonanza: Foi ao ar na RTP pela primeira vez em 1960, aos sábados à noite (longe de conquistar audiências mais jovens em repetições e temporadas posteriores). E tal como sucedia no continente, até as crianças das Lajes imitavam o que viam na série!
Gunsmoke: Embora esta série teve mais temporadas do que Bonanza (20 temporadas contra 14 de Bonanza, sendo que Gunsmoke tinha episódios de meia-hora até à sexta temporada), sei que esta série nunca foi ao ar na RTP.
Chaparral: Série emitida sim pela RTP dos tempos do Salazar. A última vez que foi ao ar foi em 2007 pela RTP Memória (o meu pai via). Na primeira passagem (fim dos anos 60) era série do "fim de noite" (que na altura começava perto das 23) que antecedia o Telejornal e o fecho.
Rua Sésamo: Sim, não é engano, a televisão dos militares passava a Rua Sésamo mas a original, americana. Conforme mais abaixo, alguém chegou a ver a Oprah Winfrey a participar num episódio da série, isto numa etapa mais avançada (anos 80).
Mod Squad: Série da qual não consigo encontrar provas da sua emissão na RTP. Sabe-se que a RTP passou o filme algures nos anos 2000. Diz-se que foi ao ar no Brasil, mas o sucesso foi mais baixo do que outras "latas" americanas. E olha que por causa disso a série caiu no esquecimento por lá!
Olho Vivo: Mais uma daquelas séries de espionagem, esta com demasiado humor, foi ao ar na RTP sim, até na RTP Memória.
Caminho das Estrelas, a série original: Que curiosamente, pelo que sei, só chegou mais tarde, muito mais tarde, já depois da chegada dos filmes da Guerra das Estrelas. Ou seja, sei que só se emitiu pela primeira vez cá nos anos 80.

Etc e tal. À medida que se passavam os anos, as séries "da cena" mudavam também (igualmente era tarefa deles emitir as séries de horário nobre mais em voga da altura para os militares). A programação também continha noticiários produzidos pela estação (o principal era às 18, à hora de fecho era emitido um sumário), desporto (em diferido), programas de índole protestante (é de esperar, e ainda o fazem) e filmes. E desenhos animados. Tudo emitido em inglês.

Não se sabe quando exactamente é que o canal passou a emitir a cores, mas sei que certamente foi algures nos anos 70, e como é de praxe, tudo em NTSC, formato americano. Na altura havia uma sobredosagem de adaptadores 525/625 linhas e 50/60 hertz, e tornou-se numa dor de cabeça quando a RTP Açores chegou e depois assumiu o formato PAL no início dos anos 80. (Sei não, o que sei estava em posts do Facebook.)

O emissor era localizado (segundo o blog Bagos de Uva) no bairro de Santa Rita, de onde começou a emitir a 16 de Outubro de 1954, sendo que o edifício fora inaugurado somente a 17 de Maio de 1958. Inicialmente tinha o indicativo CSL-TV (seguindo as normas da União Internacional das Telecomunicações para Portugal), sendo que mudou mais tarde para CSB-218. No tempo do Salazar não havia censura (lógico, sendo território (quase) americano seguiam as leis americanas e já consumiam Coca-Cola antes do continente) e nos anos 80 ainda emitia nas mesmas seis horas de antes (18 à meia-noite).

Em Novembro de 1983 começaram as emissões por satélite, quando, pouco a pouco, as estações da AFN uniram-se a um projecto internacional de ligação directa para emitir, sobretudo, desporto em directo. Tal esquema ajudou algumas das sucursais a aumentar a sua programação, sendo que nos anos 90 todas já emitiam praticamente 24 horas por dia.

O vídeo é de Novembro de 1984, marcando o primeiro aniversário das emissões por satélite (que recebiam, dado que o canal continuou a emitir pela rede terrestre).

Conforme relato do blog Comunicação Social em 2008:

Spoiler

Hoje (N.R.: 29 de Agosto de 2008) decidi falar-vos de algo que talvez não sabem: a RTP não foi a primeira estação de televisão que surgiu em Portugal. Como diria um grande senhor: E esta hein?! Os primeiros televisores também não surgiram em Lisboa. Imagino que devem estar muito admirados e que vários pontos de interrogação surgem nas vossas cabeças.

No dia 16 de Outubro de 1954, surgiu na base das Lajes na Ilha Terceira a estação de televisão AFN (Armed Forces Network) a emitir de Portugal para território português. E perguntam vocês: Mas essa estação não era só para a base das Lajes? Sim era esse o objectivo mas o canal era apanhado nas redondezas, inclusive na cidade da Praia da Vitória. Os portugueses residentes nesta cidade pediam aos americanos para lhes comprarem televisões na base ou compravam aos próprios americanos quando estes por algum motivo queriam vende-las. Os meus avós eram dessas pessoas. Os portugueses nunca quiseram que este canal estendesse a sua emissão às proximidades mas na verdade sempre apanhámos este canal. Eu via a Rua Sésamo portuguesa na RTP Açores e a Rua Sésamo americana na AFN. Cheguei a ver por lá uma participação da Oprah na Rua Sésamo americana. A minha avó conta-me ainda hoje que apanhava na perfeição o canal, via notícias de guerras em inglês e algumas séries. Eu vi pela primeira vez o filme Godzilla na AFN e só passados alguns meses o filme foi transmitido nos canais nacionais. O programa da Oprah dava na AFN pelo menos até há uns tempos, agora não sei porque já não sou um cidadão da cidade e não tenho antena própria para apanhar o canal. Se bem me lembro este canal era uma espécie de delegação da CBS porque vi muita coisa da CBS na AFN e muitas séries americanas.

Assim sendo a RTP não foi a primeira estação de TV a surgir em Portugal. Muito menos no arquipélago dos Açores! Foi a primeira estação de televisão portuguesa isso sim! Mas não foi a primeira a surgir em Portugal porque se bem me lembro os Açores, arquipélago do qual faz parte a ilha Terceira, estão previstos como território português no Artigo 5º da Constituição da República Portuguesa. Muitas pessoas pensam que a RTP foi a primeira estação de televisão a instalar-se em território português mas a RTP nasceu em 1958. Como eu já disse e repito foi a primeira estação de televisão portuguesa e que falava em português ao contrário da AFN que era apresentada por americanos.

A partir dos anos 90, a cúpula das Forças Armadas começou a aumentar a sua oferta televisiva. Em 1998 já emitia três canais, sendo que o principal, generalista, ainda estava na rede terrestre. Era impossível trazer os "novos" canais porque só passavam por satélite com descodificador autorizado.

A consolidação da AFN fez com que o grupo de canais acabasse com os antigos programas por região sendo substituídos por canais uniformes. Os canais que permaneceram na rede analógica terrestre acabariam por retransmitir a AFN Prime, principal canal do Exército, antes de ser tomada uma decisão para acabar com os retransmissores.

Alguns casos que serviriam de base para o fecho do canal na rede terrestre: a Coreia do Sul fechou o sinal do canal 2 em 1995 passando a emitir exclusivamente por UHF para atingir um número reduzido de telespectadores. Em 2007 as operadoras retiraram o canal por problemas de copyright e o sinal terrestre foi apagado em 2012. A base de Okinawa desligou semanas antes do fecho das emissões analógicas no Japão, embora o sinal não fosse captado devidamente graças ao sistema NTSC que o Japão usava, que diferia nas frequências.

Decisões foram tomadas entre 2011 e 2015 para determinar o fim do sinal (que era analógico) sendo praticamente substituído por um sistema interno de cabo que ainda está em vigor. Muitas bases em zonas mais "remotas" recorrem ao uso do satélite e do seu respectivo descodificador.

Sabe-se que no seu auge houve a tentativa de aumentar o sinal por parte dos portugueses, mas no fim o poderio militar rejeitou.

A base das Lajes tem estado a perder graças a avanços tecnológicos, mas recentemente é que a revitalização voltou a estar na calha.

Vivemos numa época em que nós, portugueses, estamos a sair das amarras do tal imperialismo americano. Basta ver as atitudes dos directores dos canais que substituíram filmes americanos (comédias, invasões extraterrestres, filmes de espionagem etc.) por programas vazios de música pimba NACIONAL.

Enquanto vivemos num ciclo nacionalista (tomara que não chegue o Chega à liderança para aumentar ainda mais esta quantidade de nacionalismos) nós relembramos os tempos áureos da globalização e como nós, filhos dos anos 90, fomos moldados a ver filmes americanos enquanto as Spice Girls tentavam imitar a "invasão" dos Beatles e os desenhos animados japoneses eram um sucesso quer nos canais normais quer no cabo.

Sendo eu um filho do próprio imperialismo (o meu canal favorito quando era pequeno era o Cartoon Network :D) arrisco dizer que nunca fui tão grato aos Estados Unidos por moldar a minha maneira de pensar e viver, cheguei até a tencionar mudar para lá, mas agora nunca irei por causa dos problemas sociais. No fundo as experiências que vivi quando era criança eram tipo "ir ao estrangeiro sem sair de Portugal". Nunca fui aos Açores, nem mesmo às Lajes, mas só direi que a televisão portuguesa não teria sido desenvolvida graças ao apoio tecnológico dos americanos dado à RTP quando estava a ser construída e, sobretudo, ao "colono" que conquistou uma pequena fracção do nosso território, graças aos militares.

Infelizmente a "estrangeirada" já não é tão aliciante como era no passado, sendo que as audiências preferem exclusivamente conteúdo falado em português de Portugal. É verdade, já não vemos novelas da Globo ou filmes e séries americanos a ter mais de 500 mil telespectadores. E olha que assim parece que a nossa sociedade tende ao retrocesso...

Enfim, feliz Dia Mundial da Televisão, feliz Dia de Acção de Graças e temos de agradecer aos americanos por trazer a televisão ao nosso país há 69 anos.

 

 

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  • 3 semanas depois...
On 21/11/2023 at 00:35, ATVTQsV disse:

Caminho das Estrelas, a série original: Que curiosamente, pelo que sei, só chegou mais tarde, muito mais tarde, já depois da chegada dos filmes da Guerra das Estrelas. Ou seja, sei que só se emitiu pela primeira vez cá nos anos 80.

Estreou na RTP a 3 de fevereiro de 1978. O primeiro bloco de episódios da série, que mistura episódios das primeiras duas temporadas, durou até 13 de outubro de 1978. Depois a serie voltou ao ar durante o último semestre de 1980 e chegou mais tarde a ser usada como acerto de emissão em substituição de outros programas (dantes é que era, hoje em dia é sempre o raio do Missão 100% Português e os Portugueses Pelo Mundo).

https://catacombs.space1999.net/main/pguide/vipo.html

Editado por Vascof2001
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