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Antes Que Seja Tarde


nfren

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  • 2 semanas depois...

Ola a todos! Apresento aqui a sinopse da minha nova historia. Espero que gostem!

Antes que seja tarde

Sinopse

A ação desenrola-se no ano de 2005, ano de viragem das personagens Afonso e Rafael, dois irmaos que viram as suas vidas ficarem de pernas para o ar. Afonso, frio e distante de todos depara-se com um cancro em fase terminal. O seu estado de saude faz com que procure a felicidade nos seus ultimos momentos de vida mas a sua personalidade vai-se revelar.... Por outro lado o seu irmao Rafael ve o seu casamento desmoronar-se, deprimido, cai num estado depressivo com a doença do irmao e com o divorcio iminente.

Mas nem tudo o que parece é, as vidas corrrem contra a força do tempo mas o destino baralha as cartas e nos e que fazemos o jogo!

Personagens

Afonso - é um homem com cerca de quarenta anos, frio e distante da familia. Apenas trocava meras palavras com Rafael seu irmao. Colecionou uma vida de objectos, de bens materias e com a doença ve-se a caras com a carencia de amor e felicidade. Com a doença vai lutar por aquilo que nao teve direito mas a sua personalidade vincada ira ser mais forte ate ao fim...

Rafael - sensivel, emotivo de personalidade a deriva com o caos da sua vida. Casara-se com Mafalda mas depois de onze anos a ruina do matrimonio era inevitavel. Esconde para si proprio muitos segredos, muitas amarras com a vida que se vao descobrindo no desenrolar da açao.

Mafalda - rondava os trinta anos ,esposa de Rafael, interesseira e de mal com a vida que escolhera que via a ruir de dia para dia. Toma decisoes pouco correctas apenas para chegar aos seus obejctivos.

Isabel- aparecera na vida de Afonso como uma salvaçao. Com um passado duvidoso, seduz Afonso e acaba seduzida mas com o passar do tempo prova o sabor amargo da paixao por ele.

Estreia brevemente!

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Vem aí uma história bem dramática (pelo que deu para ler). Eu gostei :)

Não te esqueças dos acentos nas palavras, pois pode tornar-se complicado de ler.

Fico à espera de mais novidades!

Sim joão é uma história dramatica. Apenas tera 6 episodios para nao se tornar muito pesada para quem le. :)

Eu e os acentos! hehehehe O texto foi corrigido varias vezes acho que o word me ajudou nessa tarefa! :cool:

Amanha postarei aqui o logotipo oficial da minha nova aposta na fição.

Estreia dia 2 de Janeiro!

Nao perca esta nova História que promete marcar o inicio de 2013!

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1º Capitulo

“O destino baralha as cartas mas nos e que fazemos o jogo”

William Shakespeare

26 De Maio de 2005

“Sorri quando uma lágrima abate a barreira da tristeza, ri quando a raiva te manda derrubar tudo a tua volta e gritar… grita em silêncio… continua mudo ate que percebas que a tua vida tem de continuar em frente. E eu vou ausentar-me da tua existência. Afonso”

O fumo do cigarro sai dançando no ar, ao sabor da brisa nocturna, sob o alpendre de madeira maciça. Acaba por desaparecer, acaba a sua dança e funde-se com o ar expirado de Rafael. O cigarro desce até á boca, abraça os lábios secos e gretados, alimenta o vício da paixão iluminando a chama, liberta-se finalmente da boca, deixa cair a cinza na erva molhada e o fumo é largado pela sua boca.

Uma luz acende-se na sua retaguarda. Uma luz fraca, como a das estrelas naquela noite enevoada sob a lua crescente quase extinta. Sente a porta ranger ao abrir, sente os passos e a respiração de Mafalda:

-Rafael vem para dentro, vá lá! Está muito frio! – Pede-lhe debaixo do roupão vermelho apertando-o com as suas mãos frias enquanto tremia de frio.

- Volta para dentro! Eu já vou. É só acabar o cigarro. – Diz-lhe levando o cigarro novamente á sua boca.

A porta volta a ranger. Pouco depois a luz delicada perde vida e o nevoeiro apodera-se do alpendre. Rafael larga o cigarro finalmente no meio da erva mas deixa-se ficar no alpendre. O frio congelante começava a apoderar-se do corpo imóvel, do rosto morno de Rafael, acabando por congelar uma lagrima tímida que escapou á barreira de força da sua mente. A gota de água escorreu-lhe pela face, derramou-se no chão de madeira do alpendre sem que Rafael a pudesse limpar. Este olha para baixo, fixa os seus olhos verdes vivos na minúscula poça de água que penetrava na madeira, deixando-se levar pelas emoções e quebrando a já frágil barreira, que acabava de se derrubar e o levam a deitar-se para o chão, gritando silenciosamente na sua mente.

Dentro de casa percorria o calor que fugia da lareira, Mafalda desligara a luz mas permanecia acordada sob os reflexos da luz da noite. Permanecia deitada na cama, pensativa, com o roupão vermelho deslizando sob os lençóis da cama. Mafalda olha pela janela onde vê no nevoeiro a frieza daquela noite, era como um manto branco que tapava o céu e as estrelas. Voltou a acender a luz, olhou de novo para a janela mas já não viu Rafael.

O dia acorda timidamente, assustando o manto branco que se ia dissolvendo, dando espaço para que o calor dos primeiros raios de sol viessem acordar Rafael. Sente-se como se estivesse congelado por dentro, parecia querer deter o tempo, impossível de parar…

O calor começa a tornar-se intenso ainda que a dois meses do verão. Era quase impossível sentir aquela leve brisa fresca que Afonso sentia. Movia-se pausadamente na minúscula sacada do hospital. Aguardava novidades, alguma notícia que já não o era, mas mesmo assim queria ouvir alguém que lhe ditasse a sua sentença. Estava internado há uns dias, mas para Afonso pareciam mais semanas longas, longe da sua liberdade, da sua rotina, da sua vida igual a tantas outras. Comparava o hospital a uma prisão, apenas lhe faltavam as grades, dali não via o sol aos quadradinhos mas via sim o sol a desvanecer para sempre. Estava ali apenas em corpo, este pedia um remédio, uma cura que o livrasse da doença… mas tinha de estar ali a pagar pelos crimes consumados pela alma. Chegara a hora da cobrança…

As escadas reagem ao peso dos passos duros, rangendo a cada passada. O roupão escarlate desliza levemente por cada degrau ate chegar ao fim a rastejar pelo chão. Mafalda acordara perto de meio-dia. Ainda não despertara totalmente, acordara muito indisposta, nunca se sentira assim e ficara pensativa da razão por qual estava assim, não era normal e isso preocupava-a. Desiste do seu dia, de fazer o que tinha planeado, desiste do dia já a meio e volta para o seu quarto escuro, volta ao seu sono solitário. Apenas queria acordar num novo dia.

Rafael vagueava pela incerteza, pela mágoa que tinha dentro de si. Procurava uma saída, uma meta, um fim do seu estado. Principalmente respostas. Parecia um vagabundo. Tinha a barba por fazer há diversos dias, a roupa encolhida, umas olheiras até aos pés e o cabelo caia-lhe para os olhos… Estava um trapo do corpo até á alma. Recolhe o telemóvel do seu bolso esquerdo devagar. Nota que tinha recebido uma mensagem de Afonso há cerca de dez minutos.

“Estou no café do André. Vem cá ter, precisamos de falar. Não me disseste nada desde ontem. Estou muito preocupado contigo. Afinal de contas sou teu irmão… Vou ficar há tua espera.”

Rafael tenta situar-se. Estava a andar precisamente na direcção contrária ao do local do encontro. Ainda estava a uns quinze minutos do café e ao seu passo lento e pesado ia demorar mais do dobro. Guarda o telemóvel novamente no bolso esquerdo sem responder. Volta vaguear mas agora com um novo rumo: conseguir respostas que ainda não obtivera, que lhe matavam a alma e o coração. Todo o seu passado estava cheio de nós, que queria desfazer, respostas às perguntas perdidas no tempo.

Afonso esperava sentado à sombra do enorme chapéu-de-sol.

Tirou um cigarro do maço que tinha no bolso, acendeu-o e saboreou-o enquanto esperava por Rafael. Estava preocupado com ele. Nunca tiveram uma relação de irmãos íntimos. Muito pelo contrário, era uma relação muito distante mas a vida parece mudar esse rumo apesar de já parecer tarde demais…

Rafael chega finalmente debaixo do calor abrasador que se fazia sentir.

-Demoras-te muito! Não estava à espera que essa tua caminhada fosse tão longa e tão demorada. - Diz Afonso ao chegar Rafael enquanto este puxava uma cadeira para se sentar.

-Desculpa a demora! – Retorquiu-lhe cansado, faminto e sem forças.

-Aqui podemos falar á vontade. A esta hora ninguém se atreve a estar aqui na esplanada sobre este calor abrasador nem mesmo debaixo destes chapéus-de-sol. Bem, vamos passar ao que interessa: porque é que não me respondeste às mensagens. Eu fiquei preocupado… - fala Afonso dando mais um bafo no cigarro expelindo o fumo pelo nariz.

-Afonso a tua mensagem levou-me ao fundo. Não tenho rumo na minha vida. Estou desempregado, eu a Mafalda vamos de mal a pior e ainda recebo por aquela tua mensagem… nem sei em que pensar… Que se passa contigo? – Pergunta-lhe preocupado distendendo as pernas e juntando os braços junto ao peito olhando fixamente para os olhos verde-mar de Afonso.

- Não devo durar muito tempo… passei por vários médicos… foi-me detetado um cancro nos pulmões em nível já avançado. Andei em quimioterapia e em radioterapia mas segundo alguns a minha única maneira de me livrar disto é… Morrer. - Conta Afonso, pausadamente, com calma esperando a reacção do irmão.

Rafael fica a olhar para Afonso. Lembra-se de quando eram pequenos, pelo que passaram juntos e por aquilo que os separou… mas agora sentia um vazio enorme. Era como uma avalanche que o estava a afectar e o estava a sufocar. Estava cada vez mais possuído pela dor da alma que crescia a cada momento.

-Rafael, ouve-me! Enquanto eu ca estiver vou fazer os possíveis para te ajudar… Mas se não tens coragem para lutar contra tudo, nunca conseguirás dar a volta à situação… não deves, não podes ter medo! – Diz-lhe seriamente olhando-o assim cabisbaixo, sem forças nem reacção – Posso não ter sido um irmão muito presente, muita coisa nos separou mas estou disposto a fazer de tudo para que tu fiques bem…

-E tu? – Pergunta Rafael com as suas poucas forças.

-Eu vou morrer… todos morremos! Eu apenas vou mais cedo!

Rafael levanta-se e vai-se embora sem nenhuma reacção. Afonso permaneceu imóvel. Era difícil para os dois. Parecia ser mais difícil para Rafael do que para Afonso. Sentia-se sereno, tira mais um cigarro do maço e volta a levá-lo aos lábios.

- Um café, por favor. – Pediu ele à empregada.

- É para já. – Respondeu ela.

O cigarro já ia a meio. Olhava fixamente para o cigarro na sua mão. Pensava do que teria sido a sua vida se não tivesse feito muita coisa. Mas ninguém pode dizer se podia ser melhor ou pior. Apenas acredita numa coisa seguiu o seu caminho traçado: o seu destino!

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nfren, confesso que só li um pouco do início... Mas senti que a tua escrita, em comparação com outros projectos, está mais madura. ;)

Tens de ler tudo heheheh

Tens razão, mas com o tempo notas a diferença desta e das minhas histórias antigas.

Espero que tu e os outros forista acompanhem esta história. Um novo episódio todas as quartas feiras!

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2º Capitulo

"A adversidade é por vezes muito dura de suportar por um homem; mas por cada homem que aguenta a prosperidade, existe uma centena que irá aguentar a adversidade."

Elvis Presley

28 De Maio de 2005

Dois dias passaram. O calor continuou a abafar as respirações, os corpos, levando as almas cada vez mais a pedir socorro. Rafael sentia-se prisioneiro do mundo. Ainda não voltara a casa, comera uma, apenas uma sandes num café e dormira num banco de jardim quando não aguentava mais um cansaço continuando a vaguear pelas ruas da cidade. Sentia-se completamente exausto, as pernas estavam doridas, os pés doíam-lhe imenso mas mesmo assim continuava a andar. O telemóvel já tinha a caixa de mensagens cheia. Mafalda estava preocupadíssima com ele. Não tinha notícias dele há já três dias. Cada vez que ela lhe ligava Rafael rejeitava a chamada. Às inúmeras mensagens Rafael apenas escrevera uma: “não te preocupes… preciso de estar sozinho”. Mas Mafalda não desistia, continuava preocupada com ele e com as más disposições contantes e os enjoos que insistiam em voltar todas as manhãs…Andava desconfiada que podia estar grávida. Mas não passava de uma desconfiança que dia após dia ia-se tornando numa certeza.

Afonso estava novamente no hospital. O seu estado de saúde ia-se deteriorando de dia para dia. Custava-lhe imenso olhar para o que fora, o seu passado e ao olhar para o presente, apesar de não o mostrar e de manter a barreira, deixavam-lhe uma enorme mágoa. Estava acabado, no fim da linha… mas com tanto para viver e com tantos sonhos. Tantos planos feitos, tantas coisas por fazer, muita coisa que fazia e que iria deixar de fazer para todo o sempre. Mas por muito que lhe custasse tinha de aceitar. Não tinha outro remédio, porque já não havia remédio.

- Como se esta a sentir? – Pergunta-lhe o médico acabado de entrar no quarto revisando os sinais vitais e a medicação.

-Com um pé cá e um lá! Só estou a enganar e a adiar o irreversível! – Responde Afonso, recompondo-se, não deixando mostrar a sua infelicidade.

-Estamos a fazer os possíveis mas por muito que eu queira não posso fazer os impossíveis. Não esperamos melhorias. Estamos apenas a tentar dar-lhe mais um tempo. Mas isto deve acabar entre dois a oito meses. - Diz o médico assinando uma folha do seu caderno acabando por sair deixando Afonso sozinho no quarto. Afonso toma uma decisão: tinha de sair do hospital tinha de aproveitar os dias que lhe restavam, os últimos do resto da sua vida!

Apesar da insistência do médico, Afonso segue a sua decisão em frente. Não se iria submeter a mais nenhum tratamento nem permitia que lhe fosse administrado mais algum. Desistia da cura mas não desistia dos dias finais. Ia aproveitar o que ainda tinha direito, realizar pelo menos alguns dos seus sonhos, deixar tudo pronto antes do descanso final.

Ouve-se a chave a entrar na fechadura. Rafael chega finalmente a casa, sob o olhar espantado de Mafalda. Esta fica a olhar para ele, perplexa. Não parecia o mesmo, o cabelo encrespado todo despenteado, com a barba enorme, com umas olheiras negras como carvão e com a roupa marcada pelo suor. Rafael apenas passa por ela sem uma palavra e sobe silenciosamente sob o ranger das escadas de madeira. Mafalda queria abraçá-lo, beijá-lo, sentir o seu corpo junto ao dela mas não se conseguira mexer, era como se estivesse hipnotizada.

Rafael subiu e dirigiu-se para um duche e depois para um longo repouso. Ao entrar no duche apenas ouve a porta da frente fechar-se com força. Mafalda tinha saído, pareceu furiosa mas naquele momento Rafael não pensava em mais nada senão descansar. Apagar-se do mundo por apenas umas horas. Pareceu perder a alma e a fé. Era um boneco numa pista de obstáculos sem meta. Sentia-se a sangrar por dentro, um coração covarde sem reacção…

Atira-se para cima da cama, como se cai-se de paraquedas e esta fosse a sua salvação numa aterragem num buraco sem fundo. Rende-se a força da dor, ao tempo que teimava em passar. Acaba por deitar-se levado pelo cansaço do corpo e da alma, terminando por desabar num sono profundo.

Nunca se sentira assim. Sereno, silencioso, culpado com sentença ditada. Afonso perguntava de que era feito o seu coração. Sempre fora frio, distante de tudo e todos. Revoltado com a vida que levara, das coisas que tinha perdido e que hoje o mar lhe diz que perdeu. As ondas que rebentavam nas rochas escuras, a espuma branca que ia e vinha… Não tinha um olhar de quem esperava por ele, uma amor por quem palpitar ate lhe faltar o ar, um beijo verdadeiro e ternurento de chegada nem de partida… O mar continuava na sua dança sem parar, na sua canção sem fim, no seu azul invejando o céu limpo, uma vista livre, sem amarras à vida. Caminha pela areia fina, marcando o seu caminho à espera de alguém que seguisse os seus passos e se juntasse ao fim da sua jornada. Sorri para o mar, sente as ondas beijar-lhe os pés, o vento levando os seus cabelos frágeis ao sabor do calor dos raios de sol que lhe aquecia o seu coração frio. Ouve um riso infantil, correndo na sua retaguarda. Sente passos franzinos mancando passo ao lados dos seus na areia. Sente uma pequena bola verde bater-lhe no pé parada pela onda no rumo inverso. Afonso recolhe a bola quando um menino aparece por traz de si olhando para ele esticando a pequena e delicada mão. Os seus olhos brilhantes olham profundamente para os olhos baços de Afonso. Este deixa a bola na mão do rapazinho levemente olhando para ele.

-Obrigado – diz o menino na sua voz juvenil e doce correndo de volta para o seu recanto feliz de ter recuperado o seu brinquedo.

Afonso fica a olhar para a criança feliz marcando a areia levemente ao reencontro da brincadeira interrompida. O seu sorriso cresce, torna-se cada vez mais intenso, alegre, derretendo o cubo de gelo da infelicidade ao ver para aquele menino que corria alegremente. Persegue o brilho do sol acalmado pelas ondas serenas. Entregou-se ao caminho reverso dos seus passos. Segue o pássaro que pousa na areia e que foge da maré. Sente que o amor em si não morre. Renasceu com o sorriso daquele menino e que valia a pena viver por muito pouco tempo que lhe restasse.

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3º Capitulo

“ O sol renova-se todos os dias. Não deixa de ser eternamente novo”

Heráclito

30 De Maio de 2005

Rejeitada, ensina ao seu coração o seu novo rumo. Vai deixar que o seu coração siga o seu devido rumo e valor. Mafalda acaba por desistir. O seu matrimónio não tinha chama. Apenas cinzas inertes no chão, impossíveis de voltar a ser o fogo que outrora ardeu. Não queria saber do que Rafael queria. Ela fartou-se da vida sem sal, mais que amarga nos últimos tempos. Tempo demais para voltar a ser feliz ao lado do homem com quem casara há onze anos. Era um casamento infértil, sem frutos a colher.

Digam o que digam, quem manda é o coração.

-Que é que estás a fazer? – Pergunta Rafael ao entrar em casa e a ver Mafalda no móvel de madeira de pinho retirando os livros de capa dura para uma caixa de papelão.

-Vou mandá-los para a lavandaria! Que te parece?! Os livros são meus estou a pô-los nas caixas. Pertencem-me! – Responde Mafalda sarcástica revoltada pelos anos de casamento falidos enquanto fechava mais uma caixa e a levava para ao pé da porta.

-Mas que se passa contigo? Estás doida? – Questiona-lhe tirando o casaco pendurando-o no cabide.

- Passa-se que o nosso casamento acabou! Estou farta de tropeçar nos teus dramas, nos dias sem te ver, nas noites em que me deixas sozinha na cama! Passas dias e dias sem dizer nada, na rua a vaguear como um sem-abrigo! O meu amor por ti morreu há já muito tempo!

Mafalda fecha mais uma caixa, passa a frente de Rafael estático e mudo. Deixa mais uma caixa a beira da porta. Rafael não tinha reacção, não estava a espera do que estava a ver.

- Durante esta semana vou levando as minhas coisas. Tudo o que é meu vem comigo! E espero que o divórcio seja rápido! Quero sair da tua vida o mais rápido possível. Fiz as malas do meu coração, porque se isto é amor… Desisto!

A porta fecha-se com tanta força que o barulho ecoa pela casa toda e arranca o hipnotismo de Rafael. Fecha os olhos, recorda todos os momentos ao lado de Mafalda. Sente à força de anos, agora sufocados pelo tempo que apagou a felicidade de outrora. Rende-se ao presente, ao fracasso, ao despedaçar da sua existência.

Afonso desperta. Ouve um leve som do trânsito. Das pessoas a passar, a falar, a gritar, a mexericar… Sente o calor da luz que atravessava as janelas panorâmicas do 8º andar. O lençol estava a cobrir o seu tronco deixando o resto desprotegido. Esfrega o nariz na almofada, sente o aroma do seu corpo impregnado, apenas o seu e não outro. Estica o seu braço como quem procura encontrar alguém dormindo ao seu lado. Mas naquela cama, naquele sítio estava ele e apenas ele. Sente-se apesar de tudo vivo, não quer dias cinzentos, quer sentir o que sente o coração.

Abandona a cama já tarde. Sente-se a começar a ficar mais frágil, sente o pesar dos movimentos, de respirar, de viver. O tempo estava a passar e não deixavam uns míseros segundos para pensar o que havia ainda para fazer.

Lembra-se da criança que vira na praia. Ficara com aqueles olhos pequeninos a brilharem para si na sua cabeça. Olha para a sua casa enorme. Um T2 de luxo, um carro novo, montes de dinheiro e ninguém a quem deixar tudo o que construiu numa vida. Trabalhara uma vida toda para preencher o vazio que sentia no coração. Encosta-se ao vidro. Abre a mão no vidro quente dos raios de sol, olhava para o dia do restante mundo a sua volta. Os homens de fato que corriam com o telemóvel preso na orelha, as senhoras que levavam os seus filhos e lhes davam indicações, os idosos lentos da correria, o trânsito caótico e sem tempo a perderem.

-Isto é para pôr no meu carro! Imediatamente! – Manda Mafalda aos homens das mudanças.

Olha para a casa que outrora fora sua. Os momentos que passar lá. Mas era tempo de olhar para a frente.

-Uma mulher como eu merece mais! – Diz para si vendo a foto do seu casamento. Agarra-a entre as mãos. O seu sorriso imortalizado daquele momento, uma mulher jovem que não sabia o seu futuro. Hoje olha para si aos trinta e sete anos. Já não era a jovem que se casara há onze anos atrás. Rafael permanecera quase inalterado no tempo. Mas apenas por fora que por dentro apodrecera. Tornara-se um homem que se desligara do casamento. Deixara de ser amor. Mafalda apenas sentia pena do seu marido. O tempo trouxe-a até ali. A sua vida mudara como o vento, agora o caminho era novo. Sentia-se bem neste novo rumo e apenas queria apagar os anos vividos ao lado de um homem que não lhe deu valor. Os seus dedos apertam a moldura, a fúria de um casamento falhado e os anos perdidos. Era o que sentia.

-Senhora está tudo carregado. – Diz-lhe o rapaz ainda novo.

-Só um minuto, eu vou na frente com o carro. – Fala Mafalda fixada na foto do casamento. Chora pelos momentos infelizes, das promessas falhadas, como se o sol dos seus dias não nascera nos últimos anos. Atira a moldura ao chão. O vidro quebrasse tal como a união que tinha com Rafael. Com o salto do seu sapato desfaz ainda mais os vidros.

-Ainda tenho planos de ser feliz! – Grita no espaço quase vazio e sai daquele lar sem intenção de la voltar jamais.

O dia ficou cinzento, perdeu a cor que mostrara pela manha. As nuvens apagaram os raios de sol, taparam a luz do dia. Parecia que o céu ia cair e desfazer-se em água. Mesmo assim Afonso resolve voltar a praia. Ver o mar novamente, sentir de novo a felicidade daquele sorriso de criança.

O mar estava mais agitado que no dia anterior. Afonso descia as escadas de madeira clara desgastada pela passagem do tempo. As ondas rebentavam nas rochas mesmo ao lado, beijavam a areia na sua frente com ansiedade, indo e vindo numa corrida mais rápida que o normal. A praia estava deserta, a areia perdera o brilho, o mar estava mais obscuro. Afonso rodopia em si mesmo buscando alguém. Observa a solidão de si mesmo. Sentia-se mesmo sozinho naquela paisagem sem cor e sem brilho. Cada vez mais negro o céu, deixa escorregar umas gotas que começavam a cair, levemente caiam e pesavam na área fina, fundiam-se na espuma que rebentava nas rochas e seguia as ondas que molhavam os pés descalços de Afonso. A chuva começa a cair mais forte. Abre o guarda-chuva que trouxera consigo, já prevendo que o tempo mudasse. Fica quieto debaixo dele apreciando a chuva a cair sobre o som das ondas e o embate no objecto preto que protegia Afonso. A chuva começa a tornar-se cada vez mais intensa. Afonso começa a andar na direcção oposta do mar. Sente um suspiro gelado pelo seu corpo.

-Espere! Espere! – Gritava uma voz a apressar-se atrás de Afonso. Este vira-se. Uma mulher corria descalça pela areia encharcada debaixo da chuva que cai sem cessar. O seu vestido vinha colado ao corpo fino, os seus cabelos negros pingavam as gotas de água.

A mulher abriga-se debaixo do guarda-chuva de Afonso. Respira ofegantemente tentando recuperar o folego. Olha para Afonso com os seus olhos azuis-escuros como o céu naquela tarde e transmitiu:

-Obrigado por ter esperado.

-Não tem que agradecer! – Diz-lhe Afonso olhando para ela debaixo daquela chuva intensa.

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4º Capitulo

“ Os caprichos podem ser perdoados, mas é um crime despertar uma paixão duradoura para satisfazer um capricho”

André Maurois

3 De Junho de 2005

A chuva escorria como lagrimas durante vários dias. Ficava a intensa sensação que alguém estava a chorar nos céus. Afonso estava em casa vendo as últimas gotas escorregar no vidro duplo do seu apartamento. Escorregavam devagar, desaguavam no mármore do parapeito. Permaneciam no charco até que o vento e o calor as evaporassem. Lembrara-se da mulher que conhecera. As gostas escorregavam na janela como nas curvas do corpo dela. Caiam nas curvas do seu cabelo, desciam pelo seu corpo, pelas suas pernas finas ate aos seus leves pés descalços correndo ate ao seu abrigo. Permanecera na sua mente a cor daqueles olhos profundos, ficara na sua memória os seus lábios vermelhos carnudos e molhados. E o seu sorriso ao olhar para ele.

-Foi a minha salvação nesta tempestade! – Disse-lhe ela já recuperada da corrida até Afonso. Este estava hipnotizado pela bela figura feminina movendo-se à sua frente. Caminham juntos através da chuva intensa, sobre o céu negro e o mar espelhando a escuridão na areia encharcada e em que cada passo firme pesado na areia se enchia logo de seguida e que transbordavam de uns para os outros. A cada passo e passo, aqueles dois desconhecidos protegidos pelo guarda-chuva rumaram a um café ali perto.

Afonso bebia já um café acabado de sair, rasgara o pacote de açúcar e derramara-o na chávena. Pega na colher e começa a mexer sentindo o aroma quando chega a mulher da praia, Isabel, à sua frente. Tinha sido ajudada por uma senhora que estava no café e lhe tinha emprestado umas peças de roupa que fora busca a sua casa dois andares por cima do pequeno café junto a praia, onde ainda se ouviam as ondas rebentarem nas rochas.

Isabel sorria para Afonso, ela olhava nos seus olhos verdes profundos com os seus azuis-escuros. Movia os seus lábios vermelhos bastantes carnudos admirando Afonso que bebia o café de uma vez. Repara que Afonso se encontrava debilitado, frágil mas que apesar de este o esconder a todo o custo Isabel fora perspicaz, havia sinais demasiado evidentes que Afonso já não conseguia esconder. Passaram bastante tempo comtemplando-se um ao outro até que Isabel toma a iniciativa:

-Você deve pensar que sou uma doida! Com este tempo andar pela praia… - Ri-se Isabel fazendo sinal para que Afonso que tirava o maço de cigarros do bolso lhe desse um. Afonso dá-lhe o cigarro, acende o seu e passa o isqueiro a Isabel que o acende e lho devolve.

-Pensava que já tinha deixado o vício que me estragou a vida mas não consigo… -Lamenta-se Afonso

-É um mau vício é verdade mas sabe bem, tal como todos os vícios, precisamos de um novo vício para deixar o anterior. – Fala Isabel levando o seu cigarro aos seus lábios, travando o fumo nos seus pulmões expelindo-o para cima e pergunta retomando o ar:

- Porque não muda de vício?

-Talvez porque não tenha tempo para mudar de vício! - Responde peremptoriamente Afonso. Isabel fica paralisada durante escassos segundos mas logo retoma a pose. Retoma o seu sorriso, o seu dançar sensual de manobrar o cigarro e a cabeça de Afonso. Este sente o calor da perna dela aproximando-se da dele acabando por colidirem uma na outra.

-Faça como eu, e não, o tabaco não sou o meu vício, só fumo de vez em quando e por norma quando estou com homens, mude de vida! – Garante Isabel mantendo o seu sorriso já no final do cigarro.

Afonso mostra-se curioso, mas não queria ser indelicado. Sentia que tinha a sua frente um vulcão de sensualidade prestes a entrar em erupção. Olhava dentro dos seus olhos, traduzia cada movimento sensual dos seus lábios, cada gesto no seu cabelo.

- Foi uma mudança assim tao drástica na sua vida? – Pergunta não resistindo a curiosidade.

-Digamos que sim, os anos passam, a beleza não perdura para sempre e nem sempre a vida que escolhemos num momento e a que queremos momentos a seguir. Mas não me arrependo das minhas escolhas e actos apenas do que poderia ter feito e não fiz. Apenas de isso me arrependo! - Diz-lhe apagando o cigarro na cinza inerte no cinzeiro.

- E como todas as pessoas também tenho os meus arrependimentos, cada segundo passa, cada minuto conta a cada hora, a todo o dia até que estes se formem apenas memórias a cada ano que vai passando sem retorno. Mas o que fica é a nossa marca, boa ou menos boa ate que a nossa carne se desvaneça deste mundo e o nosso espírito viagem sem fim e sem rumo, liberto da vida e da morte.

Isabel olha fixamente para Afonso depois destas palavras proferidas. Parece desvanecer o seu lado sedutor e deixa a vista o seu lado mais íntimo, mais profundo aquele que escondera a todo o custo mas que vinha ao de cima deixando desvanecer a cada sinal contraditório.

Rafael parara no tempo. A sua casa estava quase vazia, jaziam os restos da relação acabada. No fim de contas, o saldo eram uma casa meia mobilada, meia vazia, uma assinatura num papel e cada vida para seu lado. Mas Rafael não tinha rumo algum. Andava a dias sem saber que fazer, que pensar na vida… O seu aspecto afastava as pessoas nas ruas, parecia um sem-abrigo debaixo do seu próprio tecto, refugiado do seu próprio corpo sem amor por si mesmo, esperando pelo tempo passar e encontrar uma luz, a sua estrela polar que lhe mostrasse o caminho para a sua felicidade. Estava sentado numa cadeira de madeira maciça na cozinha debaixo da luz fraca do anoitecer que entrava pela larga janela. Sentia uma enorme falta de amor, insuportável no seu coração despedaçado, covarde, incapaz de olhar em frente e deixar de sobreviver mas viver. Rompe o silencio, a tempestade acalma, quer viver, mas o ar torna-se cada vez mais irrespirável… Sente o amor morrer, por si, pelos outros, pela vida, pelos motivos que o matem vivo. Sente medo, um arrepio que lhe percorre o corpo. Sente raiva e paz, tristeza e serenidade… Bebe um golo de água do copo incolor que estava abandonado em cima da mesa. Olha fixamente para ele. Vibra com o seu sofrimento interior. Quer refugiar-se da sua pele, lutar contra o vento que corre na sua direcção. Sente-se num impasse. Como se o seu corpo parasse esperando resposta da alma, uma resposta que muda-se o presente, de vez e deixa-se, agora sem remorsos e sem medos, aquilo que realmente é, aquilo que realmente sempre fora mas que escondera no mais profundo cova, esperando o ressuscitar da sua verdadeira essência. Perdeu as correntes que o prendiam, agora era livre para seguir com a sua vida mas desta vez sendo ele mesmo.

O copo cai no chão despedaçando-se sobre a água derramada no solo. Rafael levanta-se da cadeira, parecera que o barulho do copo que se partira fora o seu despertar.

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logooficial_zpsf9c1eb8e.png5º Capitulo

"Um pedaço de pão comido em paz é melhor do que um banquete comido com ansiedade."

Esopo

7 De Junho de 2005

O medo rompe o silêncio. Funde-se nos relâmpagos que rebentavam no céu debaixo do corpo e alma da chuva que descia pelos céus

obscuros naquela tarde de verão mas que estava assombrada pela frieza da luz que fazia congelar os corações mais voláteis. Fecham-se os olhos, revivem-se os sonhos perfumados de ilusões, transpirando sentimentos pintados a preto e branco, por um instante um sonho diferente, uma vida cheia de magia que acompanha os desejos e que desvanece numa madrugada de nevoeiro que percorre cada batimento da máquina. Sente os dedos fundirem-se na chuva intensa, debaixo dos flashes dos relâmpagos, lágrimas de coragem sobre a dor que ninguém sabe. Sente-se perdido, mergulhado no pecado fingidor de uma lua solitária, demasiado amor para sobreviver num coração que jamais se renderá. Mas volta a brilhar o arco-íris, sente o calor do isqueiro que caminhava em direcção ao cigarro que esperava nos seus lábios, secos mas famintos do vício. Sente-se liberto, num mundo a parte da escuridão que assombrava a sua sombra, deixara de sentir medo,

enfrentara cara a cara o medo mas este ganhava terreno a cada passo do ponteiro do relógio. Estava numa luta desigual, sem piedade, que lhe percorre a espinha, se derrama na suas veias e desacelera a máquina que teima em deixar de bater mais cedo ou mais tarde. Dá fulgor a um novo acender do cigarro fundido nos seus lábios, alimentando a boca de uma chuva incandescente que não que não lhe

queima o corpo mas a mente.

Isabel aproxima-se dele devagar, pelo quarto onde a lua se teimava em deitar sensualmente nos lençóis roxos acalmando a tempestade e

parar o tempo nem que fosse por um segundo. Os seus olhos rompiam com cada foco de luz vindo do céu, quebravam o passo sensual, beijando o coração de sensualidade voraz e se desfazendo com a espuma do sal do mar. Vivia uma ilusão como uma criança enamorada, coração apertado, uma luz que a guiavam a Afonso, volátil no tempo, desfeito pelos vícios e perdidos nas suas curvas eróticas

onde qualquer homem perdia o controlo de si mesmo e se despistava em cada latido esfomeado que batia dentro dos peitos.

A mão dela pousa no ombro de Afonso, pousava na grande aventura que os dois construíram, rebentaram fronteiras e se saciavam em cada

sonho doce e erótico em rumo ao desejo de um capricho que sufocava o amor que como um malmequer, cujas folhas brancas e finas desciam perfumando a ilusão de uma grande ilusão de sentimentos derramando-se num chão de areia junto ao mar. Afaga os braços em silêncio sobre o peito de Afonso. Os seus lábios mexiam-se sob o culminar da chama do cigarro. Isabel aperta com força o peito frágil de

Afonso, entrelaçam-se as almas do ritmo da emoção, rebentam as correntes do real e os levam, no culminar e desapego de mais um cigarro, a mais uma ilusão erótica desgarrada pelos corpos, descarregada pela alma até ao fulminar do derrame dos desejos e paixões caprichosas no cume da montanha do prazer instantâneo.

2 De Agosto de 2005

Os dias molhados pela chuva intensa e relampejante, desapareceram. A cor dos dias de verão voltara em força. O calor apertava e

desfazia as nuvens eclipsadas O ar estava quente, escaldava a cada movimento, a cada brisa que não refrescava mas aquecia a mente a cada segundo que passava, movimentava cada flor que ia secando, amarela, que ia morrendo a cada brisa daquele Verão. O calor fazia os corpos procurarem dentro do calor humano, dentro de outro corpo a desejada frieza que os mantinha neste mundo.

-Isabel?! – Chama Afonso, pela manha. Procurara com o seu braço direito o corpo de Isabel mas sem sucesso. Não estava ao seu lado, o seu

corpo belo, definido e provocante. Levanta-se, ainda com preguiça mas com medo. A falta de Isabel ao seu lado sufocava-o, fazia-o sentir-se a morrer por dentro sem o brilho dos olhos azuis de Isabel que lhe faziam circular o sangue nas veias, alimentavam a máquina antes da derradeira paragem.

Isabel puxava para baixo a curta saia preta, apertava o botão da camisa, que se fazia demasiado provocador e passara com as mãos na

tímida barriga…

Rafael estava com ela, apesar do seu estado ainda um pouco lastimável, pouco cuidado, com a roupa que se assemelhava mais a uma

folha de papel dentro de uma mão cheia de raiva. Tinha a barba por fazer há inúmeros dias, já lhes perdera a conta. Sentiu-se cansado da espera, acaba por se sentar nas duras cadeiras pretas da sala de espera. Isabel andava ás voltas sob o som do eco dos seus sapatos na sala. Olha para o relógio da sala, preto e branco, debaixo das paredes pálidas e do chão sem cor.

O tempo parecia não passar, mas o mundo parecia ter parado quando Rafael se ergue e olha para o corredor que tinha ligação a sala de

espera. As lágrimas escorreram-lhe pelos olhos, não contera e emoção, a deceção, o desgosto que sentia e com o qual tinha de lidar. Isabel olha para ele e apercebe-se do estado dele. Vira o seu olhar para o corredor, fica estática, ainda debaixo do som do último eco do último passo. Os seus olhos pareciam um vitral, vidrados na figura idosa que vinha na sua direcção, uma figura tremula, vestida de negro, sustentada pela bengala já gasta e do braço do enfermeiro. A cada passo que se aproximava das duas figuras estáticas, Rafael encontrava-se

cada vez mais fraco, cada vez com menos forças para suportar a força e dureza da dor. Apesar de ser um ritual que fazia todos os domingos parecia que a cada domingo a carga de sentimento parecia afundar cada vez mais na mágoa, na fraqueza da força dos sentimentos que se expressavam cada vez mais por cada vez que o enfermeiro levava a sua mãe até ele para passar uma hora de uma viagem no

tempo, muda, sem cor, apenas com presenças de corpo, sem alma que navegava nos setes mares da alma perdida.

Afonso acabara de sair do banho, debaixo da toalha verde, segue a cozinha onde vê um bilhete com o seu nome. Larga o bilhete que

esvoaçava pela cozinha até cair no chão negro, perde a toalha pelo percurso, veste-se rápido e sai a correr ao seu encontro. Conduz entre as ruas, debaixo do trânsito caloroso Perde-se entre os cruzamentos entrelaçados, sem fim nem princípio infinitos na ansiedade de Afonso.

Isabel não aguentara muito tempo dentro da muralha que fizera sobre si mesma, sentia a muralha a desmoronar sob o bombardear dos seus

sentimentos a flor da pele, sinceros, envolto na humildade da dor e da agonia sentada no seu trono coroada por ninguém, reinando a dor insuportável no seu reino através dos seus olhos olhando pelos seus olhos ainda vidrados para a paisagem de mãe e filho passeando no silencio dos caminhos do jardim perfumado de jasmim, dos passos lentos, mudos e sem desejo de sentimentos do costume de

uma mãe que esquecera o mundo e vivia apenas num mundo impenetrável, num mundo apenas seu sem memorias ou recordações do respirar dos tempos dourados ou dos negros que a abandonaram num mundo de uma folha branca de papel virgem. Isabel despede-se com um beijo na cara emocionada de Rafael e na testa da velha senhora que sentira o calor do beijo mas depressa congelara e esquecera o gesto ternurento.

Afonso volta a casa, sem sinal nem rumo do calor do corpo de Isabel, perdera a emoção da ansiedade. Envolvera-se da raiva que sentia, dos

ciúmes que flamejavam no seu coração, sem razão nem ser mas que, incendiavam cada gota de sangue que percorria ferverosamente o seu corpo. Sentia-se traído, a corroer por dentro como se uma chuva acida vinda da sua mente lhe ataca-se o coração e o volta-se a transformar na pedra de gelo que fora durante imensos anos.

O sangue congela, deixa a frieza apoderar-se de todo o seu corpo, que lhe apertara o peito com imensa força, insustentável de volta ao

seu modo congelado, sem sentimentos ou emoções. Sente o peito comprimido contra as costelas, os pulmões vazios e sem ar, o oxigénio que teimava em entrar e que o envenenavam apenas e o fizeram fechar os olhos e cair inanimado no meio da sala.

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  • 2 semanas depois...

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“ Tudo termina para que tudo volte a começar, tudo morre para que tudo reviva”

Jean H. C. Fabre

21 De Setembro de 2005

O calor refugiou-se no frio no fim da estação. Retomou o desejo do costume da chuva que retomou de novo os céus, que perderam subtilmente a cor, envolvendo-se no sufoco do negro da rendição das almas. Perdeu-se o brilho nos olhos que vibravam intensamente, a cor dos dias de verão intenso que passou debaixo de uma tempestade emocional. O verde-mar, desvaneceu-se a cada latido do peito, levantaram-se as vozes que evocavam liberdade, perdera-se cada aplauso de vida e entrega e demonstrou-se a linha do fim, a meta irreversível. Afonso perdera o sol e a lua da sua vida. Perdera a razão da sua aventura, da segunda oportunidade de dar vida aos últimos dias, lutara contra o vento que teimava em soprar na sua direcção. Perdeu a luta do corpo, perdera a vida dos seus movimentos, sentia-se agora preso a uma cadeira de rodas que rodava cada vez mais depressa ao abismo. Olhava para a paisagem da janela da sala, a ameaça da vinda dos dias cinzentos e sem cor qualquer, o calor fugira com medo do frio que ameaçava o rancor do derradeiro adeus. O silêncio perdurava já há vários dias, não encontrava a voz da mente apenas a fraqueza do

corpo, a derrota dura e pesada, a dor de cada respirar pesado que fazia tremer o frágil e ressequido corpo, os lábios que fingiam as palavras que o sufocavam

e lhe doíam da perdição do cego amor que o abandonara…

Passaram quase dois meses. Muita coisa mudou, muitos mundos se viram de pernas para o ar que sufocava qualquer um que pedia mudo desesperadamente

por socorro.

As caixas empilhavam-se umas em cima das outras. Pesadas de uma vida encaixotada, agora mudando de rumo numa estrada cheia de pedras pontiagudas que feriam profundamente da carne até ao osso, rasgando sem piedade os músculos derramando o sangue vermelho vivo pelas correntes que se agarravam pela vida. Rafael empilhava mais uma caixa de cima das outras, vestia o negro luto, do arrancar do seu coração que sentira quando vira a sua mãe partir, apesar de tudo em paz, alheia do mundo depois do último beijo da última visita de domingo do filho que nunca a abandonara, que sofrera até ao último segundo e que, apesar de tudo derramara a ultima lágrima de luto logo após a terra apagar o caixão castanho que desvanecera o corpo que finalmente descansava para toda a eternidade.

-Esta é a última! – Diz Isabel carregando uma última pequena caixa de cartão para além do peso do ventre que já lhe pesava pelo rebento que criara dentro de si. Isabel engravidara de Afonso por capricho dele, aproveitara-se do corpo dela, assumira o prazer fulminante e fugaz que desapareceu logo após este ver os últimos segundos entrar em contagem decrescente. Isabel sentira-se traída, mas como ela queria, a sua vida tinha mudado, mas nunca mais vira Afonso até o encontrar inanimado na sala.

-Não te quero voltar a ver!- dizia Afonso recuperando o seu estado, depois de acordar para seu espanto na cama de hospital. Apenas se lembrava da sensação que o seu peito se tinha eclipsado nas vértebras e que os seus órgãos se fundissem. Voltara a figura gélida, sem sentimentos, que não se rendera a uma vida nova apesar de efémera. Mata por completo o tempo que queria recuperar, de realizar sonhos que se desvaneceram por completo.

-Foi para me dizeres isso que eu vim aqui? – Pergunta Isabel, cuja reacção de Afonso não a surpreendera, já esperava que o fogo fulminante que ele sentia se transformava mais tarde ou mais cedo num cubo gelado que aprisionara os sentimentos todos no seu interior.

-Traíste-me! Não te vou perdoar, nem tenho tempo para isso… - recupera o fôlego depois de tossir, uma tosse que lhe arrancava o torso – não me vou importar com nada. Não me vou aborrecer com mais nenhum assunto. A minha vida acabou, acabei comigo mesmo e não quero esperar mais, não quero sofrer mais. Não faço mais nada neste mundo, nada nem ninguém me ligam a esta vida miserável.

Isabel sai do quarto sem nada a dizer. Era uma desilusão já esperada. Afonso sentira-se traído pela própria traição, pelos ciúmes doentios que o atiraram para uma morte solitária. Ela perdera por completo qualquer sentimento que nutria ainda por ele, fora apenas parte de um capricho que crescia no seu ventre a cada dia que passava.

O telemóvel cor-de-rosa de Isabel vibra sob o som rápido irritante. Procura-o em cima das caixas empilhadas.

“ Apenas te quero ver mais uma vez, apenas mais uma vez antes de partir. Afonso”

Isabel fica imóvel com a mensagem de Afonso. Não estava preparada para o ultimo confronto mas por muito que a alma a prendesse ao rancor que guardara apesar da dose leve, fora apanhada de surpresa. Sentira o seu coração bater mais rápido, o palpitar mais veloz do seu íntimo e o fervilhar do sangue que percorria o seu corpo e o fazia suar a cada segundo que restava ao reencontro. Isabel sai de casa de Rafael, despedira-se dele com um leve beijo na face e com um “Volto já! “. Rumara ao último encontro do homem que fez o seu coração palpitar mais forte mas que apenas usou o seu corpo em seu belo prazer e capricho.

A porta estava aberta. O apartamento estava silencioso, sem vida, sem alma parecia abandonado pelo próprio dono que ainda lá habitava. Fecha a porta assustando o silêncio da casa, procurava por um rasto de vida efémera que marcara o último cara a cara, que aguardava o inferno ardente do ofegante amor e sofrimento de cada lágrima fervilhante que evaporava a meio da face. Bastava de sofrimento, do encarar do medo e da morte que se aproximava a passos largos. Isabel procura pela casa toda, de divisão em divisão entre todas as quatro paredes até encontrar Afonso na varanda apreciando uma leve brisa no dia ameaçado de tons cinzentos. Este olhava para a paisagem profunda, que ameaçava de novo a escuridão de mais uma chuva incandescente que lhe vinha queimar o corpo e lhe libertar a alma. Estava sem carne, sentia o som de casa osso que se movia a muito custo, a dureza dos músculos podres num corpo sem vida e sem cor, sem amor, sem calor, sem o verde-mar que os olhos acabaram por perder espelhando o negro que se avizinhava no horizonte.

Isabel aproxima-se devagar. O som dos sapatos vermelhos ecoava nas divisões sem vida, o vestido negro ameaçava esvoaçar a cada leve brisa que ganhava cada vez mais vida e força.

-Estavas num dilema moral? Se vinhas ter comigo ou se esperavas pela confortável notícia da minha morte? – Pergunta Afonso não retirando o olhar do céu intensamente negro.

- Segui um impulso e se estou aqui e porque ainda tenho contas a ajustar contigo! – Revela Isabel sentando-se na cadeira de vime que se encontrava na varanda.

-Tens contas a ajustar comigo?! Apenas eu tenho contas com a vida que irei ajustar quando o meu coração parar de bater. – Comenta Afonso, levando a mão ao bolso direito.

-Não te vou dar esse prazer! Uma mulher como eu não se contenta com esse ajuste de contas! Voltei a cair, a querer-te cada vez mais e acabei por cair numa poça de água que me abafou, me sufocou e me fez renovar a paixão fulminante que sentia num vigoroso rancor por ti. Abandonaste-me depois de teres de mim o divertimento que querias, um capricho que calculavas e que delinearas nos teus últimos planos de vida. Fui um brinquedo na tua triste vida. Mas não sou mulher de me render e de baixar as armas. – Desabafa Isabel, exaltando o tom cada vez mais agressivo para com Afonso que não tirava olho da escuridão.

Afonso respira fundo debaixo do som rouco do seu corpoque pedia desesperadamente pelo fim. Tosse que lhe arranca o peito, até que a mão que se move até ao peito frio acalmar um pouco a tempestade que o assombrara.

-Sabes que a vida não e justa, comigo não o foi. Apenas aprendi a amar tarde demais, mas esse amor perdurou pouco tempo. Congelou e aprisionou-se para sempre dentro do cubo de gelo que se formou dentro do meu tronco. Hoje apenas sinto frio no meu peito, nada mais. O amor morreu para sempre, foi efémero como a minha vida que se vê no fim cedo demais. Mas talvez não seja cedo, acredito no destino e se é este o que me foi traçado e porque assim será. Se tive de sofrer, se fiz sofrer aqueles que mais sofreram por mim e porque assim foi escrito nas entre linhas da minha vida. – Conta Afonso devagarinho, gemendo com as dores que lhe picavam o corpo.

- Comigo a vida também não foi justa. Nada mesmo. Nem o é com ninguém. Quem o admite ou esta a mentir ou não sabe o que e viver fora do seu próprio mundo feito a sua medida, impenetrável por outras mentes e memorias de se acumularem umas em cima das outras constantemente ao longo da vida. Mas nunca foste justo com os que te amaram. Mantes-te uma posição falsa a distancia, nunca te aproximavas da zona de perigo. Comigo, com o teu irmão, com a tua própria mãe… Extinguiram-se para ti, rodopiavas apenas na tua fútil e falsa vida e esqueceste-te de amar aqueles que te amavam. – Diz-lhe Isabel emocionando-se na sua raiva, no seu rancor agora arrancado pelas emoções a flor da pele.

-Não fales do que não sabes! Não te admito isso! – Grita com raiva, apesar da sua debilidade – Perdi o meu pai muito cedo, cresci sem amor de mãe que apenas cuidava do Rafael, pequeno e frágil. Vi-me sozinho neste mundo cruel que me ensinou a ser frio cedo demais. Fui levado por um tio para o Norte e que após a sua morte me deixou tudo o que tinha e que me deu asas para erguer tudo o que hoje tenho. Nunca mantive muito contacto com o Rafael e cortei relações com a minha mãe. Os anos passaram, o Rafael casou, a minha mãe foi internada no lar com Alzheimer. – Conta ele contendo as emoções, mostrando a sua face gelada e coração calmo.

Isabel faz um pouco de silêncio. Apercebera-se agora da verdadeira personalidade de Afonso. Apesar da dureza da vida, focara-se apenas em si, deixara os outros para traz sempre pelo mesmo: ciúmes e rancor.

-E eu fui apenas mais uma peça no teu minucioso jogo de xadrez? – Pergunta Isabel quebrando o silêncio que a enraivecia cada vez mais.

-Tu apareceste no momento mais emotivo e do despertar dos meus sentimentos. Mas por muito que quisesse não podia voltar a viver, esperava a morte dura e crua, debaixo dos meus últimos planos. Não tinha escolha, tentei redimir-me mas já não era hora de me render, não iria ter nenhuma oportunidade apenas uns segundos felizes, nada mais que isso. Aproximei-me do Rafael cada vez mais, era a única pessoa que tinha no mundo, tinha acabado por desistir pelo amor de mãe que jamais tivera. O Rafael também não estava bem em parte por minha culpa também, hoje não o consigo olhar nos olhos, fiz muita coisa errada e imperdoável. Não espero alguma vez perdão, apenas raiva dele quando souber a verdade. Não me da medo, um dia vai perceber que tem mais razões para me odiar do que para amar as memorias que restarem de mim nele.

Isabel fica pensativa. Cada vez mais as peças encaixavam, cada vez mais apercebera-se da pessoa que realmente tinha a sua frente, do pedaço de carne fria que vivera na vida de todos os que o rodearam e que lhe viravam costas. Isabel aproximar-se a passos lentos, tentando não afugentar o silêncio da chuva que começava a cair transparente, lenta, escura como as cinzas negras que jaziam agora no corpo de Afonso. Queimaram-se os sentimentos, as emoções num fogo intenso, a pureza e a verdade explodiram num lume quente que culminou apenas em cinzas, restos do seu ser em si mesmo impregnados no seu olhar que olhava agora para Isabel. Isabel estava mesmo atrás de si. Senti uma força que a empurravam e a envenenavam contra o corpo de Afonso frágil a sua frente. Vem-se agora frente a frente, olhar contra olhar, corpo a corpo. Este não resiste a erupção fulminante de tocar em Isabel, tinha a mão gelada, parecia já estar sem vida mas ainda se mexia em direcção ao ventre de Isabel. Ela sente um arrepio, uma força que a repugna, que a faziam entregar ao abismo sob o frio que sentia, que tinha passado do corpo doente de Afonso para o seu, do seu corpo feminino congelado. Afonso agarra-se a Isabel, tenta erguer-se apesar da dificuldade. Isabel olha para ele sem reacção, hipnotizada no seu entregar estranho, no seu coração palpitante em si, fria, gelada a cada respirar dela e de Afonso que, agora se agarrava a ela, se sustentava nela a grande custo. Isabel perde a razão, perde as forças no que tentava esconder, do desapego do seu desejo de amor que uma mulher como ela sentia, forte dentro de si. Por um beijo nos seus lábios rasgados e frígidos que pouco sentiam o fogo e a chama que Isabel sentia igual que antes, que sempre sentira e que ainda não era demasiado tarde. O peso de Afonso fez desistir o corpo de Isabel, perdem o controlo e o equilíbrio na varanda, o corpo dele resigna á vida e leva o de Isabel colado ao seu. Rendem-se e caiam agarrados na sua cálida paixão que os levou juntos a cair da varanda do oitavo andar, descem vertiginosamente pelo meio das gotas que envolviam os últimos beijos, das ultimas confidencias e

desejos até caírem um em cima do outro em cheio no para brisas de um carro vermelho que estava estacionado a porta do prédio.

20 De Setembro de 2012

Sete anos passaram. Muitos momentos se encobriram na memória. Os anos passaram-se, muitas realidades mudaram. Os reflexos da madrugada amargurada de cada nevoeiro que acordavam os medos, os raios de sol que abraçavam a vida e a morte e as gotas de água que se se união ao laços do amor que atavam o coração. Sobravam os motivos para a entrega em corpo e alma que para abraçar a vida nunca e tarde. As ondas do mar calmo rebentavam suavemente sobre o sal, que molhava a areia brilhante pelos raios de sol que penetravam no panorama. Rafael passeava pela areia, corria tentando apanhar as ondas que iam e vinham numa dança celestial. Respirava calmamente sob o correr contra a leve brisa do vento que caminhava contra si, lhe refrescavam o suor do cansaço do corpo, resfriavam os cabelos ao sabor do vento, abstraia-se do mundo ao seu redor num mundo a parte, só seu apenas e que lhe dava sentido a cada manha que corria em busca do regaço do calor da vida.

Mudara de vida, despertara para a sua verdadeira essência, descobriram em si uma força e paz que jamais tivera. Depois de tanta adversidade, vê finalmente o seu rumo que sentia ser o certo, cada lágrima que derramou agora brilhavam e lhe demonstravam o caminho brilhante e perfumado de anos sem orientação agora revolto no calor do despertar para a realidade da sua grande aventura sem fronteiras nem preconceitos.

- João Afonso! Porta-te bem e come o gelado ai sentadinho!

– Diz-lhe Mafalda sem paciência, sob o seu chapéu garrido contrastando sobre o seu vestido preto largo.

-Tem aqui o seu café! – Diz-lhe o empregado do café pondo a chávena em cima da mesa ao lado dos óculos de sol e do livro agora pousado na mesa.

Mafalda rasga o pacote de açúcar e derrama-o na chávena e mexe o café energicamente com a colher olhando para o pequeno sob o olhar de Rafael. Depois do divórcio não voltaram trocar uma única palavra. Rafael não perdoara a traição, de Mafalda e do seu irmão do qual não queria ouvir falar.

Rafael olhava para o menino. Os olhos verde-mar, o rosto travesso e irrequieto da infantil da doce face, do cabelo preto rebelde dos seus seis anos, quase sete. Via nele o seu irmão, do qual não queria ouvir falar. Agora percebia a traição irremediável e imperdoável do próprio irmão. Afonso fora calculista até ao fim, levara consigo Isabel grávida de poucos meses, mas o seu capricho já tinha sido realizado. Afonso apenas queria um filho e esse carregara e educara Mafalda. Esta ficara com tudo o que era do pai do menino que hoje via do céu, o fruto dos seus caprichos.

- Rafael vai para o camarim. Tem de te preparar para daqui a pouco tempo! – Diz-lhe André, o dono do café que lhe acena sob o olhar dos olhos azuis travessos e perversos.

Rafael segue para o seu cubículo onde tudo ganhava forma. Os seus olhos ganhavam cor, o seu rosto enaltecia-se com pó de arroz, as pestanas falsas se colavam nas suas, os lábios ganhavam cor, robusta e carnuda num vermelho fogo, o cabelo ganhava a cor de uma peruca loira sob o vestido rosa de lentejoulas, o chapéu preto e o cigarro fino branco na ponta dos dedos na sua mão coberta pela leve luva fina branca e os sapatos altos pretos.

Assim surgia em palco uma outra pessoa: Kelly Kiss sob os aplausos incessantes da plateia eufórica com mais um espetáculo onde as máscaras e os adereços criavam uma ilusão, alimentam os olhos de prazer e vícios, animam as mentes perversas e insaciáveis. Deitavam abaixo os preconceitos, saboreavam cada movimento de cada olhar sedutor que pisava o palco, dançava e cantava ao som da vida fictícia, onde naquela pele o faziam sentir feliz, liberto de dilemas, dramas e rumores da alma de cada movimento angelical do transformista que anima de ilusões os olhares vertiginosos, curiosos, com vontade de ter cadabeijo que abre o apetite da verdadeira essência da plateia abraçada ao encanto do espectáculo da vida onde tudo se mistura, aplausos, lágrimas, gargalhadas, o silencio das palavras que libertam a fúria para dar lugar ao amor, do corpo e da alma ressacadas do destino onde apenas se sente até a última obstinação do coração vibrante que se alimenta da dor e do ritmo da emoção que dá fulgor a cada batimento potente dentro do peito de cada um.

Fim

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