_zapping_ Postado 24 de outubro 2011 Partilhar Postado 24 de outubro 2011 - Papá, é hoje que vamos buscar a mamã? – perguntou Duarte aguardando pela resposta do pai, que acenou positivamente. Sónia e Ricardo constituíam uma típica família portuguesa, saudável, casados há oito anos, pais de Duarte, de cinco anos, com uma vida estável, residentes nos subúrbios de Lisboa e que nunca imaginaram que uma tragédia tomasse conta do lar que haviam construído. Com apenas trinta e dois anos e com uma carreira promissora enquanto gestora de produto numa conceituada marca de electrodomésticos, Sónia deparou-se com uma armadilha da vida. Depois de um desmaio em pleno metro e de ser transportada para o hospital, o pior cenário concretizou-se. Descobriu que tinha um tumor. Com um filho pequeno para criar, um marido perfeito e uma família estável, a jovem via, assim, a vida pregar-lhe uma grande partida que lhe deixaria marcas eternas. A partir daqui os seus dias já não seriam os mesmos e tinha de ser operada o quanto antes. Apesar de não ser um tumor maligno, as dimensões que tinha podiam tornar-se ainda maiores e condicionar-lhe a vida. A cirurgia seria a única forma de tentar defender-se da rasteira que a vida lhe fizera. Apoiada pelo marido e centrada no futuro do pequeno Duarte, Sónia decidiu sujeitar-se à operação. E assim foi, um mês depois da terrível descoberta, a jovem foi operada numa cirurgia que correu melhor do que aquilo que a equipa médica chegou a imaginar. O problema estava agora nas mazelas com que ficaria. E, ao contrário de tudo aquilo que a equipa média imaginou, o maior problema estava ainda para vir. O tumor fora extraído e com ele uma grande parte da jovem gestora. Depois de uma intervenção cirúrgica de várias horas, Sónia estava prestes a acordar. Ao seu lado, Ricardo contemplava as feições do rosto daquela que fora a mulher que o fizera olhar a vida de outra forma. Não conseguia imaginar como seria vê-la sem os longos cabelos negros que tantos tratamentos recebiam. De repente, os brilhantes olhos verdes de Sónia abriam-se. Com as lágrimas nos olhos, Ricardo focou o seu olhar no da sua amada e permaneceu o silêncio durante breves instantes. - O que estou eu aqui a fazer? - questionou Sónia, inquieta. - Calma, querida. Está tudo bem. Daqui a alguns dias já vais para casa. O Duarte está com a minha mãe e muito empolgado por te ter de volta. - respondeu Ricardo. - O Duarte? Mas quem é o Duarte? - ripostou a gestora. A partir daqui, a vida deste casal voltou a ser posta à prova. Assustado, Ricardo pensou que se pudesse tratar de algum delírio da companheira, mas estava enganado. Durante a operação, Sónia perdeu parte da memória e, apesar de se recordar do marido, não se lembrava de que havia sido mãe. Iniciava-se, deste modo, uma nova luta. Recuperar a memória da esposa. Tarefa que se viria a revelar bastante complicada para Ricardo. Nesse mesmo dia, ao chegar a casa, o pequeno Duarte não perdeu tempo e perguntou, de imediato, ao pai quando iria ver a mãe. - A mãe ainda está muito fraquinha, filho, vais ter que esperar. - respondeu, com a voz trémula. Os dias que se seguiram foram de enorme carga emocional para Ricardo. Ao lado da esposa, o bancário tudo fez para a fazer relembrar do filho de ambos. Mostrou-lhe o vídeo do parto, fotografias da primeira festa de anos, o quadro que tinham na sala de estar em que o pequeno Duarte sorria ao colo da mãe na praia. Nada. Por muito que tentasse, Sónia não conseguia lembrar-se daquela pequena criança que havia nascido de dentro de si. - Como poderia uma mãe não se recordar de alguém que cresceu dentro do seu corpo? - questionava-se Ricardo enquanto dava o almoço à companheira. Nesse mesmo dia, voltou a falar com o médico responsável pelo acompanhamento do caso da esposa. A situação estava estabilizada e o próximo passo passava agora por recuperar o tempo perdido e “ensinar” a Sónia aquilo que esta havia perdido. Por aconselhamento médico, só depois de ver as fotografias a gestora deveria confrontar-se fisicamente com o pequeno Duarte. A questão agora era se o devia fazer em casa ou no hospital. Depois de muito debater, Ricardo combinou com o médico que o melhor seria que mãe e filho apenas se reencontrassem em casa, uma vez que o facto de estar num local que bem conhecia poderia ajudar Sónia a reconhecer o filho. Seis dias depois da operação, a gestora estava de volta a casa. Para que o choque não fosse muito grande, Ricardo tentou ao máximo não fazer muito alarido, mas pediu aos familiares mais próximos, pais, sogros e o pequeno Duarte para estarem presentes. À saída do carro, as lágrimas escorriam pelo rosto de Sónia. Feliz por sair do quarto de Hospital, mas triste por não sentir qualquer ligação com a criança de que o marido lhe falara. - Está tudo bem, querida. Não estejas triste. Os teus pais e os meus estão lá em cima à nossa espera. E o Duarte doido para te ver. Cada degrau que subia parecia como que uma injeção de força que recebia. Força para encarar aquelas pessoas, força para encarar o mundo depois da grande partida que a vida lhe pregou. Sempre fora uma vencedora e não seria esta infelicidade que a faria desistir. Ao abrir a porta, Duarte, a explodir de alegria correu para os braços da progenitora. Levava um grande ramo de flores na mão, rosas brancas, as favoritas da mãe. - Mãezinha, que bom é ter-te de volta! - gritou como nunca o fizera. Durante a corrida da pequena criança, o mundo de Sónia parou. - Foi este o rapaz que nasceu do meu ventre? Não o conheço. O que devo fazer? Abraçá-lo? Evitá-lo? Como que por magia, surgiu, de repente Ricardo que pegou no filho ao colo e disse. - Dudas, a mamã não tem forças para te pegar ao colo. O papá ajuda-te a dar-lhe um beijinho, vá. Mas com cuidado. Duarte sorriu e nem desconfiou do que se passava. Mas percebeu o olhar distante e confuso da progenitora. - Ainda estás doente, mamã? Antes, quando me vias não paravas de me dar miminhos… Sónia verteu uma lágrima e, sem Ricardo alguma vez imaginar, pegou em Duarte ao colo e disse-lhe ao ouvido: - A mamã precisa que lhe contes umas coisinhas. Fiquei muito esquecida. Ajudas-me? Dito isto, a gestora cumprimentou os pais e os sogros, de quem se recordava perfeitamente, e esforçou-se a dar o seu melhor nesta dura guerra. Os dias foram passando e Sónia começava a recordar-se, com algum esforço de acontecimentos junto do pequeno Duarte. No dia do sexto aniversário da criança, a gestora teve pequenos flashback’s de outras festas de anos do filho. Recordou-se do segundo aniversário, quando o presenteou com um triciclo que a filha da protagonista da telenovela daquela altura utilizava. Comprara-o com o dinheiro que ganhara na lotaria popular. Embora não se lembra-se de tudo, a cada dia, a cada mês, Sónia tinha progressos. A relação de anteriormente não estava totalmente recuperada, mas sentia-se cada dia melhor. Não mais voltara a trabalhar, pois não conseguia conciliar a recuperação com aquilo que fazia, algo que a deixava transtornada, mas que aceitara perfeitamente. Durante seis anos, conseguiu ter grandes progressos e encarou o dia-a-dia sempre com um sorriso na cara. Afinal de contas, estava bem perto dos dois homens que mais importância tinham na sua vida. No entanto, o destino preparava-se para ser novamente cruel com esta família. E a vítima era novamente Sónia. Depois de seis anos de grandes progressos ao lado do pequeno Duarte, uma nova rasteira, desta vez fatal, ditaria o fim dos seus dias. - Paizinho, a mamã está lá em cima a olhar para mim. Vê bem como aquela estrela está a brilhar, vê, vê! - exclamou Duarte enquanto cumpria o seu ritual diário de ver as estrelas antes de dormir ao lado do seu pai. - Tens razão, filhote. A mamã finalmente percebeu o quanto a amamos. E está bem melhor do que alguma vez estivera aqui em baixo. Ricardo deitou o filho e regressou à sala. Olhou para o bloco de notas onde a esposa escrevia, todos os dias, os progressos que fazia com o filho. Pegou-lhe e decidiu transcrever para as folhas de papel aquilo que lhe ia na alma. Querida Sónia, já passaram dois meses desde o teu terrível desaparecimento. Porque é que te deixei ir sozinha naquele carro? Tenho tantas saudades tuas. Estou a fazer aquilo que me pediste no dia da tua operação. O Duarte está cada vez mais crescido. Todas as noites diz que vê a tua estrela. Eu sei que estás muito bem aí em cima, mas fazias tanta falta aqui em baixo. Dorme bem, eternamente teu. Ricardo. Podem ler em http://www.atelevisao.com/historias-por-contar/cedo-demais/ Citar Link to comment Partilhar nas redes sociais Mais opções de partilha...
Tiago Henriques Postado 24 de outubro 2011 Partilhar Postado 24 de outubro 2011 Será que fica muito mau eu dizer que adoro esta história? Citar Link to comment Partilhar nas redes sociais Mais opções de partilha...
_zapping_ Postado 24 de outubro 2011 Autor Partilhar Postado 24 de outubro 2011 Não, não fica. Não só por estar bem escrita, como por ser a tua primeira aventura literária. Citar Link to comment Partilhar nas redes sociais Mais opções de partilha...
CatiaVieira Postado 28 de outubro 2011 Partilhar Postado 28 de outubro 2011 A história está muito boa e dou os parabéns a quem a escreveu que até me emocionei... Mas para a próxima fazem com finais mais felizes, ou com outro tipo de doenças... porque para azares já bastam na vida real, ( e eu tenho dois casos de tumores na familia e principalmente chegados).... Desculpem lá .... Citar Link to comment Partilhar nas redes sociais Mais opções de partilha...
_zapping_ Postado 28 de outubro 2011 Autor Partilhar Postado 28 de outubro 2011 Cátia, quem escreveu esta história foi o Tiago Henriques. Cada história do "Histórias por Contar" é de um autor diferente, com um estilo diferente, com 'vidas' diferentes. Umas mais leves, outras mais pesadas. Tudo muito doseado como a vida... Citar Link to comment Partilhar nas redes sociais Mais opções de partilha...
Tiago Henriques Postado 28 de outubro 2011 Partilhar Postado 28 de outubro 2011 A história está muito boa e dou os parabéns a quem a escreveu que até me emocionei... Mas para a próxima fazem com finais mais felizes, ou com outro tipo de doenças... porque para azares já bastam na vida real, ( e eu tenho dois casos de tumores na familia e principalmente chegados).... Desculpem lá .... Obrigado, Cátia! Como disse o Zapping, o objectivo é mostrar casos da vida real, que infelizmente por vezes é demasiado má para nós... Citar Link to comment Partilhar nas redes sociais Mais opções de partilha...
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