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Drama - «Alguns Reinos Perdidos»


Bloody

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Vou-me estrear nestes tópicos. Não sei de devia incluir a história no "Romance", mas aqui vai. Está um pouco extenso, e... emocionante, diria. :mosking:

 

“Era uma vez…”. Começava sempre assim, a história que eu lhe contava todas as noites. Era sempre a mesma, ele nunca me pedia para mudar. Gostava imenso que lhe contasse esta, e eu gostava imenso de lhe contar. Quando começava, encostava a cabeça ao meu ombro e ouvia calmamente. E eu começava mais uma vez.

 

Era uma vez um príncipe, um herdeiro de uma grande terra, lá para os confins da terra. Tinha dois pais, os reis, que eram bastante impiedosos com ele. Eram disciplinados, ensinavam que o príncipe não devia mostrar sinais de amor, compaixão ou ternura para com o povo que iria governar, ou para com alguém. O povo, esse, era por vezes muito imprevisível e infiel com os seus regentes. O príncipe, porém, não aceitava esta ideia. Não conseguia sequer pensar nas ordens dos seus pais. Seria assim tão mau poder amar alguém? Viver intensamente algo que faz falta ao ser humano? Entretanto, o casamento com alguém da família estava marcado, mas o príncipe não queria nada se casar… Não sentia um ponto de amor por aquela com que ia casar, uma prima do terceiro grau.

 

Fazia uma pausa na história. Ouvia o seu coração, e o seu respirar termia o meu corpo. Era uma boa sensação, a minha favorita. Ele ouvia atentamente, ouvia sempre. E eu continuava, olhando para o céu.

 

Foi então que o príncipe certa noite fugiu do palácio. Sentiu algo que nunca sentira: liberdade. Ia por caminhos que não conhecia, mas não quis saber. Até que parou para recuperar energias. Subitamente, atrás de si, apareceu uma outra pessoa. Outro rapaz, talvez da sua idade. Afastaram-se, mas rapidamente deram conta que não se conheciam, o que foi estranho para o príncipe. Teria ido para o território inimigo, para aquele camponês não o conhecer?

Não importando se se conheciam ou não, puderam sentir a ligação que logo os uniu. Era algo que nunca tinham imaginado. Olhavam-se, e parecia que se completavam. “Então eras tu que eu andava a procurar”, pensavam os dois.

 

Aqui, ele apertava-me as mãos. Todas as vezes. Descia um pouco mais do ombro, ficando no meu peito. Já não me olhava. E eu continuava.

 

Os tempos seguintes foram os normais de uma relação amorosa. O príncipe arranjava sempre maneira de fugir do palácio – por vezes até os pais descobriam, mas ele não se importava – e ir ter com o camponês do território inimigo. Certa vez até foi sem as suas roupas extravagantes, para os dois serem o mesmo. Os dois formavam uma união mais forte do que qualquer coisa descoberta no mundo.

Entretanto, chegara o pior: o casamento do príncipe. O camponês pediu-lhe: “não te cases, fica comigo para sempre. Vamos fugir, vamos ser felizes como merecemos.” O príncipe concordou com ele, e foi ao palácio dizer que não casava. Os pais, rei e rainha de um povo adormecido, não puderam acreditar e mandaram prender o filho. O príncipe foi preso, e o camponês morreu de desgosto.

O camponês não só morreu de desgosto, como acabou mesmo por perder a vida. Foram o rei e a rainha que chegaram mesmo a matá-lo. E, no dia do casamento do príncipe, a bandeja da comida principal, ao ser revelada, era composta pela cabeça do mais amado do príncipe. Os pais, rei e rainha de um povo infiel, riram-se, e afirmaram que o filho sempre seria um rei daquele reino poderoso. O filho não se conteve, e feriu a ambos. Fugiu, pela última vez, do palácio.

 

Aqui vinha um pequeno choro. Sinto a lágrima a escorrer por toda a sua cara. E eu não podia parar, estava quase a terminar.

 

Uma guerra irrompera logo após o conflito familiar. Os reis não conseguiram impor a sua força, e o palácio é completamente devastado. O povo toma conta do poder. O príncipe, já do outro lado do território, não quer saber de nada. Nunca foi daquele estado, daquela família. A sua alma e o seu coração sempre pertencera ao camponês, que lhe mostrou o que é verdadeiramente a vida. Acabou por ir ter com ele, morrendo no local onde se conheceram pela primeira vez.

 

A história termina, e eu noto que ele já não está mais comigo. Não, ele já não está cá. Onde estás, meu amor? Fugiste? O que fiz eu? Para onde foste?

 

Então, a verdade atinge-me com uma força bruta: o príncipe afinal sou eu. E o camponês é ele, ele que tinha nos meus braços e que agora fugiu. Na realidade, ele foi morto pela minha família, que só se concerne pelo poder monetário. A empresa, o dinheiro, a herança. Ao saber que podia deixar de casar com a típica rapariga rica, e ficar por um sem-abrigo das ruas, mataram-no. E eu fiquei sem ele. Porém, era já a terceira semana que lhe contava a história. Era a única maneira de o poder sentir novamente. Sinto o seu calor no meio do frio das ruas. Era o nosso amor, e sempre achava que era melhor do que todos os outros.

 

Eu não podia esperar mais. Sabia que o mundo não teria mais nada para me oferecer senão ele. Sabia que ia voltar ao mesmo local de sempre, onde nada de novo há, onde tudo é preto e branco. Então saltei. Saltei para um infinito buraco, onde tons de solidão e tristeza faziam-me mergulhar no infindável. Tons de solidão que mudavam subitamente para tons coloridos. Vibrantes. Majestosos. O quadro vazio enche-se de tanta magia.

 

Enfim, finalmente eu entendo que posso ser o príncipe de um reino perdido, mas tu serás sempre o meu rei de um mundo grandioso. E se me coroares não fará qualquer efeito, coroar-te a ti será o meu maior orgulho. E finalmente te vejo. Finalmente sei o que é ser feliz. Deixemos os reinos perdidos ficar para trás. Em ti encontro todo o caminho que me destinava. Passeemos. De mãos dadas. De coração dado.

Editado por Bloody
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